Cantar à saudade: retrato do povo português além-fronteiras

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Júlio Monteiro, 69 anos, reside em Prados, uma aldeia do concelho de Pinhel, onde a emigração é uma realidade muito presente. Emigrou com 24 anos, casado de fresco, em busca de uma vida melhor. Na década de 70 Portugal vivia ainda sob um regime ditatorial, a pobreza no país era muita, havia falta de trabalho e os salários eram baixos. A juntar a isto, o facto de viver numa aldeia do interior, pouco desenvolvida, e onde o trabalho era quase inexistente, levou-o a partir em busca de uma vida melhor. Júlio Monteiro confessa que o facto de ter um irmão em França o ajudou a tomar essa iniciativa.

Emigrado durante oito anos, o reformado conta que a maior dificuldade que sentiu ao chegar ao país acolhedor foi a língua e a sua cultura. “Não sabia falar francês”, recorda. A família apoiou-o nesta decisão e foi por ela que emigrou e regressou oito anos mais tarde, já com uma vida financeira mais estável e pronto para recomeçar uma nova vida em Portugal.

Quem também regressou após sete anos na Alemanha foi Fernanda Malés, natural de Reigadinha, Pinhel, que decidiu abandonar o país devido às “dificuldades económicas que se encontravam no dia-á-dia” e “devido á ambição de ter um futuro melhor, de poder dar um futuro melhor às filhas”.

“A primeira dificuldade foi a língua, é muito difícil”, desabafou, dizendo contudo que tinha ido com um objetivo: tornar-se independente. É então que decide ir para uma escola aprender alemão. “Trabalhava de dia e estudava à noite”, conta. A partir do momento em que começou a aprender a língua tudo se tornou mais fácil. Recorda que quando não sabia uma palavra, apontava em português e traduzia para alemão. “Podia não escrever corretamente, mas sabia com se dizia”, assume Fernanda.”

“Nós os portugueses temos uma mentalidade muito retrógrada”

Quem emigrou primeiro foi o marido e Fernanda admite que a decisão está relacionada com a mentalidade do país. “Nós os portugueses temos uma mentalidade muito retrógrada”, diz. “Naquela altura, uma mulher emigrar sozinha não era muito bem visto, pois estas ainda tinham um papel muito diminuído na sociedade”, acrescenta a ex-emigrante. Após este estar estabelecido numa casa de apenas uma divisão, no quarto andar de um prédio que tinha a casa de banho no rés-do-chão, Fernanda juntou-se ao marido.

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Fernanda conta que a primeira vez que saiu à rua se sentiu perdida, sozinha. “Por vezes nem sabia onde estava”, relata. Confessa que foi uma mudança muito grande, pois saiu de um meio rural para um meio urbano, onde “era tudo diferente.” Mas não baixou os braços, tentou integrar-se com comunidade local e conta que até participou num rancho folclórico, o que a ajudou a criar novos laços afetivos e a integrar-se culturalmente. “Levou-me a viajar por varias cidades com várias raças e isso deu-me uma bagagem de aprendizagem”, admite.

Oito anos depois regressou, decisão que lhe causou arrependimento. “Adorava o estrangeiro”, salienta, acrescentando que o regresso a casa foi comandado pelas circunstâncias da vida. O facto de as filhas não se terem adaptado à língua e à cultura foi o principal motivo pelo qual regressou. Foram, aliás, as filhas, quem mais lhe custou deixar para trás quando partiu.

“É o mesmo quando se morre, a alma parte e o corpo fica.”

Fernanda relata que o dia anterior à sua partida foi muito difícil. “No dia antes, enquanto preparava as malas eu já gritava; quando cheguei a Espanha eu chorava. Foram tempos muito difíceis”, recorda, acrescentando que “no primeiro mês anda-se sempre com a lágrima no olho, mas depois supera-se”.

Recentemente, muitos portugueses partiram em busca de uma vida melhor. A atual situação financeira do país leva-os a dar um novo rumo à sua vida. Na opinião de Fernanda, isto ocorre devido à crise que o país atravessa. Ainda assim, a ex-emigrante acredita que os jovens também devem emigrar “para terem um início de vida diferente,” uma nova experiência. O fenómeno da emigração observa-se sobretudo no interior, por ser um “meio empresarial nulo”, diz Fernanda. Aqui as pessoas emigram não só para o estrangeiro, mas também para os grandes centros urbanos.

Rosto de uma emigração forçada.

A situação de desemprego dos pais levou-os a emigrarem, para França. João, sendo menor, emigrou com eles. “No início foi duro, foi triste, porque sabia que tinha de deixar o meu país natal, a aldeia onde eu nasci e todos os meus amigos que tinha feito até aí.”, conta.

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Também para o jovem “as maiores dificuldades” foram “a barreira da língua”, pois alega que sem ela é difícil “fazer amizades”, “ter uma conversa”. Esse é um dos motivos que torna a adaptação ainda mais difícil. João considera que a “aprendizagem da língua é lenta e leva o seu tempo”, o que no seu caso foi cerca de um ano e meio, altura em que começou a fazer amigos, a sair um pouco e a criar um ritmo de vida.

João conta que uma das maiores diferenças que encontrou foi em pequenas situações do quotidiano, onde o estudante considera que a população francesa foi mais gentil e mais simpática do que a portuguesa. A disponibilidade para ajudar é outro dos elogios que o jovem faz aos franceses, assumindo que quando partiu esperava o contrário. “No dia-a-dia quando tu passas por um francês, ele é simpático,” já por seu lado, com o português “não há nada, nem um olhar e ainda te vão olhar de lado,” desabafa.

Sendo um adolescente, quando partiu, com apenas 12 anos, o jovem assume que se revoltou um pouco. “Sim é claro que me revoltou um bocado, é claro que me doeu o coração porque tinha criado o meu ritmo de vida, tinha criado os meus amigos.” Contudo, diz que compreendeu a decisão. “Quando os nossos pais tomam uma decisão é para o nosso bem e para termos uma vida melhor”, reconhece João, acrescentando que cabe também aos filhos ajudar naquilo que conseguirem.

Para João a experiência da emigração traduziu-se em crescimento mental, pois ao ter contactado com um novo mundo, novos sabores e uma nova cultura evoluiu como pessoa. “Claro que não vais pensar da mesma maneira, como por exemplo eu pensava há 5 anos atrás, tens uma abertura para um mundo completamente diferente”, garante. No entanto, João admite que se aprende a dureza a vida. ”Quando olhas para os teus pais que chegam tarde a casa todos os dias, vês o quanto a vida é difícil e os sacrifícios que tens de fazer para conseguires ter um estilo de vida mais confortável”, resume.

No futuro João não pensa regressar a Portugal, a não ser no período de férias, pois a conjuntura económica em que o país se encontra não o permite. E ao observar de longe a realidade portuguesa, os salários e o poder de compra de cada um dos países percebesse a diferença. “Quando tu vês que aí o salario mínimo é de 500 euros e aqui é três vezes mais, tu dizes para ti mesmo que não vais voltar para um país assim em termos económicos”, desabafa o jovem.

Confrontado com o elevado número de emigração jovem em Portugal, o adolescente considera que estes o fazem por obrigação, pois no país de origem “não há vagas, não há trabalho”, o que torna muitas vezes o estrangeiro na única saída visível no horizonte.

Em busca do desconhecido

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Quem também emigrou devido à falta de emprego na sua área foi Adriano Pina. Com 26 anos, licenciado em Enfermagem, emigrou para Inglaterra à procura de uma nova oportunidade, movido pelo desejo de aventura, na busca do desconhecido. “Foi mesmo uma aventura não sabia o que estava do lado de lá”, conta. Foi com alguns colegas de curso, contudo assume não conhecia ninguém.

Adriano conta que uma das maiores dificuldades foi o tempo. Habituado ao clima mediterrânico, confessa que a chuva lhe fez alguma confusão. Contudo, a maior dificuldade que sentiu foram as saudades de casa. “Porque para quem emigra custa sempre, pouco ou muito tu sentes sempre saudades de casa”, afirma. O enfermeiro admite ainda que sente falta dos amigos, da rotina e até dos programas de televisão.

Adriano recorda Portugal com saudade. Refere que a sua ida para Inglaterra fez com que desse mais valor os símbolos portugueses, como o fado. E que por vezes sinta uma nostalgia quando joga a seleção ou com a simples referência a Portugal numa televisão inglesa. Porém, revela que o sente mais falta é “definitivamente da qualidade da comida e da família”.

A cultura gastronómica inglesa foi também um fator complicado de assimilar. Assumindo que “os ingleses não tem cultura gastronómica”, Adriano estranhou alguns hábitos que, considera, são até prejudiciais para a saúde. Exemplifica com o facto de, em Inglaterra, ser muito natural ver uma criança de 2 anos, de manhã, a beber coca-cola e a comer batatas fritas.

Quanto à evolução económica, financeira e social, Adriano considera que Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer. Na sua opinião, a cultura moderna é muito subsidiodependente, ou seja, o enfermeiro defende que atualmente a população é muito dependente de subsídios, nomeadamente de ajudas sociais. Quanto à sua área profissional, Adriano Pina critica o fato de muitos enfermeiros terem de se sujeitar a empregos em regime de recibos verdes, bem como os baixos salários que recebem. “Na minha área ainda há enfermeiros a ganhar 4 euros à hora. Isso não é trabalho, é escravidão”, critica o jovem.

Confrontado com a elevada percentagem de emigração em Portugal, o emigrante considera que esta é impingida. Adriano considera que em Portugal não se valorizam os licenciados, já que estes ganham ordenados a rondar os 500, o mesmo que por exemplo ganha um funcionário de balcão.  Perante este cenário, percebe-se que se desvaloriza por vezes o mérito de quem tira um curso de 3/4 anos, de quem tem responsabilidades acrescidas, como é caso de enfermeiro. Adriano termina dizendo que se deve valorizar a formação e que devemos ser pagos de acordo com a nossa responsabilidade.

O que dizem as estatísticas oficiais

O Instituto Nacional de Estatística (INE) revela que, contrariamente ao esperado, o ano de 2015 registou uma ligeira diminuição do número de pessoas a abandonar o país. De acordo com os dados disponibilizados pelo instituto, no ano de 2015 cerca de 49,5 mil pessoas emigraram, uma redução de 7,8 % em comparação com 2014. Regista-se contudo, o uma subida de 14,4 %, relativamente de pessoas que pretendem regressar no prazo de um ano.

A emigração tem atingido nos últimos anos um pico elevado. O desemprego é uma das principais causas apontadas, contudo este deve-se à conjuntura económica em que o país se encontra. Os jovens são que aqueles que mais partem na busca de uma vida melhor, sendo no interior onde se encontra maior vaga de emigração.

Cristiana Pina

Imagens: Direitos Reservados

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