Covas do Monte: um olhar sob a história e futuro das aldeias portuguesas

“E isto, quando era eu nova, isto era uma conta, e agora é diferente. A juventude era muita… os rapazes estavam no iteiro e a ver onde é que as pequenas (raparigas) andavam para ir ter com elas e esperá-las aos caminhos. A gente estava a lavar e eles iam lá ter, a gente ia á fonte e eles iam para lá botar pedritas aos canecos para a gente demorar mais tempo: eles botavam uma pedra e a gente tirava-a fora e tornava a pô-la na bica e eles tornavam a botar para a gente estar assim mais tempo ao pé deles”.

Estas são as palavras de Maria de Lordes Duarte da Costa de 82 anos que nasceu e reside em Covas do Monte é uma aldeia que fica situada na serra de São Macário pertence ao distrito de Viseu, ao concelho de São Pedro do Sul e à união das Freguesias de São Martinho das Moitas. As pessoas da aldeia dedicam-se ao cultivo das terras e à pastorícia, sendo que em 2011 a aldeia contava com mais de 50 habitantes permanentes e mais de duas mil cabeças de gado.

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Hoje, a aldeia tem uma população total de 33 habitantes. O número de campos cultivados é cada vez menor e o total de cabeças de gado baixou para cerca de quinhentas.

O que está a acontecer nesta aldeia é um fenómeno que se repete em várias aldeias portuguesas. Os descendentes mais jovens procuram ir viver para locais mais urbanizados, e as pessoas com maior idade que ficam na aldeia, deixam de poder trabalhar devido a doenças e à falta de familiares que os ajudem. As aldeias perdem vigor e vão ficando esquecidas, até que perdem os seus últimos habitantes e eventualmente ficam abandonadas.

Tal é o caso da aldeia da Drave, que está desabitada há mais de uma década. A Drave é uma aldeia que se situa numa convergência entre a Serra da Freita, Serra de São Macário e a Serra da Arada, integrada no Geoparque de Arouca e situada na União das Freguesias de Covelo de Paivó e Janarde, Concelho de Arouca, Distrito de Aveiro.

A aldeia, que outrora era próspera na agricultura e criação de gado, começou a perder habitantes: uns emigraram outros faleceram na aldeia que os viu nascer. A filha do casal que fora dos últimos habitantes da aldeia da Drave, vive hoje em Covas do Monte com o seu marido. Os seus esforços viram-se para a celebração religiosa que se realiza anualmente em agosto, na sua aldeia natal. Segundo a mesma, visitar a aldeia da Drave serve para relembrar os tempos da sua infância e juventude, mas reconhece, no seu ponto de vista, que a aldeia nunca mais tornará a ser o que era. Trata-se de um lugar que parou no tempo.

A aldeia de Covas do Monte, por outro lado, evoluiu e retém hoje bens essenciais que a aldeia da Drave não conseguiu adquirir, tal como água canalizada, gás, correio, telefone e cobertura de rede de telemóvel. A aldeia de Covas do Monte possui também um restaurante, que põe ao dispor dos habitantes e visitantes o prazer da gastronomia local.

Outro caso é o da aldeia da Pena, na qual vivem duas famílias que compõem o total de sete habitantes. A localidade, fica a menos de dois quilómetros de Covas do Monte. A aldeia conta com duas irmãs ainda menores de idade, que todos os dias vão para a escola que fica a mais de 20 quilómetros de distância, na cidade de São Pedro do Sul. O seu transporte diário é assegurado pela Câmara Municipal. Os outros habitantes são os pais das jovens e avó materna, que são donos de um restaurante localizado na aldeia. São vizinhos de um outro casal que fabrica peças de artesanato que expõe e vende no restaurante.

Além da sua aposta forte no comércio artesanal e gastronomia, a aldeia da Pena também vive da venda e troca de gado e do cultivo dos campos. Mesmo com uma grande diferença no número de habitantes permanentes, a aldeia da Pena tem muitas características comuns com a aldeia de Covas do Monte. Quando questionados acerca do possível futuro da sua aldeia vizinha, os habitantes de Covas do Monte dizem que o futuro da aldeia da Pena está nas mãos das duas jovens irmãs e cabe a elas decidirem o que querem fazer quando crescerem.

“Aqui também está tudo acabado”

Apesar da sua prosperidade em muitos aspetos, há quem tenha uma visão negativa do futuro da aldeia. Covas do Monte possui melhores acessos e mais recursos do que aldeia da Drave, e tem muito mais famílias do que a aldeia da Pena. Mas, ainda assim, Covas do Monte já alcançou muitas etapas do caminho para a desertificação.
O número de pessoas nascidas recentemente na aldeia é muito baixo e o número de pessoas que faleceram recentemente ou que abandonaram a aldeia é muito superior.

A maioria dos seus habitantes não nasceram em Covas do Monte, mas foram viver para lá. É o caso de Maria Salomé Martins, de 58 anos, que mora com o seu marido Manuel na aldeia. Têm uma filha com 35 anos que trabalha como advogada e mora na cidade de Viseu com o seu marido e filha. Salomé nasceu numa das aldeias vizinhas e mudou-se para Covas do Monte após o seu casamento com Manuel, natural da aldeia. Salomé refere que não tem certezas quanto ao futuro da aldeia, mas diz que sempre esteve habituada à vida de campo e que não quer outro tipo de vida.

Para além das pessoas que nasceram noutras aldeias e vieram para esta, também são muitas as pessoas que nasceram em Covas do Monte, mas que hoje em dia estão a viver fora, quer em Viseu ou em outras cidades portuguesas, quer em países como a França, a Suíça e o Brasil.

“Isto é tudo para andar… os filhos da gente não querem vir para cá, eles passam a vida melhor fora daqui…”

Os que escolhem sair da aldeia, fazem-no quase sempre à procura de um futuro melhor. No entanto, há aqueles que continuam a visitar regularmente a aldeia sem nunca se desfazerem dos bens materiais como casas, campos e palheiros que ainda possuem na localidade. Outros ainda cortam totalmente o seu contacto com a aldeia.
É de notar que os habitantes permanentes da aldeia, quer tenham nascido lá ou tenham vindo de fora, sempre cresceram no meio rural e viveram neste ambiente durante praticamente todas as suas vidas.

“A malta não quer trabalhar na agricultura”, explica António Gomes Ribeiro, de 53 anos, que nasceu e vive na aldeia. António vive com a sua mãe e apesar de já ter saído da aldeia chegando a viver na Bélgica, regressou e não tem planos de sair da aldeia. Tal como as pessoas mais velhas, António Ribeiro guarda com carinho as memórias do seu tempo de juventude passado na aldeia.

Em gerações passadas, sobretudo nos anos de 1950 a 1990, Covas do Monte contou com os maiores números de habitantes de que há memória, chegando a integra mais de 50 jovens entre os 15 e os 30 anos de idade sendo. As memórias destes tempos são as mais estimadas pelos habitantes que as viveram, pois relembram os anos de ouro da aldeia. Hoje em dia a aldeia de Covas do Monte conta com uma população total de 33 habitantes, dos quais há apenas um com menos de 20 anos de idade. José Pedro, com 7 anos de idade, é o mais novo e Claudino Pereira da Cruz é o mais velho, com 92 anos.

“Vai ficar um a viver e a mandar nisto tudo”

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Esta é uma das teorias de Maria de Lordes, mas o futuro da aldeia e dos seus habitantes é incerto, e muitos dos seus habitantes dizem que “o futuro a Deus pertence”.
A aldeia tem dois jovens com idades na casa dos 20 anos, que planeiam ficar na aldeia por sua decisão. E muitos outros habitantes demonstram um grande interesse pela divulgação e reformulação da aldeia. Tendo em conta o ponto de vista religioso, houve investimentos na capela e no caminho para o cruzeiro, no qual foi feita uma calçada decorada e altar, para a realização de celebrações religiosas ao ar livre.

Hoje em dia, a aldeia está inserida em vários programas de promoção e desenvolvimento: foi-lhe atribuído o título de Aldeia Protegida e esteve englobada em vários programas culturais, que envolviam atividades tradicionais de promoção do estilo de vida rural. Este programa cultural despertou em realizadores um interesse pela aldeia. Ali, o realizador Victor Salvador filmou o documentário “Névoa no Vale”, que estreou em 2008 e que lhe rendeu vários prémios, entre eles, a medalha de ouro no Festival Internacional de vídeo do Algarve.

Após este sucesso também outros filmes e curtas-metragens contiveram cenas filmadas na aldeia, partindo da iniciativa de outros realizadores. Esses filmes serviram para aumentar o interesse das pessoas pela vida rural, os seus prazeres e também as suas dificuldades.

A economia da aldeia ganhou também mais vertentes, para além das muitas fontes de rendimento e bens, tais como os subsídios agrícolas, a venda e troca de cabeças de gado, venda de terrenos, pinhais, eucaliptais, venda de cortiça, etc. Muitos começaram a investir em novas áreas como a apicultura, a criação de cavalos e até no aluguer de casas na aldeia a interessados em férias. Decorreu também a construção do parque de campismo localizado no topo da aldeia e parque de caravanas.

A aldeia contou também com obras de restauração em casas de habitantes mais idosos, obras realizadas gratuitamente por estudantes de arquitetura de Viseu. O restaurante foi uma iniciativa resultante da associação “Os Amigos de Covas do Monte”, sendo que inicialmente era uma escola primária, mas devido à falta de crianças as instalações foram aproveitadas e transformadas no restaurante.

Covas do Monte conta com a vinda de padeiros, merceeiro e peixeiros que vendem na aldeia alguns várias vezes por semana e outros algumas vezes por mês.
Para além destes serviços, a aldeia põe ao dispor os seus melhores recursos naturais. Mas, no final de contas, o mais indispensável à sobrevivência e evolução das aldeias portuguesas são as pessoas, pessoas que tiram o melhor proveito do que a aldeia têm ao seu dispor.
A Drave, apesar de desabitada, é hoje um dos grandes pontos de referência para escuteiros e muitas das suas casas e construções mais recentes foram reconstruídas graças aos esforços de equipas de escuteiros que potenciam e apreciam assim as potencialidades desse lugar.

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A aldeia da Pena por sua vez é alvo de grande interesse graças às suas jovens habitantes e ao restaurante.

As aldeias da região atraem muitos turistas e curiosos que vêm à procura quer de apreciar a gastronomia, a fauna e a flora, as pessoas, ou simplesmente a beleza da região. Hoje e mais do que nunca a zona é procurada por pessoas graças ao campismo e aos percursos pedestres, percursos de veículos motorizados e percursos de ciclismo.

Covas do Monte conta com visitas regulares de viajantes de todo o país e do estrangeiro, apreciadores do ambiente acolhedor, natural e genuíno da aldeia.
Hoje em dia a aldeia tem poucos habitantes mas possui muitos recursos e conta a força de vontade dos seus habitantes. Covas do Monte é uma aldeia que pode durar muito tempo.

A realidade da aldeia de Covas do Monte estende-se a muitas outras aldeias no interior do país, aldeias estas nas quais enquanto há habitantes e pessoas interessadas em tudo o que as aldeias têm para oferecer, a desertificação mais dificilmente se tornará uma realidade.
As aldeias portuguesas têm muito para oferecer.

Filipa Costa (texto e fotos)

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