Viver aos 720 meses de idade

“Tenho uma vida maravilhosa,  rodeada de pessoas que gosto e espero cá permanecer durante muitos mais anos” Assim começa o discurso de Lídia Amaral, de “60 anos e 5 meses”, cujo sorriso e brilho no olhar denunciam a serenidade de uma adepta da expressão carpe diem, tatuada no pescoço da idosa.

Lídia passou por todas fases. Brincou, teve namoradinhos, mais tarde casou, teve filhos, netos e ficou viúva. Agora, sem ninguém aos seus cuidados, vive ao minuto, sem pensar demasiado, algo que é, aliás, visível pela pigmentação rosa, com que escolheu cobrir os seus cabelos há 2 semanas. “Sinto-me mais realizada que nunca! Posso mesmo dizer que vivo, hoje, uma das melhores fases. Enquanto mais jovem, sempre liguei muito à opinião dos outros sobre mim. Com o tempo fui gostando mais de mim, aprendi a respeitar-me, tornei-me a minha melhor amiga!”

O outro lado

Experiência contrária tem António Costa de 71 anos, que partilha o seu saber acerca de um envelhecimento muito negro. “Vi muita da minha gente deixar este mundo cedo demais. Sobrei eu, mas e agora o que faço sozinho nestas ruas?”, pergunta-se a si próprio num pensamento em voz alta. António descreve-se como um vulto daquilo que foi em tempos.  A soma de inúmeras desilusões resultaram “num homem sozinho, sem amigos, apático e de feitio complicado”.

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As palavras de António Costa são reforçadas pela opinião de Teresa Aguiar, mestre em psicologia e diretora técnica do lar Maria Augusta Gonçalves, no porto. Teresa fala sobre a conhecida casmurrice  : “é sabido que alguns aspetos da personalidade acentuam-se com a idade e mais difícil mudar hábitos, o que pode gerar conflitos na convivência com os outros”.

Contagem decrescente para o furo no umbigo

Luísa Neto tem 15 anos e confessa que pensa todos dias nos preparativos da festa do seu 18.º aniversário . “Quero furar o umbigo, tirar a carta e ir aos festivais de verão!”, afirma a própria. Algo curioso acerca o ser humano é a vontade de ser mais  velho quando se é novo e a certa altura deseja parar no tempo ou muitas vezes até ter um comando para carregar o botão rewind.

No caso da jovem estudante, Ana Magalhães, essa opção seria um sonho tornado realidade para regressar aos tempos de maior ingenuidade. Na recente comemoração das suas 21 primaveras, diz ter chorado bastante, pois cada vez mais ciente que o mundo não é assim tão cor-de-rosa.

“Chorei muito, e acho que os convidados ficaram a achar que eram lágrimas de felicidade. Era na verdade um choro de muita tristeza e angústia”, desabafa. Até agora tudo que tinha imaginado para a sua vida, não acontecera como esperado, “deixei de me relacionar com amigas que achava que achava que iam estar  sempre ao meu lado, a minha mãe continua a tratar me como se ainda fosse criança, não me dá liberdade nenhuma, não entrei no curso que pretendia,..enfim, só quero voltar a ser criança para não ter consciência de nada, acrescenta a estudante.

Mas o porquê disto acontecer? A psicóloga, Teresa Aguiar responsabiliza a sociedade que “exerce uma  pressão enorme para  uma criança crescer de forma a se tornar mais autónoma. Mais tarde, por volta dos 30 anos o indivíduo sente a pressão contrária para desacelerar o envelhecimento, pois a este processo está associada a ideia do declínio a nível psicológico, físico e mental”.

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Do lado oposto encontra-se Ana Costa, professora universitária. Apesar de faltarem apenas 3 anos para atingir os 60 anos, conta pelos dedos os dias que faltam para comemorar 6 décadas de existência. Acredita que a azáfama do dia-a-dia e as responsabilidades que a profissão acarreta, impossibilita de saborear o que realmente importa. Quer “ter tempo, para ler os livros que não leu, viajar por terras desconhecidas, e ver filmes, muitos filmes”, conclui.

Parar é morrer

Lídia Amaral, a rebelde tardia, como se auto-intitula aproveita a sua aposentadoria antecipada para apreender sobre computadores. “É assim que mantenho contacto com os meus netos, que vivem na Suiça, tive de criar uma conta no facebook e desde então sou viciada” assume.

Lídia já não trabalha, contudo passa o seu tempo livre a organizar pequenas festas de aniversário, no sentido de se manter desperta.

Teresa Aguiar, assegura que não faltam casos em que os idosos fazem questão de continuar a exercer uma atividade profissional ou optam por dar seguimento a vida académica. “Existem profissionais que trabalham após a reforma. Outro exemplo são as universidades sénior, nas quais os idosos aprendem e adquirem novas competências”.

A psicológa aponta para a contribuição dos idosos no crescimento da comunidade, através da partilha de conhecimentos e experiências com os mais novos. Refere ainda “um grupo acordeonistas que vai ao lar tocar para os nossos residentes”, como um exemplo de reformados, que por desejo próprio, escolhem manterem-se ativos.

De acordo com a mesma, “o conceito da velhice varia consoante a cultura e as condições existentes em cada país”.

Pela última vez, amo-te

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Quem nunca pensou no “e se”? Ficou com dúvidas, arrependido do que não fez? Rúben Pinho, sente o atormento de no último dia de vida da sua avó paterna ter alterado os planos de almoço de família, pela companhia dos amigos, há cerca de 4 anos. “Sinto que não fui bom neto, devia ter dito “amo-te” mais vezes, gostava de me ter despedido”. Esta foi avó que o ensinou a andar, a avó que lhe incutiu o gosto pela leitura, a avó que foi uma segunda mãe.

Rúben, com agora 23 anos, amadureceu e tenta estar o máximo de tempo com o seu avô e avó materna. Tem noção que se outrora eram os seus antecedentes que cuidavam de si, agora a situação inverte-se. “Tal como eles acompanharam o meu processo de crescimento, neste momento sinto que é a minha vez de retribuir o favor. Entristece-me um pouco ver que os meus avós já não estão na plenitude das suas capacidades, mas fico satisfeito por estar ao lado deles”.

E de duas mães também “nasceu” Ana Magalhães. A sua avó morreu quando tinha apenas 13 anos, porém as memórias permanecem. “Lembro-me de ela me dizer que lamentava o facto de provavelmente não estar presente no meu casamento. Eu ria-me e respondia que se ela não estivesse em vida, na altura, não me casaria”. Hoje, como prometido, Ana garante que não se irá casar sem a mão da sua querida avó, poder apertar.

Na saúde e na doença

Teresa Aguiar explica que o envolvimento da família do sénior na adaptação da nova realidade é fulcral, uma vez que afeta diretamente a maneira como o idoso encara a situação. “É importante que os parentes respeitem as suas vontades dos mais velhos, mantendo sua individualidade”. Mas isto nem sempre é possível e por isso os familiares recorrem a estruturas para as ajudar a compreender o idoso e a saber lidar com todas as alterações intrínsecas à velhice.

Ana Magalhães conta que muitos dos valores traços da sua personalidade devem-se ao avô paterno, que reside num lar. Não por falta de carinho da família mas sim por ser muito complicado tratar de um idoso acamado por falta de conhecimentos em lidar com o doente. “Acho que foi a melhor opção, mas inicialmente custou muito. Sentia me ingrata. Ele esteve, toda vida, ali para mim, e agora, na altura que ele mais precisava, eu não estava lá”, confidencia, com uma certa dificuldade em falar.

 

O lar Maria Augusta Gonçalves, criado em 1986, procura integrar os membros familiares dos seus utentes, no processo de integração no novo ambiente, “para que o o idoso não se sinta abandonado pela família”. A diretora técnica do lar e psicóloga, Teresa Aguiar, salienta a importância da preservação das rotinas  e das relações dos idosos, antes de entrar na casa de repouso, “pois estas irão servir como base segura para os novos laços que irão construir no novo contexto.

Verde de esperança

Aos 25 anos, Joana Rita confessa que gostaria de ter o poder de voltar no tempo. Por outro lado mostra-se entusiasmada com a ideia de ter filhos, como já muitas amigas o fizeram e continuar a aprender com as peripécias da vida. “Adorava ter muitos filhos, mas tenho plena noção que só os terei por volta dos 30 anos e se tiver condições para isso. Neste momento ainda estou a estudar, mas anseio por esse momento.

“Não quero mesmo chegar a velha”, responde Joana Rita com um medo perceptível, sob forma de um riso tímido. “Cada vez mais vejo a sociedade a evoluir, os mais velhos tornam-se um incómodo, são vistos como inúteis e mais tardes abandonados em lares” prossegue. A jovem teme sofrer de uma doença terminal no seu 60º ano de vida, tal como sua mãe e avó que morreram antes do tempo, vítimas de cancro.

Neste momento, a esperança média de vida situa-se entre os 75 e os 81 anos e prevê-se que o números continuem a aumentar cada vez mais devido aos avanços na medicina e ao aumento da qualidade de vida.

Teresa Aguiar defende que “a atividade física previne e ajuda a combater algumas doenças como a hipertensão, obesidade, diabetes, depressão, aumenta a força muscular, ajuda a reduzir as dores e a necessidade de tomar uma grande quantidade de medicamentos”.

Nesta linha de pensamento, promove no lar onde trabalha, em articulação com a animadora sócio-cultural ações variadas. “Incentivamos atividades de motricidade fina e grossa, artes manuais, atividades musicais, atividades de estimulação cognitiva, etc. Nos dias de aniversários, celebramos com os utentes e os familiares, realizamos passeios, visitas a escolas..e comemoramos também eventos sazonais, como as vindimas, o dia da mão e o São João”.

“Também a atividade social é importante pois reduz o isolamento comunitário, aumenta a aut-oestima, a confiança em si mesmo. Tudo isso ajuda a melhorar as condições de vida, prolongando a vida dos nossos ascendentes”, finaliza.

Filipe Dias, conta com 27 anos de experiência, quase nada em comparação aos mais 33 que pretende somar ao seu currículo. “É uma idade que me traz muita curiosidade, porque acho que aprendemos em todas faixas etárias. Acho que é uma fase muito libertadora, porque pouco se tem a perder. Filipe, doutorado em engenharia, reconhece a sua ignorância perto de alguém “mil vezes mais vivido”.

Aliona Ndilu (texto e fotos)

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