O jornalismo não deve ser “um mero pé de microfone” para os discursos populistas

Numa análise aos discursos de ódio, a investigadora Marisa Torres da Silva defende que este é um conceito muitas vezes distorcido, pois “discurso de ódio não é uma opinião”, esclarece, “mas sim um ataque à dignidade humana”. Os populistas têm vindo a tentar normalizar o conceito de discurso de ódio, mas é importante entender o papel que o jornalista deve ter no combate a estas atitudes.

Por Jéssica Rodrigues, Mariana Torres e Tatiana Gonçalves

A docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa falava nos Dias da Comunicação Social, organizados pela Escola Superior de Educação, e realça que as organizações jornalísticas têm uma responsabilidade moral e social bastante ampla e não devem apoiar discursos de ódio. Marisa Torres da Silva defende que o jornalismo não deve ser “um mero pé de microfone”, de modo a não contribuir para a difusão deste tipo de discursos. Na mesma linha de pensamento, a jornalista Isabel Nery realça a importância que o jornalista tem, referindo que “imparcialidade não é neutralidade” e que não deve “absorver” tudo aquilo que é dito, mas sim contextualizar e questionar.

Para Isabel Nery, os populismos utilizam a seu favor os critérios de noticiabilidade assentes no fator sensacionalista, “notícia é o homem que mordeu o cão e não o cão que mordeu o homem”, exemplifica. O papel do jornalista deve ser um aliado da democracia, pois “não é só votar, votar é um aspeto, a democracia tem valores”, clarifica a jornalista e vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas.

“Medias, discursos e ideologias” foi o tema central e os populismos estiveram no centro do debate. Abordando a questão dos discursos populistas, Isabel Nery refere a dificuldade que existe em respeitar os direitos humanos e os valores democráticos que permitem que cheguem ao poder. Para a jornalista, a única forma de combater esta realidade é “com jornalismo de qualidade, mais literacia para os média e com conhecimento político sobre o que é a democracia”.

No que toca à temática das redes sociais e ao seu papel no crescimento das forças populistas, Marisa Torres da Silva defende que não devem ser apontadas como a principal causa para o crescimento dos discursos populistas. Os meios digitais vieram amplificar, mas não devem ser considerados como o motor, visto que este é um problema mais complexo e profundo que tem por base o crescer do descontentamento da população.

A investigadora da Universidade Nova de Lisboa realça a importância das desigualdades sociais e o facto de a classe média se encontrar bastante instável, como uma das causas diretas que os partidos de extrema-direita utilizam a seu favor, criando o medo e a desconfiança face às minorias. “Seria expectável que os mais vulneráveis como migrantes e as comunidades ciganas se convertessem nos supostos causadores desses males sociais”, refere a académica.

A Escola Superior de Educação de Viseu realizou os Dias da Comunicação Social nos dias 12 e 13 de abril. A tarde do primeiro dia foi dedicada ao evento “Assessoria de Comunicação: perspetivas mediáticas”, em que os alunos do 3.º ano do curso de Comunicação Social apresentaram os seus trabalhos de investigação. No segundo dia a manhã foi preenchida com a 7.ª edição do Encontro de Jornalismo Especializado, uma sessão para apresentação e debate em torno das investigações dos alunos nas temáticas de jornalismo desportivo, jornalismo cultural, jornalismo económico e jornalismo político.

Durante a tarde, a sessão temática “O discurso do populismo nos media: desafios contemporâneos” contou com a participação da jornalista e vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Isabel Nery e com a professora universitária da Universidade Nova de Lisboa Marisa Torres da Silva. Ainda durante esta sessão, os estudantes finalistas do curso de Comunicação Social deram a conhecer os resultados preliminares dos estudos em torno das temáticas “Media e populismos nas eleições presidenciais de 2021”, “Populismo e a desinformação em tempos de covid-19” e “Movimentos populistas e redes sociais”.


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