Fabrico de produtos artesanais: da aventura à paixão

Sandra Lopes, Rita Andrade e Maria Franco têm em comum o gosto e fabrico de produtos artesanais. Falamos de artigos feitos manualmente, que são produzidos sem qualquer intervenção industrial, desde o começo até a sua finalização. O fabrico dos produtos artesanais de qualidade requer um acompanhamento, dedicação e muito tempo por parte dos artesãos. Com muitos cuidados, produzem-se produtos com identidade e originalidade. Contudo, nem toda a gente possui tanto tempo para dedicar a esta atividade, por isso ela é encarada, por muitos, como apenas um hobbie.

Reportagem de Ana Sofia Simão

Sandra Lopes é uma artesã de 46 anos, natural de Fafe. A sua fonte de rendimento provém do seu trabalho num ateliê de costura, onde borda vestidos de noiva, batizados, comunhões e cerimónia. Sempre gostou de artesanato desde os tempos da escola, mas a ideia de criar produtos artesanais surgiu quando o seu filho estava no infantário, em 2013. Naquela altura, a educadora do filho percebeu que ela tinha talento para a decoração e pediu-lhe para fazer trabalhos para decorar a sala. “A educadora questionou-me se nunca tinha pensado em fazer uma exposição ou algo do género, pois tinha imenso jeito. Desde aí que essa ideia ficou me na cabeça e decidi partir à aventura”, conta Sandra Lopes.

Peças da autoria de Sandra Lopes

Em busca da aventura, a artesã fez a sua primeira exposição na Biblioteca Municipal de Fafe, em dezembro de 2013. Mais tarde, em 2014, foi convidada a participar na feira do 16 maio, no festival da Vitela à moda de Fafe e no Mercadinho de Natal. Ainda conta com alguns dos seus trabalhos expostos no posto de turismo de Fafe.

Todos os seus trabalhos são exclusivos e a sua principal inspiração são as festas, como o Natal, a Páscoa, entre outros. Desde sempre que Sandra Lopes teve intenção de vender os seus trabalhos. Começou com exposições e feiras, mas agora o seu trabalho também chegou às plataformas digitais, de modo a obter mais reconhecimento, mas também mais clientes. “Hoje em dia não vendo só através de exposições e de feiras, mas também por encomendas através da plataforma Facebook”, conta Sandra Lopes.

Um dos trabalhos que a artesã mais aprecia fazer é pirografia, mais conhecido como gravação a fogo. Sandra Lopes explica que “é um trabalho muito minucioso, pois tem que se ter muita perícia e mão firme”. A artesã explica toda a técnica que usa na produção dos seus trabalhos: “o segredo é lixar e limpar bem o tipo de madeira que se vai usar, quer seja uma caixa, colher de pau, tábuas de partir pão, entre outros. Depois de escolher o desenho e passá-lo para o produto, é aí que se começa por contornar todas as linhas do desenho, para depois começar a dar tons mais claros ou mais escuros, de forma a que fique totalmente preenchido. O último passo é envernizar, exceto o que for para colocar produtos alimentares, como tábuas de partir pão”.

Sandra Lopes lembra que esta atividade não é o seu sustento, mas sim apenas uma ajuda que acaba sempre por ser essencial. “Nem é só pelo valor monetário, mas também pelo valor sentimental. É gratificante ver que as pessoas gostam dos meus trabalhos e isso para mim já é suficiente”, conta.

Os seus trabalhos “ultrapassam fronteiras, sendo adquiridos por emigrantes de França, Suíça, Bélgica, Brasil, entre outros”.

O confinamento e a produção de sabonetes caseiros

Rita Andrade tem 63 anos, é natural da Lousã e é reformada. Para ela, tudo começou no início da pandemia. Esta artesã produz sabonetes caseiros e conta que, apesar do seu interesse pela atividade, o que realmente a fez começar a produzir foi o confinamento.

Os sabonetes produzidos por Rita Andrade

“Como estava em casa sem fazer nada, pois estava confinada, decidi ir pesquisar na Internet como se faziam sabonetes, pois sempre foi um interesse meu e, como tempo não me faltava, pensei que seria uma boa ocupação. Graças à Internet, somos capazes de aceder a informações sobre tudo e mais alguma coisa, por isso encontrei vários resultados. Depois de pesquisar e descobrir como se faziam os sabonetes, comecei a produzir”, conta Rita Andrade.

Os sabonetes que produz são bastante versáteis, pois não só servem para lavar as mãos, como também para lavar a loiça. A artesã afirma que, por ser uma atividade que não requer muito espaço, ela produz os seus sabonetes na sua própria cozinha. “O que no início era só um passatempo, tornou-se em algo mais muito rapidamente. Quando as pessoas descobriram que eu fazia sabonetes, começaram a pedir e foi a partir daí que comecei a vender e também a dar”, relata Rita Andrade.

Há vários segredos na produção dos sabonetes desta artesã, mas apesar de Rita Andrade não revelar os ingredientes, conta alguns detalhes do processo: “começo por deixar cozer durante uma hora, em seguida coloco numa forma, deixa-se arrefecer durante alguns minutos, mas não na totalidade, e depois corto aos pedaços conforme os tamanhos que quero”.

Reformada há algum tempo, Rita Andrade nunca pensou no fabrico de sabonetes como uma fonte de rendimento. Para ela, esta atividade sempre foi só um hobbie, pois nunca teve intenção de ganhar dinheiro, até porque a artesã confessa que dá mais do que vende.

Maria dos Anjos, amiga de Rita Andrade, conta que “ela costuma oferecer alguns sabonetes que faz. Apesar de não conseguir descodificar os ingredientes, consigo perceber que estes sabonetes não são como os que se vendem nos supermercados”.

Costura criativa antes dos tempos do Youtube

Maria Franco tem 46 anos, é natural de Lisboa e trabalha como auxiliar de educação, no infantário do colégio Pedro Arrupe. Sempre gostou de trabalhos manuais, mas o seu gosto e interesse pelos produtos artesanais surgiu aquando da sua produção, há cerca de seis anos. “Houve um dia que passei à frente de uma loja que dava aulas de costura criativa. Quis logo aprender. Comecei por participar em muitos workshops. No início aprendi a fazer capas de livros, bolsas, carteiras, coisas mais simples. Com o tempo fui evoluindo e melhorando a minha técnica. Hoje em dia, já sou capaz de fazer bonecas em tecido, árvores de Natal, entre outros”, confessa.

Boneca produzida por Maria Franco

O que faz há mais tempo, em relação a trabalhos manuais, são coisas que aprendeu sozinha quando era pequena, como o tricô, o crochet e o ponto de cruz. “Estas atividades não as aprendi de uma forma convencional, pois como sou esquerdina e antigamente não havia Youtube, tive de aprender a fazê-las sozinha”, conta a artesã.

Para Maria Franco, fazer trabalhos manuais é um hobbie e serve para ocupar a sua mente, mas também a sua alma. “É algo que eu faço para me distrair e tudo o que eu confeciono é com toda a minha paixão. Para fazer estes trabalhos manuais é preciso ter gosto, porque não compensa financeiramente. Todo o material acaba por ficar caro e mesmo que eu fosse vender, não me compensava”.

Maria Franco afirma que não existe nenhum segredo em específico para fazer produtos artesanais. “Todos eles são de fácil acesso a quem participe em workshops de costura criativa”. A artesã tem o hábito de dar alguns produtos que fabrica e, conforme a pessoa a quem vai oferecer, conta que pensa em todos os detalhes, desde a escolha do tecido a outros materiais que diferem de produto para produto. “Há algo nos meus trabalhos que nunca muda: é o facto de todos os artigos ficarem perfeitos, pois todos eles têm muitas horas de trabalho em cima e também têm muita dedicação”, explica.

Esta atividade não é a sua fonte de rendimento, uma vez que Maria Franco faz os produtos para as pessoas que apreciam e que lhe são chegadas. “Eu faço isto por gosto e não para receber dinheiro em troca. Para mim, melhor que ganhar dinheiro com os meus trabalhos manuais, é a pessoa para quem eu ofereço utilizar no dia a dia o que lhe dei. Ver alguém usar aquilo que nós fizemos é muito gratificante”, relata.

Cidalina Pereira, uma amiga de Maria Franco, costuma receber, sobretudo em ocasiões especiais, alguns produtos feitos pela artesã. “Já a conheço há algum tempo e sempre teve jeito para trabalhos manuais. É notável o carinho que ela investe em cada um dos seus produtos”, conta.

Defender práticas artesanais

Em junho do ano passado, o Governo criou a associação Saber Fazer, com o objetivo de defender as práticas artesanais em Portugal e visando promover o setor e o turismo cultural a ele associado. “A Associação tem como missão o desenvolvimento de atividades de interesse público no âmbito da salvaguarda e do reconhecimento das artes e ofícios tradicionais, bem como do desenvolvimento sustentável da produção artesanal”, lê-se no decreto que originou a associação.

Segundo o documento, “Portugal dispõe de uma vasta e heterogénea variedade de práticas artesanais em todo o território que constituem uma verdadeira rede do saber fazer”. Reconhecendo o elevado potencial do setor, e face ao aumento da procura destes produtos, o Governo reconhecia ainda a relevância social do setor, face ao “potencial de criação de oportunidades de emprego e de inclusão social”.

a