“Já compraste um jornal hoje?”

Jornalismo e liberdade de expressão foram o mote para um encontro que reuniu profissionais dos media, alunos e professores do IPV.


A “cacofonia”, o algoritmo e a diferença entre a liberdade de imprensa e liberdade de expressão foram alguns dos assuntos debatidos numa conferência que contou com a presença de Paulo Ferreira, ex-diretor de informação da RTP, Diana Andringa, ex-jornalista da RTP e ex-presidente da direção do sindicato de jornalistas, Daniel Oliveira, cronista do jornal Expresso, Isabel Campante, consultora de comunicação, e Francisco Mendes da Silva, advogado.
Daniel Oliveira fez questão de começar a sua participação elucidando os presentes sobre a diferença entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, “a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são parentes, mas não parentes próximos. A liberdade de expressão permite-nos dizer todos os disparates enquanto que a liberdade de imprensa não inclui a liberdade de dizer disparates”.
Esta foi uma ideia corroborada por Diana Andringa. A jornalista, que em 1971 foi presa pela PIDE, defende que em Portugal “ainda existe a cultura do medo, as pessoas têm medo de discutir, insultam-se apenas. Têm medo de ser despedidas, existe um grande conformismo”. Diana Andringa foi bastante crítica com alguns dos comportamentos dos jornalistas, bem como com algumas leis, contra as quais a própria assumiu que lutou enquanto presidente da direção do sindicato dos jornalistas. “O papel do jornalista é investigar sobre aquilo que escreve e informar. Vou dar um exemplo muito simples: num julgamento, um jornalista pergunta à família da vítima se concorda com a sentença. Eles obviamente vão dizer que não, que o culpado devia ser morto, etc. Para quem está lá, no local, isso não tem importância nenhuma, mas um jornalista vai partilhar isto, eventualmente, para um milhão de pessoas. E o jornalista não tem responsabilidade?”, questiona. Para Diana Andringa “esta é uma das coisas mais dramáticas da lei Portuguesa, eu como presidente do sindicato, posso-vos dizer que lutei contra isso! É que desde o ponto em que uma frase esteja identificada o jornalista não é responsabilizado. Perdão? Então o jornalista não é responsabilizado por transportar uma coisa que é incorreta para milhões de pessoas quando ela é dita numa sala fechada? Que disparate é este? Para que é que somos jornalistas? Visto que estamos numa escola de tecnologia, em breve espero que criem um robô para fazer isso, estar em frente aos tribunais a entrevistar as famílias. Os jornalistas para além de um microfone têm um cérebro e devem usá-lo!”.
Respondendo a uma questão sobre o algoritmo, colocada por um professor que estava na plateia, Daniel Oliveira foi perentório, “o algoritmo provoca o efeito de carneirada, ou seja, eu leio o que eu queria ler, ouço a opinião que eu queria ouvir”. O cronista do Expresso fez ainda um exercício de comparação entre a imprensa nacional com a de outros países europeus. “Os jornais tabloides, são sempre os mais vendidos, não é só em Portugal. O que é muito português é isto, tirando o sábado em que o Expresso lidera a classe A, quem lidera a classe A nos outros dias é o Correio da Manhã. Ou seja, as pessoas mais instruídas e cultas deste país, as que leem, leem o CM. A nossa elite é pequena, mas não é só pequena. Nós temos uma elite que corresponde, nos seus hábitos de informação e culturais, às classes populares nos outros países. O público vende o mesmo número de um jornal regional espanhol, e isto é um jornal de referência do nosso país.”
Por seu turno, Paulo Ferreira indicou o principal erro, a seu ver, que foi cometido num passado recente pela comunicação social. “O grande erro da comunicação social em geral, não só em Portugal, mas em todo o mundo, nos últimos 15 anos foi mimetizar os comportamentos das plataformas tecnológicas, redes sociais. Depois foi começar a oferecer informação. A informação é uma coisa cara, ter uma redação custa dinheiro, e a informação que faz a diferença é a mais cara, reportagens, ir para o terreno.”
As novas tecnologias também foram apontadas como uma causa para o decréscimo que se vem acentuando na compra dos jornais impressos. “A partir do momento em que temos a informação gratuita, através dos smartphones, deixamos de ir comprar o jornal à banca. Essa informação, com fraca qualidade, surge em grande quantidade, e não temos tempo para tudo, o dia continua a ter 24h. A disputa pelo nosso tempo e pela nossa atenção, é aquilo pelo qual toda a gente anda a lutar. Quem é que paga isto?”, questiona o Paulo Ferreira.
A questão foi levantada, quase a uníssono pelos cinco oradores: quantos dos presentes compraram um jornal hoje? Apenas duas pessoas levantaram o braço, o que ratifica a ideia defendida por Daniel Oliveira e Paulo Ferreira de que a imprensa como a conhecemos tem os dias contados.
Esta conferência realizou-se mo âmbito da candidatura da Lista C, liderada por João Luis Monney de Sá Paiva, ao Conselho Geral do Instituto Politécnico de Viseu (IPV) e teve lugar na biblioteca da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, no passado dia 2 de março.

Texto e foto: João Carvalho

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