Abandono Animal: uma tragédia sem resolução?

A GNR registou, no primeiro trimestre de 2016, um aumento de 25% no número de denúncias a maus-tratos e a abandono animal, comparativamente ao mesmo período do ano anterior. O flagelo do abandono animal não pára de aumentar e o que antes seria apanágio das férias de Verão, agora é uma constante ao longo do ano. A principal razão é a falta de identificação nos animais que são encontrados.

animais
Segundo Ana Maria Vaz, diretora do Cantinho dos Animais de Viseu desde 1993, “o abandono é todo o ano, já não há épocas mais altas. Os jovens, porque são o nosso futuro, não se preocupam em esterilizar/castrar os seus animais. Acham que estes vão perder as suas qualidades e já não vão ‘prestar’. Esquecem-se é do mais importante, que as cadelas não têm um filho, têm vários. O abandono não se vai resolver tão cedo e isso deve-se, sobretudo, a donos que rejeitam a ideia de pôr microchip e registar os seus animais, com o intuito de não arcarem com as culpas, se houver algum problema com os seus animais”. Segundo a responsável, Em Portugal faltam bases de dados. “Nos países como a Holanda ou Inglaterra os jovens querem os animais, responsabilizando-se por eles tendo-os devidamente esterilizados/castrados”, aponta.

Voluntariado de alma e coração

Estela Lopes, de apenas 17 anos, faz voluntariado desde os 15. “Tinha 15 anos quando a minha prima, que fez voluntariado numa associação de apoio animal, me pediu para ir com ela ao abrigo, porque precisava de ajuda para limpar as boxes e alimentar os cães. Esse dia foi marcante para mim, pois vi a quantidade de animais que precisavam de alguém que tomasse conta deles”. A jovem relata assim o seu primeiro contacto num canil na zona de Mangualde.

Roberta Almeida, advogada de profissão, sempre teve uma grande ligação com os animais, em particular com os cães. Conta que com cerca de 7 anos resgatou o seu primeiro cão bebé, quando andava com a sua família num pinhal. “Tirei o casaco e embrulhei-o nele. Já ia a entrar no carro com ele escondido, quando os meus pais se aperceberam que eu tinha um cãozinho bebé ao colo. Trouxemo-lo e permaneceu connosco até arranjar uma família”, conta, entre sorrisos. No entanto, quanto mais crescia, mais a preocupação pelo bem-estar dos patudos se ia intensificando. “Chegava a entrar em cafés comprar um bolo de arroz ou lancheiras para dar a animais que via na rua e pareciam ter fome”, recorda a advogada.

“Sei que todas as associações passam por dificuldades financeiras, por falta de apoios e de voluntariado. Aquela onde fui voluntária não era exceção. Infelizmente, aquilo que me fez mesmo desistir do voluntariado foi o facto de a associação ter uma presidente que não colocava os interesses dos animais em primeiro plano. Uma presidente que não ajuda, nem quer ajudar. Impedia os voluntários de fazer o melhor pelos animais, não assegurando o mínimo de cuidados veterinários aos animais”, lamenta Roberta Almeida.

Atualmente a advogada não faz voluntariado em nenhuma associação, no entanto, continua ativa no que diz respeito a proteger animais, encaminhando-os para um lar onde exista amor e os animais sejam tratados como membros da família. “Continuo a alimentar os cães da aldeia, felizmente só há uma fêmea e vou apanhando as ninhadas que esta costuma ter. O meu foco de atenção agora é esterilizar a fêmea, mas ela não deixa que ninguém se aproxime. Para além disso, juntamente com uma amiga, vou resgatando outros animais que apareçam por Viseu”, salienta Roberta Almeida.

PAN com voz ativa no Parlamento.

O PAN – Pessoas Animais e Natureza juntou-se, nas legislativas de 2015, aos outros cinco partidos já com representação parlamentar. Contribuíram para a entrada em vigor da lei que criminaliza os maus-tratos, que pode  punir aqueles que maltratarem animais com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. Ana Maria Vaz está dececionada com este partido. “Começaram por falar no não abate nos canis municipais. O nosso (Cantinho) é particular e temos tantos animais a entrar aqui. Se, uma pessoa nos liga a dizer que tem um animal à porta de sua casa e que tem trela, nós não o vamos buscar, pode ter fugido de casa e voltar passado uns momentos. Os canis não abatem, mas a população não quer o animal ali a rondar, talvez vá ser maltratado ou pior, envenenado e coisas do género. Não há provas que o animal é maltratado, é a palavra do dono, se assim o pudemos chamar, contra a da testemunha”, refere.

O Facebook e o (re)encontro com os donos

No Facebook existem inúmeras páginas com apelos a animais que foram abandonados ou perdidos. Francisca Laranjeira, de 23 anos, e licenciada em Psicologia, é uma das gestoras da página Animais perdidos/abandonados VISEU. O motivo mais importante e que levou à criação da página foi a inexistência de uma página só com este tema em Viseu. Inicialmente, o que seria apenas um grupo fechado no facebook causou tanto interesse aos cibernautas que foi criada uma página aberta, tornando mais fácil a pesquisa e a partilha de anúncios através de lá.

Tendo sido criada em novembro de 2015, não havia expectativas, se iria ter adesão ou não. Ao longo do tempo a história mudou… “Felizmente este ‘passa a palavra’ funciona muito bem no Facebook e tem sido muito bom ver que ainda há pessoas dedicadas a ajudar estes animais seja tirando-os da rua, alimentando-os ou fazendo esforços para lhes encontrar famílias. Dá-nos a sensação que o abandono de animais é cada vez maior, mas é também cada vez maior a procura de animais para adotar”, conclui assim a psicóloga, que sempre teve uma relação mais sensível com animais.

Adoção com cabeça

Mel “foi abandonada num pinhal dentro de um saco, assim que nasceu… É fácil adivinhar o que lhe teria acontecido, se a pessoa que a resgatou não estivesse ali a passar”, relata Estela, que adotou há pouco tempo o animal indefeso. “A Mel, nome escolhido por mim e pelo meu irmão, adaptou-se muito bem à sua nova família e ao que a rodeia. Ao inicio era desconfiada, mas com o passar dos dias viu que não lhe iríamos fazer mal. Atualmente, é de uma meiguice extrema e muito astuta” conclui a jovem.

“Não damos a estudantes sem a presença de progenitores, ou seja, já podem ter atingido a maioridade, no entanto, se não tiverem dependência financeira para nós os responsáveis são os pais. Não damos também a desempregados. O país está a atravessar uma crise económica e um animal tem sempre despesas. A imagem de um sem-abrigo agarrado ao seu cão é bonita, mas não têm as condições que pretendemos dar aos nossos animais. Se pudermos arranjar um lar onde o dono lhes dá cama, comida e os passeia com trela, melhor”. É assim que a Diretora do Cantinho age em relação a possíveis adotantes. “Já me chegaram a dizer que é mais fácil adotar um filho em Viseu, do que um animal aqui no Cantinho. E ainda bem que assim é!”, conclui Ana Maria Vaz.

animais1

“Viseu reconhece o nosso trabalho e a maioria das pessoas são generosas com as recolhas de bens alimentares. A população que lida connosco e que nos conhece há muitos anos sabe o trabalho que é feito diariamente no albergue”, conta Ana Maria Vaz.

No que diz respeito a sócios, o Cantinho conta com pouco mais de três mil apoiantes, no entanto, nem todos têm as quotas em dia. “São os nossos queridos sócios, que nos ajudam quando estamos mais enrascados. Ajudam-nos com os testes de Leishmaniose, com os testes de FELV e com outros tipos de ajuda”, explica.

Neste momento o Cantinho dos Animais alberga 350 cães e 50 gatos. A explicação de Ana Maria em relação aos números serem díspares, deve-se ao facto de os gatos não serem tão dependentes dos seus donos, a nível de passeio e de higiene.

A diretora do Cantinho leva o seu trabalho bastante a sério e não vê com bons olhos as pessoas que pensam que a associação é uma montra onde podem ver e escolher os animais que querem. Assim sendo, existem dias abertos para visitar o Cantinho. “Em março quando o Cantinho celebra aniversário e em outubro no Dia do Animal, fazemos três ou quatro dias de visita. Temos também visitas com as escolas, mas só a partir da primavera que é quando o tempo começa a melhorar”, relembra a responsável.

Denunciar é um dever

Os cidadãos quando quiserem denunciar alguma situação de violência animal têm ao seu dispor uma linha SOS e em número azul- 808 200 520, que está ativa 24 horas por dia e pertence à GNR. Ou ainda, o email da sepna- sepna@gnr.pt.

Inês Loureiro (texto e fotos)

a