A Fotografia em Portugal: entre a luz e a sombra

Há algo mágico na fotografia. Aquele aparelho com uma objetiva, um botão e toda a tecnologia que transporta dentro da sua caixinha minúscula, tem um poder de sedução que não deixa ninguém indiferente. Sejam as máquinas analógicas com película, as digitais mais recentes ou os smartphones e tablets, qualquer um destes dispositivos nos possibilita capturar momentos únicos.

Reportagem de Inês Lamego

Entre aqueles que tentaram entrar no mundo da fotografia e os que realmente conseguiram ir mais além e transformar o sonho em algo real, estão os fotógrafos profissionais. Dentro desta área, encontramos os fotojornalistas, os fotógrafos artísticos e os que se focam na cobertura de eventos sociais. Por ser uma área tão diversa, existem também os retratistas, os fotógrafos de moda, de publicidade e mesmo os de géneros menos afamados como os de boudoir, que se centram na sensualidade das formas do corpo humano.

O início desta paixão, embora possa diferir um pouco de um fotógrafo para o outro, teve sempre o mesmo ponto de partida. Todos têm em comum o fascínio pelo “click”, que permite a captura daquele momento único. Fernando Sousa de 42 anos, natural de Viseu, é fotógrafo em part-time e conta que “começou a fotografar há mais de 20 anos em analógico, quando tentava registar momentos entre amigos”. O conteúdo, a essência e todas as emoções retiradas da máquina permite de acordo com Fernando Sousa “parar o tempo e colocar esse momento único num registo irreversível”. Independentemente do momento em que o “bichinho” da fotografia apanhou cada um dos entrevistados, o gosto pela mesma foi algo que passou a fazer parte ativa da vida de todos.

Imagem de Fernando Sousa

As questões geográficas e o meio socioeconómico onde estão inseridos, condicionam o tipo de fotografia que fazem no momento em que vão dando os primeiros passos no mundo da fotografia. Foi o que aconteceu ao fotógrafo de moda marroquino, Hicham El Banine, de 33 anos, quando conta que o seu interesse pela fotografia “começou numa visita à Turquia em 2013 ao ver as pessoas fotografando os pontos turísticos do país.” O artista confessa que “na época nem sequer tinha uma câmara” e, após economizar, comprou uma Nikon D7100 e assim começou a fotografar. Hoje é um renomeado fotógrafo de moda, com trabalhos feito de Nova York ao Rio de Janeiro, passando por trabalhos realizados em Londres, Paris, Porto e várias cidades de Espanha.

O mercado português é naturalmente pequeno devido á sua dimensão geográfica, o que dificulta a vida de quem vive da fotografia. Seja na área da moda, das fotografias artísticas ou de reportagem, o mercado é difícil e encaminha muitas vezes os profissionais a dedicarem-se parcial ou exclusivamente à cobertura de eventos, como casamentos e batizados. Mesmo com todas as condicionantes deste mercado, nota-se uma evolução significativa nos últimos anos. O fotógrafo Manuel Oliveira de 55 anos, residente em Castro Daire, explica que a fotografia “melhorou muito em Portugal nos últimos 15 a 20 anos, fruto do investimento na formação.” Ainda completa dizendo que “existem neste momento fotógrafos reconhecidos mundialmente”.

Imagem de Manuel Oliveira

Já na área da moda, para muitos fotógrafos a necessidade de imigrar é extremamente importante. Hicham El Banine refere que “ser fotógrafo nesta área em Portugal é muito complicado e é um segmento muito restrito e escasso no país”. Na opinião do artista, a fotografia em Portugal é “mais voltada ao comercial do que ao meio artístico”.

O fascínio pela sensualidade da mulher

Para André Santos, artista plástico e designer de 44 anos, natural do Porto, a paixão pela fotografia nasceu cedo, tendo “crescido rodeado da arte da fotografia”, pois o seu pai era desenhador gráfico” Foi depois de em 2015 ter feito workshops nas áreas de “beauty” e “boudoir”, com os fotógrafos Adrien Tomadin e Paulo Nunes, que apostou na fotografia de moda e boudoir. André Santos afirma que foi para este estilo pois sempre o fascinou “a sensualidade e a feminilidade da mulher”.

Imagem de André Santos

Para alguns fotógrafos que optaram por serem freelancers, (trabalharem por conta própria) outros obstáculos têm surgido, como por exemplo, o direito à privacidade. Segundo Fábio Amaro, de 32 anos, fotógrafo freelancer natural de Viseu, “a sociedade encara a fotografia livre como um ato de ameaça o que dificulta a vida a quem tem fascínio por capturar esses momentos”.

Mas mesmo para um fotógrafo profissional da área dos eventos, com o cansaço inerente à cobertura por horas a fio, a fotografia como hobbie nos tempos vagos pode trazer muita felicidade. Em conversa com Mário Vicente, de 52 anos, de Viseu, este relata que “ser fotógrafo profissional não é fácil, contudo se for feito como hobby sem depender disso para viver, é muito agradável”.

Imagem de Mário Vicente

Os eventos que a Covid-19 cancelou

Não bastassem todas as dificuldades mencionadas por aqueles que lutam por fazer carreira numa profissão tão exigente, eis que chega a pandemia. O mundo fechou, os eventos pararam e o meio de subsistência para muitos fotógrafos reduziu drasticamente. Para os fotógrafos retratistas a chegada do Coronavírus trouxe uma realidade demasiado dura para enfrentar. O fotógrafo Fábio Amaro confidencia que, nessa altura, a área na qual estava mais empenhado, era a área de retrato. “Com a situação das regras de contingência, essa área foi completamente fechada de forma inesperada e sem haver qualquer preparação para tal”, lamenta. Para Fernando Sousa a fotografia é feita em part-time e talvez por isso a situação pandémica tenha sido encarada doutra forma. O próprio refere que não depende da fotografia para viver, “mas se necessitasse teria sido muito complicado, pois ficaram todos muito limitados e sem fotografar”.

Entre os fotógrafos a quem a pandemia veio interromper a evolução na profissão, temos Luis Rito, de 24 anos, nascido em Viseu. Antes da pandemia começar, estava numa fase inicial da fotografia, “andava a aprender muito com outros fotógrafos, nomeadamente dois amigos que sempre o apoiaram e ajudaram a impulsionar o meu trabalho”, explica.

Imagem de Luís Rito

Estes últimos dois anos têm sido desafiantes para todas as atividades. A fotografia é multifacetada e se, por um lado, sofreu por estar muito coladas às pessoas, aos eventos e à capacidade de deslocação perdida, por outro lado, os fotógrafos captaram momentos que até há pouco tempo eram impensáveis.

Todos nos lembramos de fotografias de cidades vazias, de animais que devido ao “recuar” da população para o aconchego de suas casas, invadiram as ruas e os jardins das habitações. Em cada um desses casos havia um fotógrafo por detrás da objetiva. Ou quando nos foram dadas a conhecer os bastidores dos hospitais, da azáfama dos profissionais de primeira linha e dos doentes e familiares em sofrimento. Em todas essas situações havia um profissional da fotografia, por perto.

Para Fernando Sousa, “a pandemia serviu para colocar há prova alguns fotógrafos e até houve profissionais que conseguiram fazer vários registos pandémicos fantásticos”.

Já outros fotógrafos optaram por aproveitar o tempo de paragem para aprofundar conhecimentos na área da fotografia ou mesmo mudar de registo em termos fotográficos. Manuel Oliveira confidencia: “pela fotografia o balanço foi positivo, deu para se educar mais e estudar ainda mais”. Já para Luís Rito o novo paradigma imposto forçou à adaptação a uma nova realidade, pois como fotógrafo procurou “bater a novas portas para poder trabalhar”. Dessa forma “surgiram novas oportunidades durante a pandemia”, conta.

Em jeito de balanço, os fotógrafos salientam que a pandemia serviu para “calibrar os flashes”. Houve investimento pessoal na formação para uns, outros sentiram que devido às exigências profissionais se foram colando muito a um tipo de fotografia e que com o tempo disponível imposto pelas restrições pandémicas, era agora altura de explorar outras sensações fotográficas. Luis Rito afirma que “este tempo foi muito importante”, mas existiram altos e baixos. O fotógrafo ainda “tem esperança que as coisas estejam a melhorar e que continuem a aparecer novos projetos para trabalhar”. Para o fotógrafo/designer André Santos, “embora o balanço dos últimos dois anos seja negativo, existem muitas expectativas de retomar a situação antes da pandemia”.

Novos desafios

Neste clima de indefinição é importante saber que futuro é esperado para a fotografia em Portugal e como os fotógrafos se devem preparar para os novos desafios. Será que a fotografia continuará a interessar às novas gerações, numa época em que as máquinas fotográficas são muitas vezes substituídas por telemóveis? Para Hicham El Banine, “infelizmente, como profissão, deve-se levar em conta qual o objetivo, visto que o segmento artístico pouco rende, economicamente falando, pois na profissão o ganho sempre será em eventos e festas o que torna tudo um pouco mecânico”. Já para Manuel Oliveira fotografo de Castro Daire, “haverá sempre lugar para quem tenha mentes abertas e for focado, honesto e trabalhador, tem é de ter muita paixão pela arte da fotografia.”

Imagem de Hicham El Banine

O sentimento geral é o de que a fotografia perdurará no tempo. Ela foi no passado, é no presente e será no futuro um movimento artístico incontornável. Se por um lado é verdade que os meios tecnológicos para tirar fotografias têm vindo a sofrer importantes alterações, por outro isso só servirá para aguçar a arte, o engenho e a criatividade não só daqueles que fazem desta arte profissão, mas também dos milhões de entusiastas espalhados por todo o mundo.

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