“Quem se diverte, não sente que está a trabalhar”

Willian Pereira Rego, começou cedo a jogar futsal e tem-se tornado um jogador premiado na modalidade. O jogador brasileiro conta com diversos clubes no seu historial e, em 2017, aceitou o desafio de se mudar de malas e bagagens para uma pequena freguesia de Vila Nova de Gaia, onde já é muito acarinhado pela população dado o seu trabalho pelo Modicus de Sandim. Enquanto jogador do clube, tem feito as delícias dos adeptos da equipa gaiense com vitórias atrás de vitórias.

Por Ana Catarina Correia e Ana Catarina Figueiredo

É natural do Rio de Janeiro. É daí que vem o nome “Carioca” pelo qual todos o conhecem?

A origem do nome Carioca é porque quem é nascido no Rio de Janeiro é chamado Carioca. Como eu saí do Rio de Janeiro muito novo, para jogar em outros estádios, e geralmente tem mais que um Willian, é preciso diferenciar de alguma forma. A forma que, no meio do futsal pelo menos, nós temos é a de apelidar do estado em que nasceu ou da zona em que nasceu. Então acaba por ser assim, se o Willian é de São Paulo, fica Paulista, eu fiquei “Carioca” por ser do Rio.

Começou a jogar futsal aos 5 anos, num clube chamado Gurilândia no Rio de Janeiro. Nessa altura já sabia que era isso que queria fazer da vida? Ser jogador de futsal?

Nessa altura era mais por brincadeira e porque eu gostava de jogar à bola.

Começou logo a jogar como pivô ou foi alternando a posição até verem onde se saía melhor?

A maior parte da minha vida foi como pivô. Teve uma época, entre os 13/14 anos de rebeldia, e eu não queria mais ser pivô e colocaram-me de fixo, mas não deu muito certo e tive de voltar a pivô.

Em declarações ao jornal O Jogo, em setembro do ano passado, disse que chegou a experimentar o futebol e que jogou na posição de avançado. No entanto, voltou ao futsal. O que é que não resultou?

Foi uma época meia complicada, passei uma parte da minha vida a jogar tanto futebol de 11 como futsal. De manhã jogava futebol de 11, à tarde ia para a escola e à noite jogava futsal. Mas há uma altura na vida em que tens de escolher qual dos dois tu queres fazer e, inicialmente, optei pelo futebol de 11. Saí da cidade, fui jogar no Cruzeiro e quando eu voltei de Minas Gerais percebi que não tinha corrido bem e eu nem queria mais jogar à bola. Entretanto recebi um convite do Flamengo para jogar futsal e a paixão por este desporto voltou.

Passou pelo Vasco, pelo Idaiatubana, Carlos Barbosa e São José, tudo clubes brasileiros, e veio parar a Portugal em 2017 para jogar pelo Pinheirense, em Valbom. Como é que isso aconteceu?

Eu estava no Cascavel Futsal do Paraná e recebi o convite. Um convite que já tinha acontecido antes, por parte de outros clubes de Portugal também, mas que eu nunca tinha aceitado, porque não queria sair do Brasil. Ao fim de um tempo eu pensei “Quer saber? Vamos lá ver como é a cultura, como é o futsal de lá” e resolvi vir para Portugal.

Voltando agora ao futsal, quando saiu do Pinheirense deixou duras críticas ao clube através de uma publicação feita no Facebook. O que aconteceu?

Aconteceu que, durante um tempo, eles foram corretos comigo, mas depois começaram a existir incumprimentos e começaram a passar-se certas situações que eu acho que no meio do futsal não são muito saudáveis e foi isso que complicou a minha decisão de ficar ou sair. Foi esse o divisor das águas, por assim dizer.

Apesar de tudo isso, o Pinheirense é um clube que vai levar para a vida?

Com certeza que sim! Em questão de pavilhão, de adeptos, de amigos que fiz no clube… Em questão disso eu não tenho nada a apontar, foram 5 estrelas comigo. A parte da direção, a parte mais burocrática, é que foi mais complicada.

Começou a representar o Modicus de Sandim na época de 18/19. Em 35 jogos fez 24 golos e as delícias dos adeptos. Como descreve essa primeira época no clube gaiense?

Foi um desafio, na verdade. Era um clube que estava acostumado a jogar sem um pivô fixo, que é a minha posição hoje e a minha chegada acabou por ser uma grande aposta. Uma aposta do clube, uma aposta minha também e que poderia dar certo na mesma medida em que poderia dar errado, uma vez que o costume era outro. Eu tive de chegar, tive de me adaptar, eles tiveram de se adaptar também, porque era uma forma diferente de jogar, mas eu acredito que deu tudo certo.

Esta época apresenta uma média de 1 golo por jogo e já é considerado um dos melhores marcadores da Liga Placard, sendo que em 22 jogos fez 22 golos. Como é ser uma peça tão fundamental num clube que se encontra no terceiro lugar da tabela classificativa, com menos 21 pontos que o líder Sporting?

É bom, claro, mas também não é um mérito só meu. No primeiro ano foram mais jogos e menos golos, este ano foram tantos golos quanto jogos e a tendência é sempre melhorar. Já estamos há dois anos juntos e o jogo começa a ser mais prático, mais fácil. Em relação aos 21 pontos de diferença relativamente ao Sporting, eu posso dizer que eles estão num patamar acima do nosso e diminuir a diferença que existe é um desafio muito grande, mas também é para isso que estamos a trabalhar.

Que importância têm os adeptos para um clube como o Modicus, que está quase sempre no pódio, mas parece ter uma barreira a impedir de chegar ao topo da tabela?

Os adeptos têm uma importância muito grande, principalmente nos jogos em casa. Estes são os jogos em que nós temos de mandar no jogo, temos de tomar conta do pavilhão fora da quadra e dentro da quadra. Temos de mandar na partida e assumir o jogo e o apoio dos adeptos torna tudo muito mais fácil. E no que diz respeito ao topo da tabela, ainda é uma realidade muito distante. Não quer dizer que não possa acontecer, até porque é para isso que trabalhamos, mas é muito difícil, até numa questão de investimento. O Sporting e o Benfica também têm o futebol de onze e isso acaba por lhes trazer mais patrocínios e mais visibilidade, enquanto nós somos aqui de Gaia, de Sandim que é um lugar muito pequeno. No entanto, eu também acho que hoje quase toda a gente em Portugal conhece Sandim devido ao Modicus. Nós conseguimos levar esse nome mais além. Sandim era algo que ninguém conhecia, mas se hoje falarmos no Modicus as pessoas já relacionam.

Existe muita diferença dos adeptos brasileiros para os portugueses?

Eu acredito que no Brasil somos mais cobrados pelos adeptos. Penso que a paixão por tudo o que envolve a bola é um pouco maior lá, se é que isto se pode dizer desta forma.

Considera que se joga um bom futsal em Portugal?

Sim, muito! Tanto que Portugal foi campeão europeu, com todos os jogadores a jogarem cá, exceto o Ricardinho.

E sente que existem diferenças do futsal brasileiro para o português tal como existem no futebol?

Eu acho que o futsal brasileiro é muito característico no que diz respeito à prestação individual. Individualmente eu acredito que o jogador brasileiro, nos clubes do Brasil, conseguem decidir uma partida a qualquer momento e isso é algo que em Portugal não acontece. Se eu sei que um é mais passador, então ele vai fazer sempre passe, se outro é finalizador, então ele vai sempre finalizar. É mais característico na posição e no que faz, enquanto no Brasil é a qualidade individual que se destaca mais. No Brasil um jogador tanto passa como finaliza, tem várias funções e qualquer jogador consegue desequilibrar uma partida.

Viver do futsal é fácil ou ainda precisa de mais investimento?

Eu acho que ainda precisa de mais seriedade e de mais investimento, não só a nível financeiro, mas também a nível da comunicação social e de órgãos públicos, para que os restantes clubes, além do Benfica e do Sporting, também possam fazer disto uma verdadeira profissão. Penso que seria mais fácil e traria mais competição para o campeonato.

Na sua opinião, o que é que um jogador de futsal tem de ter a mais que um jogador de futebol de 11?

O pensamento rápido e o drible curto! Nós temos menos espaço e, consequentemente, quando a bola vem eu já tenho de saber o que vou fazer com ela.

E acha que qualquer jogador de futsal daria um bom jogador de futebol e vice-versa?

Eu acredito que é mais fácil a transição do futsal para o futebol de onze, sendo que o jogador já sai com essa dinâmica do drible curto e do raciocínio rápido e isso torna mais fácil a adaptação num campo maior em que se tem mais espaço, mais tempo com a bola no pé e em que se consegue pensar mais no jogo.

Sendo que começou aos 5 anos, já leva 25 anos com a bola nos pés. Qual considera ter sido o seu pior momento em campo?

Quando eu fiz a primeira cirurgia, quando me magoei no joelho e tive de ser operado. Esse foi dos meus piores momentos tanto em campo, como na carreira, fiquei praticamente 9 meses sem poder fazer o que gostava, só com fisioterapia e musculação. Foi uma época muito difícil e complicada, eu cheguei a pensar em parar e desistir. E assim eu acredito que, o meu momento mais feliz foi quando finalmente consegui voltar e percebi que tinha valido a pena não desistir.

E o momento de maior destaque na sua carreira, qual foi?

Foi em 2010, quando estava no Santos. Nós fomos campeões de quase tudo, só não ganhámos a Paulista e também foi a época em que eu passei de júnior para sénior e tive maior destaque e virei uma espécie de promessa no futsal.

Numa entrevista que deu a uma página de Instagram, em abril deste ano, sobre futsal, disse que o golo mais importante é sempre o próximo. Porquê?

Porque o que eu fiz já passou, vai ser esquecido. Se eu fizer três golos, mas sofrer quatro, aqueles três vão ser esquecidos, não valeram de nada. Tenho de pensar sempre no próximo como o mais importante, porque é esse que me vai fazer vencer.

Quando o futsal acabar, o que se imaginas a fazer? Regressar ao Brasil é algo que faz parte dos seus planos?

Ainda não tenho planos para quando acabar. No outro dia até estava a falar com a minha esposa sobre isso e percebi que tenho de começar a pensar nisso. Voltar ao Brasil é algo que eu tenciono fazer, sim.

Ainda para jogar?

Para jogar já não, termino a minha carreira fora do Brasil e depois volto. O Brasil ainda tem um futsal muito amador e quem passou a vida inteira a jogar profissionalmente não vai querer dar esse passo atrás.

Existe algum clube no qual quisesse ter jogado e não jogou? Algum sonho por concretizar, nesse aspeto?

A nível de clubes, não… Eu joguei no Flamengo, no Botafogo, Vasco, Fluminense, Carlos Barbosa e todos esses são elites do futsal brasileiro. Acho que só faltou mesmo jogar pela seleção brasileira.

Se pudesse deixar uma mensagem ao Willian de 5 anos que começava a dar uns toques na bola e a todos os miúdos que estão agora a começar, o que diria?

Diria para aproveitarem, para jogarem sem compromisso e, acima de tudo, para se divertirem. Eu acabei por fazer disto um trabalho, mas a primeira sempre foi divertir-me e hoje eu divirto- me tanto como me divertia quando era pequeno. Quem se diverte, não sente que está a trabalhar.

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