António Ribeiro: 60 anos de carreira, 14 clubes e 0 castigos

Nascido com um gosto pelo futebol, o ex-treinador António Ribeiro guarda hoje consigo uma longa carreira de 60 anos sem nunca ter sofrido um único castigo.

Reportagem de Joana Afonso

Natural de Azurva, no distrito de Aveiro, vivia sozinho com a mãe quando era novo, mas tinha uma irmã em Lisboa. Em busca de diferentes oportunidades, os dois partiram para a capital. No novo ambiente lisboeta, António Ribeiro acabou por fazer amigos que andavam na formação do Sporting e o introduziram ao mundo dos treinos de futebol – “O verdadeiro gosto pelo futebol começou aí, embora já viesse um pouco de trás” reflete António Ribeiro. Apesar de não ter terminado o seu curso industrial, o percurso futebolístico estava longe de cessar. Continuou as camadas jovens do Sporting em Lisboa, mas quando chegou a posição sénior, houve uma interrupção. A sua mãe quis regressar a Aveiro. “Ela não era contra a minha vontade de estar lá, mas regressámos porque ela não se adaptou à vida em Lisboa” confessou.

Chegados da capital, e ainda que desapontado com o regresso a Aveiro, António Ribeiro começou a treinar no Beira-Mar. A retoma da sua jornada futebolística foi orientada pelo novo treinador argentino, Anselmo Pina. Nas mãos deste treinador, a equipa do Beira-Mar conseguiu ter um percurso único. Na época de 1958/59, a equipa foi campeã distrital e nacional da terceira divisão. Avançaram para a segunda divisão, mas estagnaram durante um ano. Dois anos após subirem à terceira divisão, conseguiram ser campeões e subiram à primeira. António Ribeiro recorda as nuances que faziam Anselmo Pina ser um grande treinador.

“Com ele fizemos um ciclo ao qual me associo com muito gosto. Fomos dos distritais até à primeira divisão nacional. Foi a primeira vez que isto aconteceu na história de um clube que já era centenário (…) Depois de um ano na segunda divisão sem subir, em 1961 somos campeões da segunda divisão e subimos à primeira divisão. Tudo com o mesmo treinador, que diga-se, não tinha nenhum treinador de guarda-redes, preparador físico ou adjunto!”.

António Ribeiro

Apesar de única e preponderante para a sua carreira, a estadia no Beira-Mar não foi duradoura. No espaço de tempo entre a segunda e a primeira divisão, António Ribeiro foi convocado para a tropa em Mafra. Enquanto lá permaneceu, jogou no Estoril-Praia. “Felizmente, tive a sorte de ficar e não ir para o Ultramar, talvez por estar no futebol, e regressei a Aveiro”, partilhou o ex-jogador. Na época de 1960/61, quando o Beira-Mar está quase a chegar à primeira divisão, António Ribeiro regressa a Aveiro. Após o clube ser vitorioso, teve a oportunidade de continuar nele, mas não o fez – “Fui para junto de um irmão meu em Moçambique, na Cidade da Beira, e lá joguei no Sporting da Beira”.

Permaneceu em Moçambique durante um ano, mas resolveu voltar a Portugal por não se enquadrar no país. Quando regressa a Aveiro, fica desapontado com o que vê, e já não se identifica com o panorama futebolístico que conhecia outrora. “Vi que os jogadores aqui das redondezas de Aveiro eram postos em segundo plano, em relação aos jogadores que vinham do Benfica, Sporting e Belenenses. Naquela altura, vinham muitos jogadores daí. Ainda me deram oportunidade de ficar, mas não quis” partilhou desapontado.

Na verdade, quando regressou, não sabia para onde ir. Tinha vários clubes interessados nele, mas rejeitou todos, até que lhe foi recomendado o Sporting de Espinho. Aceitou a proposta e jogou no clube alguns anos, até ao dia em que foi chamado para fazer treinos de captação no FC Porto, quando o Otto Glória era treinador do clube. Segundo António Ribeiro, o Otto Glória vivia em Espinho e tinha-o visto a jogar: “falou com o Hernâni, que era o diretor desportivo do FC Porto e fui chamado. Mas tive azar, porque eu faço a minha última época em Espinho quando o Otto Glória faz o seu último ano no Porto. Ou seja, quando vou fazer os treinos de captação, já não é ele o treinador, era o Flávio Costa”.

Quando aceita fazer treinos de captação, vai ao Estádio das Antas com mais meia dúzia de pessoas treinar à experiência, mas o método não era satisfatório. O treinador só chamava os convocados nos últimos 15 minutos do treino, um período insuficiente para fazer seja o que for. Contudo, no meio dessa meia dúzia de convocados, estava um indivíduo espantoso, que traria uma nova alma à equipa. O seu nome era Pavão, que coincidentemente partilhava quarto com António Ribeiro, que recorda um momento que viria a ser crucial para a estadia de Pavão no FC Porto. “Uma vez apanhei-o a choramingar depois desses treinos a dizer: «O que é que eu estou aqui a fazer? Eu vou-me embora!». Mas eu fiz questão de lhe dizer «Tu não te vais embora! O treinador, querendo ou não, vai ter de olhar para ti!». Fiz força durante dois dias para que o Pavão ficasse e assim foi. Foi o único que ficou, e criou uma nova alma na equipa” partilhou o ex-jogador. Da meia dúzia convocada, só o seu colega de quarto, o Pavão, ficou. António Ribeiro foi embora, tal como os outros.

Vitória na hora certa

Regressado da fraca experiência no FC Porto, vinha pronto para voltar a jogar no Sporting de Espinho, quando foi abordado por duas pessoas do Vitória Guimarães. “Respondi que tinham chegado mesmo na hora certa, porque ia-me despedir do Porto, por não estar a ser observado com dignidade. Dito e feito, depois do período de férias fui para Guimarães”. Iniciou-se assim uma nova etapa. Jogou lá durante duas épocas, e recorda com carinho o treinador Jean Luciano, assim como grandes jogadores como Peres, Manuel Pinto, Joaquim Jorge e António Mendes. No entanto, é durante este período que ocorre uma lesão que viria mudar o restante percurso de António Ribeiro enquanto jogador de futebol.

Num jogo em Setúbal frente ao Vitória, num lance que António Ribeiro descreve como “maldoso”, o jogador Jaime Graça rebentou-lhe os ligamentos de um joelho, que o impediu de voltar a jogar durante nove meses. “Ainda hoje cá tenho a cicatriz” confessa. Quando retirou o gesso e olhou para a perna, chorou, por achar que nunca mais teria a oportunidade de jogar. Regressou a Lisboa, onde fazia todos os dias tratamentos no Estádio da Luz. Depois de recuperado, ainda voltou a jogar para o V. Guimarães e, mais tarde, para o Sporting de Espinho. No entanto, nunca mais se sentiu o mesmo, depois da lesão. “Senti que nunca mais fui o mesmo jogador. Ainda tive algumas lesões, e houve uma altura em que o futebol acabou para mim” admite.

Dada como acabada a sua carreira de futebolista, regressa a Azurva, Aveiro, com a mulher e os filhos. Andou em meia dúzia de empregos, mas não se sentia satisfeito, pois o futebol tinha sempre sido a sua paixão. Uma lesão não iria impedir uma continuação de carreira no desporto rei. Envolveu-se no Grupo Desportivo de Azurva, no qual ainda é o sócio número um. A partir daí treinou inúmeras equipas de “miúdos” nas freguesias circundantes. Em Eixo, orientou o clube Eixense sem receber dinheiro. Mais tarde, treina o Oliveirinha, onde já recebia algum dinheiro e conseguiu subir a equipa da segunda divisão distrital para a terceira divisão nacional. Depois, treinou o Sport Clube Alba, onde permaneceu por duas épocas, e conseguiu as melhores classificações do clube de sempre.

Passado algum tempo, volta ao Sporting Espinho, desta vez como adjunto do Amândio Barreiras. No ano seguinte, mantêm a mesma função, mas a lado de Manuel José, que acaba por sair para o Boavista. Por último, é adjunto do Quinito, que já tinha estado em Espinho uns anos antes de partir para o FC Porto. Aqui inicia-se uma relação entre os dois, que duraria 12 anos. Entre 1991 e 2001, a dupla passou pelo Sp. Espinho, V. Guimarães, V. Setúbal, Belenenses, U. Leiria e E. Amadora. António Ribeiro admite que guarda com maior carinho as memórias que fizeram no V. Guimarães.

“Estivemos lá três vezes. Havia a certeza que com o Dr. Pimenta Machado, um treinador não voltava depois de sair. Connosco não foi assim. Fomos lá pela primeira vez em 1994/1995, com uma equipa fabulosa – Zahovic, Pedro Barbosa, José Carlos, Tanta, Quim Berto, Gilmar e o N’Dinga. Ficámos em quarto lugar e fomos à Europa. Quisemos ir embora para Setúbal. Voltámos em 1997/1998, fizemos uma grande época novamente, com outra grande equipa – Vítor Paneira, Neno, Alexandre, Edmilson e Pedro Espinha, e ficámos em terceiro lugar. Voltámos para as épocas 1998/99 e 1999/2000.”

António Ribeiro

António Ribeiro deixou o futebol como olheiro do Beira-Mar, para onde trouxe vários talentos que vingaram, como o Beto, Rui Sampaio, Mário Camora, Rúben Ribeiro, Rúben Lima, Tininho, Rui Rêgo, Djamal, Leonardo Jardim, entre outros tantos. No entanto, mostra-se descontente com o tratamento que lhe foi oferecido. “Nunca vi um tostão, e só tinha o meu ordenado. Nunca tiveram consideração” confessa em relação ao Beira-Mar.

“A minha medalha é o cartão vitalício”

Para António Ribeiro, o futebol é magia e paixão, da qual tem saudades eternas. “Estive 60 anos ligado ao futebol, como jogador, treinador e observador. A maior medalha que tenho é um cartão da Federação Portuguesa de Futebol com a minha fotografia a dizer «vitalício». O que representa isto? Foram 60 anos de futebol, sem nunca ter sido castigado! É a minha maior coroa de glória com 81 anos.” A longa carreira de António Ribeiro foi repleta de altos e baixos, causadores de glória e agonia. O seu melhor e pior momento na vida futebolística ocorreram ambos no Vitória de Guimarães. O pior momento, foi enquanto jogador, quando sofreu lesões que quase o impediram de voltar a jogar. O melhor momento de todos, foi ter representado esse mesmo clube, primeiro como jogador e depois como treinador.

Após 60 anos de carreira, representando 14 clubes de futebol e com um total de zero castigos, nos últimos anos tem permanecido em Azurva, acompanhado da mulher Teresa e do cão “Zeca”, onde vive uma vida tranquila. Hoje, quando relembra os “tempos da bola”, olha para o seu cartão da Federação Portuguesa de Futebol e só diz – valeu a pena.

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