“Temos sempre de provar que somos mais do que uma cara bonita”

Andreia Sofia Matos, pivô do programa Mais Futebol da TVI24, é uma das poucas mulheres integrantes do mundo do jornalismo desportivo. De Viseu e com 29 anos, a jornalista acredita que o futebol está cada vez mais igualitário e a ideia de que as mulheres não percebem nada de futebol, está a desaparecer aos poucos. Andreia conta-nos um pouco do seu percurso até à TVI24, as dificuldades passadas e as vitórias conquistadas durante o trajeto. As saudades da cidade natal também não fugiram ao tema, deixando a jornalista emocionada. Com o Euro 2016 à porta, a viseense acredita na equipa lusa, não aceitando menos que as meias-finais e, até palpita sobre o jogador revelação português durante o campeonato europeu.

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És uma mulher no mundo do futebol. Como é ser uma mulher nesse mundo?
Ser mulher no mundo do futebol está a tornar-se cada vez mais “normal”, digamos assim. No início da minha ainda curta carreira, eu fazia parte de uma minoria, o que era visto por alguns homens com algum receio e desconfiança. Agora penso que já somos aceites naturalmente. Claro que tenho ideia de que temos sempre de provar que somos mais do que uma “cara bonita”. Há mais olhos críticos em cima de nós, sem dúvida! Mas aos poucos vamos conquistando o nosso espaço e posso dizer-te que o feedback dos espectadores e dos adeptos não podia ser mais positivo!

Esse receio que falas, podia ser considerado “machismo”?
O futebol é e será sempre mais associado aos homens. Não podemos esconder isso. Há é homens mais abertos a novas formas de comunicar e outros, esses sim, mais “machistas” que gostam que as coisas funcionem à moda antiga e que continuam a acreditar que só os homens percebem realmente de futebol. A minha função e a de todas as mulheres que trabalham nesta área é fazer com que, aos poucos, vão mudando de ideias.

E porquê a escolha do jornalismo desportivo como profissão?
Não foi algo pensado! Sempre gostei muito de desporto e de comunicar. Ainda assim, a minha primeira opção sempre foi jornalismo puro e duro. Mas depois surgiu a oportunidade de entrar num projeto inovador (A Bola TV) e não pensei duas vezes. Juntar um gosto pessoal com a profissão que eu escolhi era um “sonho” que eu considerava irreal no início, mas que acabou por se concretizar.

Antes de começares o projeto na Bola TV, estudaste na Escola Superior de Educação de Viseu, onde tiraste a licenciatura de Comunicação Social. Como foi o teu trajeto até à TVI, o canal que agora representas?
Como disseste e bem estudei na Escola Superior de Educação de Viseu, depois fiz um estágio profissional nos Açores, numa rádio chamada Canal FM. Foram dois anos a viver numa ilha. Quando voltei tirei um curso na ETIC de apresentação em Televisão e pouco depois desse curso, surgiu a hipótese de ir trabalhar para a TV Record. Tinha como função apresentar um jornal de meia hora – Fala Portugal. Seis meses depois surgiu a Bola TV, um projeto que ajudei a construir de raiz. Três anos depois, antes do Mundial do Brasil, em 2014, fui convidada pelos responsáveis do desporto da TVI a ingressar na equipa de desporto do canal e obviamente que aceitei sem hesitar. E cá estou eu, a tentar agarrar o meu lugar, aos poucos.

O estágio nos Açores foi uma oportunidade que surgiu ou procuraste-a?
Procurei, claro! Ainda não tinha acabado o curso e já andava a mandar currículos para o país inteiro. E tive de passar por várias fases até ficar com o estágio.

Quando acabaste a licenciatura procuraste trabalho em todos os géneros de comunicação ou houve algum que te despertasse mais interesse? Afinal começaste na rádio.
Procurei em todo o lado! Desde que fosse na área já ficava satisfeita… Mandei currículos para rádio, imprensa, televisão, agências de comunicação… Tudo!

Disseste que foram dois anos a viver numa ilha. Sentiste dificuldades em adaptares-te? O que se tornou mais difícil?
Foi muito difícil… Estava longe de tudo e de todos. As pessoas são simpáticas, mas um pouco difíceis às vezes. Mas o mais difícil mesmo, foi não ter a comidinha da mamã (risos), não ter a família e os amigos por perto. É muito complicado aguentar tanto tempo assim.

A verdade é que voltaste para o continente e passaste da rádio para a televisão, quais foram os maiores desafios?´
Foram vários os desafios, até porque são dois meios muito diferentes. Desde logo temos a preocupação com a postura. A televisão vive da imagem, algo que até então nunca me tinha preocupado. Depois tive de trabalhar muito a forma de falar para televisão (que é diferente), tive de aprender a lidar com “dezenas” de pessoas a falar ao meu ouvido, aos berros e eu tinha de continuar a falar super calma. A pressão do direto é completamente diferente, o improviso também acontece com mais frequência em televisão. Enfim… são algumas diferenças que se tornam um desafio constante dia após dia.

Quanto ao improviso… Numa entrevista à Radio Zero, disseste que quando se está na rua “estás por tua conta”. Preferes essa adrenalina da rua e do improviso ao estúdio onde tens um teleponto?
Sem dúvida! Mas eu raramente uso teleponto. Portanto, trabalho em constante improviso, seja em estúdio, seja fora dele. Só usa teleponto quem apresenta jornais, basicamente. De resto, em programas de desporto, o teleponto na maioria das vezes não existe. Ainda assim, tens o “conforto” de teres alguém no teu ouvido a dar-te indicações, tens mais tempo para pensar. Na rua não. Trabalhas no limbo e eu gosto disso.

Quando saíste da Bola TV em 2014, no teu último programa, fizeram um vídeo de despedida e notou-se a emoção de todos em estúdio. Foi difícil deixares a Bola TV?
Foi muito difícil. Foi um projeto que eu vi nascer, criei laços muito fortes com os meus colegas. Criei uma relação afetiva com o canal.

Então que motivos e condições impuseste para a transferência de canal?
Não impus condições, até porque mudar para uma TVI, que era um sonho desde que percebi que queria fazer televisão, já era motivo mais do que suficiente para fazer essa mudança. É outro mundo, outro campeonato! A Bola TV foi muito importante para mim, mas acaba por ser apenas um canal de “passagem”. Chega a uma altura em que não consegues evoluir mais e é preciso dar o salto. Uns conseguem, outros não e isso depende de vários fatores: da sorte claro, mas de muito, muito trabalho.

Estás bem agora onde estás ou queres evoluir mais?
Qualquer profissional quer sempre mais. É uma ambição racional que está sempre presente. Sinto que ainda tenho muito para aprender e muito para dar. Nesta profissão temos de estar em constante evolução. Parar é morrer!

Sempre gostaste muito de futebol. Tens o teu clube e, já houve comentários menos bons na tua página do Facebook em relação a uma publicação sobre o final da Super Taça no início do campeonato. Diziam que estavas a dar a entender o teu clube através da análise que fizeste na publicação. É difícil manter a imparcialidade ou já é algo que dominas e as pessoas é que especulam?
Difícil não é. Faço-o com naturalidade. Em trabalho não tenho clube, ponto. Ainda assim, as pessoas gostam de especular e vão continuar a faze-lo sempre. Tenho de aprender a viver com isso.

Jogavas futebol na escola e até está na internet um vídeo, onde apareces a dar toques na bola como uma profissional. O que é que o futebol tem de tão especial para estar presente na tua vida há tanto tempo e, muito provavelmente, para continuar a estar por muitos mais anos?
Essa pergunta é muito difícil. O futebol é uma paixão… Sente-se! O gosto foi crescendo sobretudo por culpa do meu pai que sempre viveu muito intensamente o futebol lá em casa. Depois, o Euro 2004 fez-me sentir emoções que desconhecia. A crença, a fé, a alegria contagiante das pessoas quando juntos a assistir a um jogo de futebol, a incerteza do resultado, a magia dos futebolistas… Tudo é cativante! Não dá para não gostar.

Agora vem aí o Euro 2016, vais acompanhar a equipa portuguesa de perto?
Não vou acompanhar de tão perto como eu queria. Queria estar lá em França, mas como não é possível, vou acompanhar tudo ao pormenor por cá. Muito por culpa do trabalho, também. Todos os dias vamos ter programas especiais dedicados à seleção.

“Ninguém é amigo de ninguém”
A tua profissão tira-te muito tempo da vida pessoal. Onde fica Viseu no meio do trabalho?
Longe, bem longe. Quase que noutro país e isso custa-me tanto… mas infelizmente esta é uma profissão que nos consome e à qual temos de dar muito. Não há horários, não há fins-de-semana… é uma vida bem diferente do normal, mas foi uma escolha e tenho de lidar com isso. Tento ir a casa uma vez por mês, mas
às vezes não é possível. Isso destrói-me por dentro mas refugio-me no trabalho. Tem de ser…

E os amigos? Já conseguiste criar amizades em Lisboa ou a competitividade no mundo jornalístico torna isso difícil?
É difícil. Basicamente neste mundo ninguém é amigo de ninguém. Aqueles que tenho, que são muito poucos, não são da área ou são de outros meios de comunicação. Na TVI acaba por ser mais complicado criar amizades. Tenho muitos colegas e há um bom ambiente na redação, mas não somos amigos de “casa”. Amigos, amigos, trabalho à parte.

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Voltando ao Euro… mesmo não acompanhando de perto, quais são as tuas expetativas?
Eu acho que este ano Portugal pode ir longe. Estou com muita fé nesta equipa e no nosso Cristiano Ronaldo! Não aceito menos que as meias-finais.

Na tua opinião qual será o jogador revelação?
Na minha opinião, o João Mário vai mostrar à Europa o porquê de ter sido considerado um dos melhores jogadores do campeonato. É um talento puro.

Alguma vez tiveste sentiste algum tipo de arrependimento quanto à tua profissão?
Não, nunca! Sempre senti que estava a fazer o que realmente gosto. Se tivesse de voltar a escolher, escolhia exatamente o mesmo. É uma profissão muito dura e que requer muito de nós, mas é também muito apaixonante e desafiante. Todos os dias acontece algo novo, algo entusiasmante. A monotonia assusta-me e, por norma, esta profissão é tudo menos monótona. Por isso, sei que fiz a escolha certa.

Para terminar… há dois anos dizias ser uma miúda insegura, sonhadora e realizada. O que mudou?
Nada mudou. Continuo exatamente com as mesmas caraterísticas. Talvez com outras inseguranças, com outros sonhos e sempre em busca da realização pessoal e profissional. Conclusão, continuo à procura de ser feliz e, todos os dias mais um bocadinho.

Joana Rodrigues

Imagens: Andreia Sofia Matos Facebook

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