É tempo de visitar os Museus Municipais de Viseu

“Uma cidade é feita de tempo. Do passado, presente e do seu devir.

De recordações e desejos. De quem chega e de quem parte. De memórias e sonhos. De fixações e imaginários”. É sobre o tempo, que nos fala o Museu de História da Cidade.

Um tempo que já lá vai e que agora se revive nos oitos espaços museológicos municipais em Viseu. Um tempo que corre e não parará…

Reportagem (texto e imagens): Carla Ferreira

Museu do Linho

Um manto de nevoeiro cobre a pequena aldeia de Várzea de Calde que se localiza a cerca de 12 quilómetros de Viseu. Por aquelas bandas, o dia começa cedo para os poucos habitantes que ainda se dedicam às tarefas agrícolas e de criação de gado.

Ao longe, os campos do linho ainda se encontram cobertos de geada. É inverno, a manhã “acorda” debaixo de um frio que faz as faces ficarem mais rosadas. Os primeiros raios de Sol abraçam a aldeia e, com isso, abre-se a porta do Museu do Linho.

Foi o primeiro museu municipal a ser criado no concelho de Viseu. Estávamos no ano de 2006. Seguiram-se mais sete ao longo dos anos: Museu Almeida Moreira em 2010, Museu do Quartzo em 2012, Polo Arqueológico de Viseu – António Almeida Henriques também em 2012, Casa da Ribeira em 2013, Quinta da Cruz – Centro de Arte Contemporânea em 2014, Museu de História da Cidade em 2018 e, por último, Museu Keil Amaral em 2021.

Museu Almeida Moreira

A origem dos museus municipais

Os museus municipais de Viseu reúnem um acervo valioso e diversificado, capaz de transpor os visitantes para as diferentes épocas e contextos históricos do concelho. Apresentam-se como espaços repletos de arte, história e tradição. São lugares que preservam a identidade da região e mostram o passado, mas também o presente e o futuro.

Na criação dos museus, a intenção da autarquia foi “adaptar cada espaço a vertentes específicas com que cada um se identificasse”, refere Liliana Tavares coordenadora da Rede Municipal de Museus de Viseu. “O Museu do Quartzo foi especificamente direcionado para o que ele é hoje, foi construído com esse propósito. Já o Museu do Linho resulta de um espaço que existia e foi readaptado a partir de uma casa clássica de um lavrador abastado para mostrar a identidade de uma aldeia, de uma região”, acrescenta Liliana Tavares.

Esta, foi também a lógica seguida na criação dos restantes museus.  A Quinta da Cruz que vive do contacto com a Natureza, foi e é, o espaço ideal para a implementação de um Centro de Arte Contemporânea. A Casa da Ribeira resulta de um antigo espaço que foi reformulado para receber a etnografia da região com especial incidência para o artesanato.

No caso do Museu Keil Amaral existia o acervo, existia a Casa da Calçada, ainda que sem ligação à família Keil Amaral, portanto, a autarquia adaptou o espaço para receber esse acervo. O Museu Almeida Moreira resulta “como não podia deixar da ser, da necessidade de preservação da casa onde morou tão ilustre figura viseense e que deixou em testamento todo o seu espólio à cidade”, conta Liliana Tavares.

No fundo, “a preocupação foi conciliar a existência dos edifícios com o espólio que havia, até porque, a maioria dos espaços não tinha acervo concretamente dito”, conclui a coordenadora da Rede Municipal.

Museu do Quartzo

Oito museus. Uma identidade: Viseu

As paredes de granito dão forma aos três espaços do Museu do Linho que recebem a exposição que recria o quotidiano agrícola da região com destaque para o ciclo do linho. Em Várzea de Calde, o linho foi e continua a ser o ingrediente que dá corpo a alguns produtos artesanais da região. “Ainda hoje existem 16 tecedeiras na aldeia que produzem para consumo próprio ou por encomenda”, afirma Sandra Martins, técnica do museu.

O Museu Almeida Moreira, para além de mostrar a casa onde o próprio viveu, também exibe as obras da sua coleção privada. Trata-se de casa com os olhos postos para o Jardim das Mães e uma coleção diversificada de pintura, escultura, cerâmica, ourivesaria e mobiliário.

É no Monte de Santa Luzia que se localiza o Museu do Quartzo, no sítio de uma pedreira onde, de 1961 a 1968, se explorou o quartzo do mais volumoso filão, de entre muitos que atravessam o substrato geológico do território. Único no mundo por se dedicar a uma só espécie mineral, é o espaço privilegiado para visitas escolares no âmbito da aprendizagem da geologia, até porque “o facto de se encontrar distante da cidade, constitui o espaço ideal para o público escolar pelas excelentes condições exteriores que apresenta”, declara Raquel Almeida, técnica do museu.

A Casa do Miradouro é um espaço de múltiplas histórias e vivências, um dos edifícios civis do século XVI mais impressionantes de Viseu com uma fachada de feição barroca. Hoje, alberga a Coleção Arqueológica José Coelho, ilustre intelectual viseense do século XX.

Depois de ter passado por várias utilizações, o edifício que alberga atualmente a Casa da Ribeira, é um espaço evocativo das memórias de Viseu, das memórias. O Rio Pavia corre mesmo ao lado e marca o ritmo que ali se vive, onde as exposições são permitidas, sobretudo, as que tem a ver com a etnografia regional, com particular foco para o artesanato.

Num diálogo entre arte, natureza e comunidade, a Quinta da Cruz projeta-se como Centro de Arte contemporânea de Viseu a partir do desenvolvimento de programas expositivos de curta duração, incentivo à criação artística e à promoção de projetos que refletem o estado da arte e o seu papel na sociedade.

“Há sítios e pessoas dos quais guardamos boas memórias. Este é um local que recordamos com saudade. Neste edifício funcionou durante muitos anos a Papelaria Dias, baluarte do comércio tradicional”, pode ler-se numa das paredes do Museu de História da Cidade localizado na Rua Direita. Um espaço que leva o visitante numa viagem pelos mais de 2500 anos de história de Viseu, através da apresentação de alguns dos seus mais importantes ícones.

Situado na Calçada da Vigia, a Casa da Calçada datada do século XVIII, acolhe um vasto espólio que mostra o percurso de vida de cinco gerações de uma família ligada à arte em Portugal. O Museu Keil Amaral conta a história de treze elementos da família, entre o século XIX e XX, através de um conjunto de obras da sua coleção privada e que inclui esculturas, azulejos, fotografias, ilustrações, pautas musicais, cerâmica, pinturas, maquetes e mobiliário.

Quinta da Cruz

O quotidiano dos museus municipais e os seus serviços

Os museus vivem do seu espólio, é certo, mas vivem, sobretudo, das visitas, das pessoas que tem interesse em conhecer a identidade de um local. Ainda aquém dos números pré-pandemia, verifica-se, no entanto, uma tendência crescente no número de visitantes. “É muito gratificante termos elevado o número de visitantes, mas é ainda mais satisfatório ver que o nosso trabalho está a ser refletido na qualidade daquilo que estamos a oferecer”, sublinha Liliana Tavares.

Em 2022, os museus municipais receberam 42 883 pessoas, com a Quinta da Cruz a encabeçar a lista dos mais visitados e o Museu do Linho a apresentar menor afluência. Em 2023, os visitantes crescem para 45 262, a Quinta da Cruz continua a ser o espaço mais procurado e a Casa da Ribeira o menos visitado. “Neste momento somos emigrantes na Suíça, mas estamos agora em Viseu para passar o Natal. A nossa filha ainda não conhecia o museu, então, achamos que seria uma boa oportunidade para lhe mostrar a identidade da região que viu nascer os seus pais”, refere António dos Santos, 35 anos.

Todos os museus encontram-se encerrados ao domingo e segunda-feira. “Ao contrário do que muitas pessoas possam julgar, o domingo não é o melhor dia para os museus municipais. Havia, inclusive, alguns museus que não recebiam um único visitante”, refere Liliana Tavares.

Os visitantes internacionais, mas sobretudo, os visitantes escolares da região, representam a maior fatia no número de visitas, até porque, como afirma a coordenadora “temos preparada uma grande oferta pedagógica nos museus que vão ao encontro daquilo que o público escolar pretende”.

A Rede Municipal de Museus possui serviço educativo que, neste momento, se encontra em fase de reestruturação. Querem ter uma oferta concertada e, para isso, estão a analisar o que as escolas precisam, de acordo com os seus programas, para depois adaptar a oferta às necessidades, para além da programação específica de cada espaço, e nunca descurando os pedidos feitos diretamente pelos próprios professores.

A diretora acrescenta que “todos os espaços possuem um projeto âncora que os define, como por exemplo o projeto EDUCARTE na Quinta da Cruz, o projeto Ribeira com Tradição na casa da Ribeira ou a Feira dos Minerais no Museu do Quartzo. “Para além destas iniciativas, ainda temos um sistema de inclusão que visa integrar pessoas com deficiência nos vários espaços”.

Com objetivo de atrair cada vez mais visitantes, procederam a alguns ajustes. Foram criados novos logótipos numa lógica de uniformização da rede, novos materiais de divulgação, e visitas virtuais. A divulgação e a programação dos museus fazem-se no site https://visitviseu.pt/museus.php  e nas redes sociais.

Foi através de uma pesquisa na Internet que Paula Cordeiro, 42 anos, natural de Lisboa soube da existência do Museu Almeida Moreira. “Tínhamos uma visita pensada para Viseu e, como tal, queríamos conhecer o património cultural da cidade”, afirma.

Todos têm entrada gratuita e vistas guiadas mediante o pagamento de um valor simbólico. “Somos um serviço público, prestamos serviço público e, como tal, deve ser gratuito”, acrescenta Liliana Tavares.

O futuro dos Museus Municipais

Ao entrarmos no museu que “fala” do tempo, o Museu de História da Cidade, lê-se, numa das suas paredes, que carregam lembranças de outros tempos, “Alcança quem não cansa”.

A frase é de Aquilino Ribeiro, mas não podia estar mais atual. “Estamos a fazer um trabalho crescente para posicionar os nossos museus como espaços que preservam e contam a história da nossa região”, conclui Liliana Tavares.

Com os olhos postos no futuro, criaram uma cápsula do tempo, aquando da primeira exposição do Museu de História da Cidade, na qual reuniram oito objetos que projetarão Viseu no horizonte de 20 anos, em 2038. São oito objetos, constituídos em partes iguais de recordação e desejo, que testemunham e narram uma identidade em direção ao futuro.

“Um som. Raquel Castro

Uma notícia. Pedro Santos Guerreiro

Um discurso. Almeida Henriques

Um vinho tinto, branco, rosé. José e Mafalda Perdigão

Uma criação artesanal. Cristina Rodrigues

Uma fotografia. José Alfredo

Uma receita. Diogo Rocha

Uma ideia. João Luís Oliva

A cápsula será aberta a 18 de maio de 2038” (Jorge Sobrado)

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