“Entre a ideia de haver uma só marca, criou-se uma diversidade de 12 formas”

Nicolau Tudela formou-se em Pintura na Escola Superior de Belas Artes, em Lisboa. Professor na Escola Superior de Educação de Viseu e Responsável pelo genérico de abertura da RTP da EXPO 98 e um dos responsáveis pela remodelação gráfica da RTP em 2004, Nicolau Tudela foi também o responsável pela imagem gráfica da última edição do Festival Eurovisão.

 

É professor na Escola Superior de Educação de Viseu. O que leciona?

Nicolau Tudela Estou a lecionar duas cadeiras. Artes Plásticas e Multimédia e Cultura Visual. Também já lecionei Desenho e Design de Comunicação.

 

Em que consiste a disciplina que ensina?

NT No fundo, a Cultura Visual é dar um pouco de tudo aquilo que faz parte de um contexto histórico e estético em relação à parte de evolução. É uma maneira de olhar e de ver as coisas, isto é, todos nós temos o nosso gosto, mas há efetivamente durante os séculos e durante os tempos uma evolução natural e uma forma de ver o mundo que nos rodeia. No fundo, é criar esse lado. Alertar as pessoas para verem um pouco melhor aquilo que nos rodeia.

 

Para além de ser professor na escola, é diretor de arte na RTP. Fale-nos da sua função.

NT No fundo é ser quase como um guardião na medida em que tenho de criar regras numa identidade gráfica que é a televisão. Criar um contexto gráfico e cenográfico, quer no próprio guarda roupa ou na forma como um apresentador apresenta um telejornal. Com um grupo de designs, estilistas e cenografistas, no fundo a minha ideia e aquilo que é a minha função é criar regras e condutas que identifiquem um determinado canal ou uma determinada forma de comunicar. A RTP tem um determinado padrão. É um serviço público de televisão que não se rege da mesma forma como uma TVI ou um canal privado. Não só porque há determinadas formas e determinadas maneiras, mas também porque há uma conduta e uma obrigação onde temos que dar uma resposta. É um canal público, logo todo o contexto e a própria forma de comunicar é um pouco diferente porque tem um lado mais popular de comunicar. Há algum cuidado em termos estéticos, em como as coisas são reenquadradas… Por muito que um canal seja popular, como a RTP1, há algum cuidado de uma certa contenção e de um certo bom gosto. No fundo é esse o meu papel.

 

Há quanto tempo está na estação?

NT Estou há 20 anos.

 

O que mudou no grafismo do canal nos últimos anos?

NT Muita coisa. Aliás, a minha formação é de pintura. O início da televisão era uma coisa mais primária, mais artesanal porque não havia a tecnologia que existe atualmente. Havia uma relação entre o fazer e o resultado que se tinha. Dando um exemplo muito concreto, atualmente faz-se fotografias com o telemóvel. Podemos fazer 35 mil fotografias e sabemos sempre que vemos o resultado imediato. Podemos apagar e manusear de uma forma incrível. Naquela altura não era assim. No início nós tínhamos de ter uma ideia precisa, não só por questões de custo e da forma como as coisas eram feitas, mas tínhamos de ter uma ideia muito precisa porque depois seria filmado, seria revelado e entre outros processos. Era muito mais complicado ter que repetir tudo novamente. Não havia facilidade, para o bem e para o mal, agora mudou muito. Voltando ao início da história, mudou a forma de olhar, a maneira como as coisas interagem, como estão interligadas em termos de comunicação. São muito mais ricas e são muito mais estimulantes do que necessariamente pequenas ilhas que se criavam há uns anos atrás que era só grafismo, era só iluminação e agora está tudo ligado. E quanto mais ligadas as coisas tiverem, melhor.

 

Atualmente, está a trabalhar em algum grafismo?

NT Estou. Para o mundial de futebol. Vai haver uma série de programas diretos na RTP que têm a exclusividade de transmissão das emissões dos jogos e é nesse sentido que estou a trabalhar com uma equipa de designers e cenógrafos para programas em torno do mundial de futebol.

 

Acompanha trabalhos relacionados com a sua área fora do país? Se sim, quais?

NT Sim e já tive oportunidade de estagiar fora. Os da BBC são uma referência, onde estagiei lá durante alguns valentes meses. Ainda há pouco tempo tive num congresso da EBU que é a união das televisões europeias públicas que se juntam anualmente para debater diretamente as correntes e as tendências que cada televisão está a fazer, não só do lado estético mas também do lado de conteúdos. Há algumas referências que são ótimas, como por exemplo a BBC como já referi, e televisões francesas como a TIFF e a RT, que são grandes canais.

 

Quais são as dificuldades que mais lhe surgem no trabalho?

NT A metodologia. Continuamos a ter esse grave problema de criar métodos de trabalho. Está-nos no ADN. Quando vamos para uma reunião, dispersamos imenso e em vez de nos focarmos dentro do assunto, é mais em termos de metodologia. O trabalho que se fez para a Eurovisão foi uma grande escola que se teve de criar desde o primeiro dia. Não havia hipótese de as coisas acontecerem sem que houvesse esta metodologia de trabalho. Portanto, um dos problemas que existem é saber exatamente o que se quer e criar um bom método que consiga o objetivo.

 

O Nicolau foi o autor da imagem gráfica da Eurovisão. Conte como isto surgiu.

NT Surgiu há um ano atrás. Faz exatamente agora um ano, em finais de junho, e tudo começou com um passeio na praia. Um diretor de arte teria esse papel, como eu disse atrás, de fazer um trabalho em conjunto com uma equipa que trabalhava uma imagem da Eurovisão. Nas minhas férias e sabendo que o tema era o mar, num passeio pela praia, perguntei a mim próprio “porque é que não sou eu a desenvolver a imagem? Porque é que não apresento uma ideia?”. Foi exatamente isso. Eu lembrei-me de um contexto dentro do mar.  O que dá vida ao mar? Porquê que existem peixinhos dentro de água? Porque existe uma coisa que se chama plâncton, que no fundo são aqueles microorganismos invisíveis que dão a vida ao mar. Com a diversidade das formas e a ideia que havia da Eurovisão ser uma diversidade, isto é, trazer imensas culturas, etnias e tantas coisas tão diferentes para uma coisa que era cantar, lembrei-me que essa diversidade de formas dava uma imagem bestial. Apresentei a ideia e foi aceite. Entre a ideia de haver uma só marca, criou-se uma diversidade de 12 formas que criaram a diferença este ano. Foi assim, um passeio pela praia.

O que acha que destacou a forma da imagem gráfica escolhida?

NT Aquilo que foi muito bem aceite a nível internacional foi exatamente isso. Havia uma marca, mas também uma possibilidade de se brincar com isso. 12 mais um dava 13, que remetia também para os 13 cânticos. No fundo essa riqueza estava na forma de poder criar. Portugal, para além da sua geografia, está perto do mar e tem imensa luz, tem essa riqueza. Riqueza de haver essa possibilidade de ser-se mais leve e foi isso que singrou, que deu esta twist numa coisa menos séria e a possibilidade de fazer essa brincadeira em torno das formas.

 

Estava à espera que a imagem gráfica fosse aprovada por unamidade?

NT Não. Teve imensa graça porque fizemos uma apresentação muito bem fundamentada e foi apresentada em Berlim num encontro dessas entidades da EBU que eram representantes de cada televisão europeia. A EBU é um grupo magno de todas  televisões e nós não estávamos mesmo à espera. Havia uma grande possibilidade porque houve um encontro com o diretor geral da EBU que veio a Portugal perceber como é que as coisas estavam a andar. Tive uma reunião com ele e com mais um grupo de trabalho, onde se apresentou a ideia. O diretor disse que tinha pernas para andar e para que continuasse a desenvolver a imagem e depois falávamos. Após a apresentação, foi aprovado e mostrado ao público no oceanário de Lisboa.

O que acha que torna a imagem icónica?

NT Quando se trabalha com seriedade e quando se fundamenta muito bem o que se quer mostrar, isto é, que exista uma estrutura bem fundamentada. Acima de tudo, criar esse lado mais icónico, que é a credibilidade do que se está a apresentar. Quanto ao resto é adorno, é adornar e para isso existem as técnicas.

 

Em entrevista à ESC Portugal (eurovision song contest) afirmou que preferiu fazer uma imagem mais pictória e não high tech como se viu nas edições anteriores da Eurovisão. Porquê?

NT Isso passa tudo exatamente pelo que é a minha formação. Eu sou um pintor e a minha formação é a Pintura. Portanto, aquilo que mais me preocupou foi não criar uma imagem tridimensional, mais fria, e criar algo mais pessoal, algo mais ligado à forma, à cor e ao desenho. Uma forma tridimensional por mais fantástica que seja, tem por trás o desenho mais básico possível e eu quis ficar nisso. O outro lado é no espetáculo. Temos o cenário, temos toda a parte tecnológica, mas a base foi mesmo apostar na coisa mais primária, mais fantástica e mais difícil que é desenhar.

Na mesma entrevista disse que a “imagem da Eurovisão vai criar excelentes momentos de televisão”. Em que sentido se referia?

NT Naquilo que se viu. Para mim e para o grupo todo, ver acontecer o trabalho de um ano foi traduzir numa economia de meios. Foi pintar cada música com desenhos próprios de luz e desenhos próprios cenográficos, isto é, os momentos próprios e muito ricos. Cada música foi personalizada por um desenho próprio, com um jogo de luz e com um jogo cenográfico. Todos os trabalhos cenográficos foram feitos para cada momento musical, daí ter sido distintivo e tão apreciado pela diferença.

 

O que sente ao ver o seu trabalho espalhado pelo mundo?

NT Uma alegria imensa. Perceber como é que coisas tão pequenas de repente passam a ter uma dimensão tão grande. É bom e assustador ao mesmo tempo. Perceber que vai haver agora um encontro em Hamburgo onde me convidaram por causa da imagem do festival, e esta dimensão que não é só feita por mim como referi anteriormente, acaba sempre por ser ótimo. Estarmos numa semi-final e ver aquilo tudo a arrancar é comovente.

 

Que feedback sentiu das pessoas?

NT Foi bom. Vou ser muito franco. No início, os comentários nas redes sociais não foram os melhores. As pessoas diziam que também conseguiam fazer isto e que era muito estranho e infantil. O mais interessante nisto foi o primeiro contacto e a primeira reação que tiveram. As pessoas estão formatadas a outro tipo de coisa. Se pegarmos na imagem anterior, as pessoas aderem mais facilmente a uma coisa que é mais complexa e uma coisa que seja menos complexa obriga a pensar mais. Depois as pessoas foram vendo gradualmente que por trás desse desenho infantil estava um conceito. Achei piada haver gradualmente essa mudança de atitude.

Sente que arriscou no desenho?

NT Arrisquei mesmo. Quando se cria, faz-se por tentantiva e erro. Errar é fantástico e isto foi falado muito antes de ser apresentado. Eu tinha dois caminhos ou três e quis arriscar num, mas os outros eram mais fáceis. Arrisquei no mais difícil e ficou fantástico. Resultou bastante bem.

 

Qual foi o maior desafio/dificuldade que teve durante o processo?

Foi o tempo. Parece muito tempo mas não é. A metedologia funciona muito bem. Tinha de acontecer uma coisa e havia prazos a serem cumpridos. Aquilo que mais me custou foi perceber que teria de ter um papel dinâmico e timings a cumprir. Definir o tempo aí é que é difícil porque nós tendemos sempre a esticar as coisas numa tentativa de melhorar. Às vezes somos traídos pelo tempo.

 

Foi um sonho concretizado?

NT Claro que sim. Acho que é um momento bom na vida.

 

Em que ponto acha que o que criou irá ficar marcado na história?

NT Será que fica? Eu acho que as coisas são tão voláteis. Têm um auge assim tão grande e podem ficar como podem não ficar. Eu espero que fique porque acreditei numa coisa. Acreditei que o trabalho foi sério e que se há essa seriedade, as coisas duram. Percebemos que há tanta coisa há nossa volta que à medida que vamos avançando no tempo, pomos de lado aquilo que é acessório e fica sempre o que é bom. Agora que isto marcou uma imagem, uma diferença? Eu espero que sim.

 

Texto: Ana Catarina Machado

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