O Crime da Poça das Feiticeiras: Um mergulho na história de Viseu

O “Crime da Poça das Feiticeiras” é um romance. O autor da obra, Paulo Bruno Alves, docente na ESEV (Escola Superior de Educação de Viseu), motivado pela sua paixão pela escrita e pelo facto de residir em Ranhados, local do crime, decidiu explorar este marco no seu livro. O crime da poça das feiticeiras é um mergulho nas emaranhadas peripécias deste caso que abalou Viseu e transcendeu fronteiras, marcando uma presença duradoura na memoria coletiva.

Por: Marco Granja e Gonçalo Bastos (alunos do 1º ano de Comunicação Social)

O que motivou a escrita deste livro?

Começou porque escrever foi uma paixão que eu ganhei desde cedo e já tinha escrito pequenas histórias, pequenos contos, poesia… mas ainda não tinha entrado no romance. Como residia em Ranhados e é precisamente nessa freguesia que acontece o crime, em 1925, já tinha ouvido falar dele, as pessoas diziam que tinha abalado a alta sociedade visiense de há 100 anos e a verdade é que ainda faz parte do imaginário de muitas pessoas que recordam os seus pais e ainda que falam desse tema.  É uma história que passou de geração em geração, e não apenas dos vizinhos, mas de muitos que acompanharam o caso ao longo do país inteiro, porque o caso teve repercussões em Coimbra, no Porto, em Lisboa e foi muito badalado.

Foi um caso que abalou Viseu e apaixonou o país porque se constituíram grupos de apoio numa espécie de ativismo ainda imberbe, mas de apoio aos condenados que estavam a vender os livros a publicitá-los e a vendê-los depois fazendo com que esse dinheiro pudesse ajudar a pagar as custas judiciais que foram imensas. O caso ficou judicialmente fechado apenas em 1932, com os recursos ao julgamento que aconteceu em 1927, em Viseu, no tribunal que existia, onde hoje é a Câmara Municipal de Viseu, no Rossio. Entretanto, o que surgiu foi que o crime sempre fez ecoar em mim alguma coisa de criar uma história sobre isso.

Como poderia descrever a mensagem central ou tema predominante do seu livro e como espera que ele impacte os leitores?

O crime acontece na noite 16 para 17 de julho de 1925. Na manhã 17 de julho aparece a boiar na poça das feiticeiras um corpo, que dá o nome ao crime. É, entretanto, nesse nessa mesma manhã, que a filha Silvina, o genro Claudino e a criada Albina são levados para a polícia sem que houvesse uma acusação formal, mas levaram-nos. O caso rapidamente fez nascer duas visões perfeitamente antagónicas: uma visão que acusava precisamente a filha Silvina e Claudino, o marido, de serem os assassinos de João Trindade, e Albina, a criada de ambos, sendo encobridora. Mas, a outra tese afirmava que os autores eram outros, e os intuitos eram que tinha sido montado um complô contra a filha e contra o genro de forma que a fortuna passasse para outras mãos. Esta ideia alimentou a trama. No fundo, eu li o processo judicial e os livros todos, foi um período de vários meses. Por exemplo, só a análise do processo, que tem mais de quatro mil páginas, demorou mais quatro meses a fazer…

Paulo Bruno Alves, autor do livro “O Crime da Poça das Feiticeiras”

No que toca ao processo de escrita, houve algum desafio em particular durante a criação do livro?

Este este romance estabelece-se em três elementos específicos de criação, um deles é a ficção pura, o outro uma realidade ficcionada e depois uma análise que vai cronologicamente apresentando os elementos, ou seja, a longa narrativa em que o leitor se confronta com acontecimentos que os vão transportar para Viseu, num Portugal antigo. Portanto, estamos a falar de uma cidade em 1925, que ficava muito longe de Coimbra, de Lisboa, do Porto. No texto criei duas histórias paralelas: uma história real em que se vai avançando sobre o livro desde o momento em que o outro caso surge, portanto há um prólogo em que o mesmo é criado sobretudo na fase que é a última noite de João Trindade e depois ao longo do texto a parte real fala ele próprio, ou seja, uma analepse. Eu vou buscar informações dele próprio e de outro que vou recriando em termos ficcionais, este é um ponto. A outra parte é precisamente uma narrativa criada a partir de uma ficção total, que é a de um inspetor da polícia judiciária do Porto, chamado Gabriel Malafaia, que recebe de herança uma caixa do avô, entretanto falecido, que aponta direções sobre o caso. O que me parece interessante é a viagem que Gabriel faz numa Viseu que eu apresentei em 2007, o ano em que decidi escrever, em que Viseu se apresentava de uma forma um pouco diferente do que é hoje, mas que vai mostrar as partes de uma Viseu antiga na parte real e mais atual na parte ficcionada. Depois, vai juntar-se a Rita Figueiroa, uma personagem também muito interessante para a história, pois ambos vão descobrir, mais ele do que ela, que se calhar houve intervenção de alguém para fazer desaparecer o tesouro. Portanto, não vou dizer mais do que isso, até para suscitar interesse…

Como espera que os leitores se conectem com a obra? Existe uma mensagem específica que faça com que eles o levem consigo após a leitura?

Há uma imagem que eu quero que fique. A verdade, neste caso, foi sempre questionável. Desde as primeiras horas, quando o corpo de João Alves Trindade foi descoberto, que se criou a ideia de que havia os culpados, que eram para as pessoas que tinham sido levadas para a política, e outros que diziam que não podia ser e tinham de ser outras pessoas. Por isso, criaram-se estas duas visões antagónicas. Este romance não pretende contestar, de forma alguma, o que ficou provado em tribunal e que depois seguiu para trâmites superiores com os recursos. No entanto, eu não deixo de levantar questões, de expor contradições que aconteceram no caso, e estes elementos são primordiais para que o leitor consiga conhecer estes elementos e consiga também criar a sua própria visão.

Há uma dúvida crescente, que vai naturalmente acompanhar o leitor até ao momento em que ele próprio diz, perante o que eu escrevo, perante os factos que são os autos da justiça, perceber o que é que realmente aconteceu, e a mensagem que eu deixo é que há em todos nós a ideia de que podemos olhar para a mesma realidade e ter perceções diferentes.

Além de que convido os leitores a descobrir uma cidade que não conhecem, até por alguns mitos urbanos, que são reais, como é o caso dos túneis de Viseu, que existem. Aliás, eu já estive dentro de um, portanto confirmo que eles realmente existem.

Quais são suas expectativas após o lançamento do livro? Há algo que gostaria que os leitores fizessem ou sentissem ao terminarem a leitura?

No fundo, criar a expectativa olhar para uma Viseu antiga, voltarem a olhar para a cidade que habitam e que dizem conhecer. Eu próprio, no processo de escrita e anos mais tarde, vejo uma cidade diferente.

Já consigo ver alguns casos e alguns locais e imagino as personagens que eu criei e os leitores também poderão fazê-lo. É isso que pretendo, que olhem para uma cidade diferente e que conheçam um pouco deste caso que realmente foi tremendo, talvez até o primeiro super caso que aconteceu em Viseu ou o primeiro mega processo, como se diz atualmente.

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