Arrendamento em Viseu. “Proprietários aproveitam-se das necessidades dos estudantes”

Estudantes viseenses demonstram-se preocupados com aumento do preço pedido por quartos: “Nem todo o mundo tem condições para manter esses custos”.

Reportagem de Cristina Leite

A crise económica vivida nos últimos meses em Portugal tem vindo a fazer crescer o custo de vida das famílias. O valor dos produtos alimentares, dos serviços energéticos, das taxas de juros, são alguns dos aumentos significativos provocados pela inflação. De norte a sul do país há cada vez mais pessoas descontentes com a subido dos custos e sem saber como suportar as despesas, até porque, de acordo com o serviço de estatísticas da União Europeia, em janeiro de 2022 Portugal era o 13.º país dos estados-membros com o salário mínimo mais baixo.

Em contrapartida, dados divulgados pelo Pordata mostram que 2022/2023 foi o ano letivo com maior número de estudantes matriculados no Ensino Superior (Universidades e Politécnicos), com uma diferença de 43 mil estudantes face a 2012. Viseu não é exceção e, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Politécnico de Viseu, a instituição disponibilizou este ano 1.356 vagas, que foram ocupadas por 936 estudantes, um valor acima de 8% dos alunos colocados no ano letivo de passado (2021/2022).

Os novos alunos que tem de se deslocar para seguir a nova etapa das suas vidas têm ainda um desafio pela frente, a procura de habitação para residir durante o período de aulas. Segundo o Idealista/ news, o panorama não é o mais esperançoso para os estudantes, dado que a oferta de quartos, em setembro de 2022, caiu 80% em relação a setembro de 2021. Os preços dos quartos das maiores cidades do país aumentaram abruptamente: no Porto o aumento foi de +30% (324 euros por mês); em Braga o crescimento ronda +25% (287 euros por mês); e Lisboa manteve-se na posição de cidade mais cara para estudar, onde a renda subiu +17% em relação a setembro de 2021 (381 por mês).

Preço mensal dos quartos em Viseu

Segundo os dados do Observatório do Alojamento Estudantil, gerido pela Direção Geral do Ensino Superior, os valores dos quartos disponíveis em Viseu sofreram várias alterações entre os meses de setembro até dezembro 2022. No mês de setembro, os valores dos quartos na cidade variavam entre os 110 euros e os 235 euros. A partir do mês de outubro, os preços dos quartos subiram e rondavam valores de 130 euros até 250 euros.

Mariana Malta, tem 20 anos, é estudante, do 1.º ano, do curso Comunicação Social na Escola Superior de Educação de Viseu. Para a jovem de Vila Real “as habitações estão excessivamente caras e tornam-se num fator negativo para os jovens não seguirem ou não pretenderem se candidatarem ao ensino superior. Principalmente nas grandes cidades onde os preços são ainda mais caros, nem todos os estudantes tem as mesmas possibilidades financeiras”.

Mariana Malta

Diogo Podence, é proveniente de Valpaços, distrito de Vila Real. Escolheu a licenciatura de Comunicação Social na Escola Superior de Educação de Viseu como primeira opção. O jovem considera os preços dos quartos são razoáveis. “Não achei tão caro. Digo isto, porque pensei em ir para Coimbra e vi quartos que chegavam a 300 euros, então contentei-me com preços pedidos aqui em Viseu. Sendo perto da escola pago 160 euros, se ficasse em Jugueiros (zona da Escola Superior de Tecnologia e Gestão) pagava 220 euros”, descreve.

Carolina Lopes, de 20 anos, está a tirar o primeiro ano da licenciatura em Marketing na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu. A jovem natural de Aveiro julga “impensável os preços serem tão caros”. Para Carolina Lopes, “os proprietários das casas a alugar acabam por aproveitarem-se da necessidade dos estudantes”. Ainda assim, a estudante que paga atualmente 190 euros por um quarto acha que “nenhum jovem abdica dos seus estudos por causa dos preços das rendas”.

Quantidade de quartos disponíveis para arrendar

No que toca ao número de habitações disponíveis, o Observatório do Alojamento Estudantil identificava 106 quartos livres, em Viseu, no mês de agosto, número que subiu para 118 em setembro. O mês de outubro teve uma redução significativa, com a oferta a chegar aos 75 quartos. Quem esteve “no terreno”, à procura de casa, revela as dificuldades.

“Vim para cá (Viseu) uma semana antes das aulas começarem, e não consegui encontrar nada. Depois, no último dia, achei um anúncio de um quarto disponível, numa espécie de sótão. Era a única opção que tive por isso aceitei. Após ficar nesse quarto, provisoriamente, procurei durante um mês outras opções para mudar. Essa casa era relativamente recente, mas nem internet tinha”, relata Diogo Podence. O estudante referenciou, igualmente, a pouca recetividade por parte dos proprietários em aceitar rapazes: “eu vim para Viseu estudar com uma amiga e enquanto estava à procura de casa ninguém aceitava rapazes, senti-me injustiçado!”.

Diogo Podence

Cecília Cavalcanti, de 20 anos, largou a sua terra natal em Pernambuco, Brasil, em novembro para estudar Gestão de Empresas na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu. A caloira diz que foi complicado encontrar habitação dentro dos custos que estava disposta a pagar. “Assim que cheguei a Viseu encontrei pouquíssimas opções de arrendamento de apartamentos na área, principalmente mobiliados, e com um valor que seria o ideal para mim. Cheguei a encontrar alguns imóveis que preenchiam os requisitos. Mas com o preço de cauções e exigências impostas pelos senhorios tornaram-se inacessíveis para mim” comenta a jovem.

Mais tarde, Cecília Cavalcanti compreendeu que estava à procura do modo errado: “quando mudei de visão e passei a procurar por quartos, continuei com dificuldade nesses mesmos critérios. Porém, a oferta era um pouco maior. Consegui me estabelecer em um quarto depois de dezassete dias em busca, e só consegui por um acaso conversando com alguns estudantes em um bar próximo”.

Cecília Cavalcanti

No entanto, a busca por um local onde residir para alguns dos estudantes recém-chegados não foi uma tarefa tão complexa, tal como refere a futura licenciada em Comunicação Social, Mariana Malta. “A procura de casa por um lado foi fácil, vim cá logo no primeiro dia que abriram as matrículas e encontrei logo habitação. Por outro lado, foi difícil porque foi um dia muito stressante, estava muita gente na imobiliária e fiquei com receio de não conseguir quarto”. A estudante, optou por ir diretamente a uma agência imobiliária porque foi “recomendada por uma aluna que já estudava em Viseu”.

Carolina Lopes conta que também conseguiu encontrar quarto rapidamente: “achei fácil, porque a partir do momento que soube da minha colocação na primeira fase pesquisei nos grupos do Facebook por quartos. Eu acho que há muita oferta apesar dos preços serem absurdos”, considera a estudante de marketing.

Carolina Lopes

“Já houve anos bem piores”

Águeda Sousa, de 49 anos, é agente imobiliária da Predial Visiense há mais de quinze anos. Segundo a profissional, a afluência de estudantes foi um pouco igual à dos últimos anos. “Recebemos sempre muitos estudantes, devido à Predial ser conhecida há mais de quarenta anos na cidade. A ESEV acaba por aconselhar a nossa agência aos estudantes que estão à procura de casa nas matrículas”.

Em termos de valores cobrados pela imobiliária a agente esclarece que “os preços se mantiveram todos iguais, tudo a trabalhar nas mesmas normas como fatura com recibos e contratos”. Em relação ao aumento do custo de vida, Águeda Sousa revela que para os pais dos estudantes “torna- se um pouquinho difícil, porque os ordenados não comportam muitas coisas”. Ainda assim, a agente refere que na empresa trabalham com muitos bolseiros.

Tendo em consideração o preço das rendas dos quartos em Viseu, Águeda Sousa diz que na zona da Sé ocorreram muitas reconstruções. “Devido aos investimentos que fizeram, os preços subiram”, comenta. A agente imobiliária diz também que não acredita que a crise afete a decisão de ingresso dos jovens ao Ensino Superior, até porque “já houve anos bem piores, como em 2011, quando houve uma grande crise e as pessoas não tinham trabalho. Houve muitas desistências nesse ano”.

No entanto, Cecília Cavalcanti tem uma visão diferente, pois considera que o valor alto estabelecido das rendas pode vir a implicar a diminuição de entradas de estudantes no ensino superior. “Nem todo o mundo tem condições para manter esse custo, pois fica bem caro mesmo. E quando se é trabalhador-estudante acaba por se perder um pouco o ritmo de estudo, fica bem complicado”, remata.

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