“A música para mim é um hobby, que eu levo mais a sério que a minha própria profissão”

Dom Rubirosa é rapper, tem 34 anos, é natural da Murtosa. Conta ao #dacomunicação o porquê de uma carreira a solo, uma vez que integra o grupo Governo Sombra e, também, quais as fontes de inspiração para as suas letras. Desabafa sobre as dificuldades que os músicos têm, atualmente.

Dom Rubirosa 1

Quando surgiu a paixão pela música?
Na altura em que andava no sexto ano da escola, ou melhor foi quando comecei a prestar mais atenção à música. Depois mais tarde, a partir do oitavo ano foi quando quis aprender a tocar um instrumento. Aí sim, foi quando foi cimentado este gosto pela música e por tentar fazer música.

Que instrumento?
Guitarra. Eu tinha pedido um saxofone, mas o meu pai comprou-me um órgão e nunca dei o devido uso àquilo. Aprendi a tocar os “parabéns” e a “noite feliz”. Hoje em dia, arrependo-me porque teria-me dado bastante jeito.

As suas músicas são escritas por si? Quais as fontes de inspiração? As letras são baseadas na sua experiência pessoal?
As letras são escritas por mim, podem não ser na totalidade porque, por exemplo, a questão dos refrões depende de quem esteja presente na música, ou seja, se houver um convidado, a parte do refrão poderá, eventualmente, ser escrita em conjunto ou nem sequer ser escrita por mim mas sim por essa pessoa. No que diz repeito aos meus raps, exceto se eu estiver a fazer um cover, a letra é escrita por mim. As fontes de inspiração é tudo o que me rodeia. Pode parecer uma resposta um bocado cliché, mas é isso, é tudo o que me rodeia. Às vezes pode acontecer o seguinte: eu estar a falar na terceira pessoa ou para a terceira pessoa e na realidade estou a falar de mim, ou estar a falar na primeira pessoa e na realidade estar a falar de alguma história que eu conheça ou que seja, eventualmente, de outra pessoa. Mas normalmente, são coisas que estão diretamente relacionadas comigo ou com os meus.
Qual é origem do nome artístico, Dom Rubirosa?
Tem a ver com a alcunha que foi atribuída ao meu pai. O nome Rubirosa surge de um magnata, playboy das ilhas das Caribenhas que era o Porfírio Rubirosa. O meu pai chamava-se António Porfírio e na altura esse senhor estava muito em voga e pelo meu pai ter a particularidade de ter o nome Porfírio, começaram a chamar-lhe Porfírio Rubirosa. Não era um nome que eu gostava muito quando era miúdo mas depois comecei a utilizar. Quando o meu pai faleceu achei por bem assumir este nome por completo e é o meu alterego principal.
É usual os artistas terem um single que os identifica perante o público. Qual foi a sua música de sucesso? Qual o tema que ainda hoje lhe pedem para cantar?
Os meus maiores sucessos foram três músicas por três motivos diferentes. A “Azul e Branco” que é uma música que foi feita numa altura em que o Porto (FCP) estava a ganhar tudo em 2010/2011. E como tal, muita gente que não é relacionada com o rap mas que é portista se identificou bastante e então teve um grande sucesso. Depois, tenho uma outra música que é com o Philly e com o Mohad que foi o “Saco de Erva”. Secalhar é a música no Youtube que tem mais plays. O que ajudou esta música a ter tanto sucesso foi a controvérsia e o videoclipe. E por final, o “Bem-vindo ao facebook” porque teve uma explosão muito grande num curto espaço de tempo.
Com os concertos é inevitável cantar as músicas inúmeras vezes. Qual é a música que já cantou mais vezes?
Acho que foi a “Sempre Pronto” porque é das músicas mais antigas e está sempre no nosso alinhamento, seja em banda seja em DJ.
Sabemos que é um elemento integrante no Governo Sombra. Porquê um caminho a solo?
Porque como grupo é preciso respeitar e ir de acordo com a unânimidade da opinião de todos os elementos e permite-nos explorar um tipo de coisas. A solo, nós podemos fazer as coisas mais à nossa vontade e não estar tão dependente de terceiros. Acho que é natural. Não quer dizer que tenha sido por ter havido alguma polémica ou alguma chatice. É só porque queres fazer mais e se o pessoal não consegue estar a acompanhar o teu ritmo, tu respeitas isso e vais fazer as coisas a teu gosto. Quando o pessoal estiver para fazer em conjunto, fazemos tudo em conjunto, que é isso que está delineado entre nós.
Qual é a principal diferença artística entre o Governo Sombra e o seu projeto a solo?
No meu projeto a solo, sou mais relaxado, descontraído e cómico. No projeto Governo Sombra abordamos as coisas de uma maneira mais séria. No meu caminho a solo, independentemente, de estar na tanga, abordo as coisas de uma maneira séria ou pelo menos com profissionalismo.

Dom Rubirosa 3
É muito crítico quanto aos problemas na sua profissão. Quais as principais dificuldades dos músicos?
Neste momento estamos a viver uma era em que as pessoas têm como dado adquirido que a música não é paga mas gratuita. Eu acho que o problema dos músicos é que estão a investir bastante dinheiro nas suas carreiras e depois a maneira para rentabilizar esse investimento está mais limitada. Acho que isso é uma das maiores dificuldades, hoje em dia, que é conseguir rentabilizar o investimento que é feito em fazer videoclipes, promoções, publicidade, em conseguir manter um nível artístico, pagar os estúdios, a masterização, a eletricidade. A maior dificuldade é tentar rentabilizar ao máximo o investimento que fazem com a música.
Também é, assim, tão ativo quanto a esses assuntos no seu dia-a-dia?
Tem dias. Aliás, na música “Vocês sabem” do primeiro single do Vol.2, eu digo que é um hobby. A música para mim é um hobby que eu levo mais a sério que a minha própria profissão. Tem dias em que no meu dia a dia, na minha atividade profissional sou ativo, tem outros dias que nem por isso e tem dias que, secalhar, sou mais ativo na minha profissão do que na parte musical. Acho que a melhor resposta é mesmo: tem dias, tem a ver com o estado de espírito com que uma pessoa está nesse dia.
O tema “Bem-vindo ao facebook” satiriza o uso da rede social. O single refere a publicação de fotos de moda como as de comida e animais, afirmação de opiniões, a busca frenética de likes, entre outras ações. Sendo, também, utilizador dessa mesma rede social, o quão culpado é dessas críticas?
Totalmente culpado. Aliás, aquilo é uma crítica geral a muita coisa que eu vejo no meu feed de notícias mas quem me conhece sabe que, principalmente, no videoclipe eu não me coíbo de meter algumas piadas internas e, portanto, alguns amigos meus vão entender que eu próprio estou a dar tanga a mim mesmo na parte do videoclipe porque na letra não dá para transparecer tanto. O objetivo não era colocar-me acima do resto da sociedade ou das pessoas que usam o facebook. É, precisamente, ridicularizar muitos dos comportamentos nessa rede social, até porque eu não me dou muito bem com moralismos sendo que, às vezes, ao estar a criticar moralistas sou um pouco moralista, mas eu sou tão culpado quanto essas pessoas que fazem o uso daquela maneira do facebook.
Todos os seus trabalhos têm nomes invulgares, mas que ficam no ouvido do público. Um desses trabalhos é a mixtape “A tua mãe curte-me tótil”. Porquê esse nome?
O nome surge como tributo a mães de amigos meus. Quando eu era mais novo passava muito tempo fora de casa, na rua e tinha muito mais prazer em estar em casa de amigos meus. Este nome surge numa altura em que estou a morar juntamente com um elemento da minha banda, mas nesse mês estávamos num processo de transição para uma casa e ficámos na casa da mãe dele. Num certo momento, estamos em estúdio a gravar as músicas e nem sequer tinha nome para a mixtape. Estávamos na brincadeira e a frase surgiu tipo “está calado, a tua mãe curte-me tótil”. Pensei em pegar no nome e tranformá-lo numa imagem de marca para os meus trabalhos. Queria fugir à norma e pareceu-me bem este nome surgir assim e porque prestava tributo a pessoas que foram importantes na minha vida. É um nome fora do vulgar, cómico, à imagem da minha postura a solo. Pelo menos para a atribuição de um nome para um CD não me podem acusar de falta de originalidade.

 

Estou a jogar em casa mas entendo isso como uma necessidade
É murtoseiro. O público da Murtosa é conhecido por ser muito acolhedor. Recentemente atuou no Museu da Comur. Qual é a sensação de cada vez que volta “a casa” para dar um concerto?
A pressão, para mim, é maior. Estou a jogar em casa mas entendo isso como uma necessidade de ter que dar mais de mim e de que nada não pode falhar mais do que em qualquer outro concerto. Não que sinta isso por parte do público mas é algo que parte de dentro de mim. Já toquei em cidades, aldeias, vilas. Quando vamos a uma cidade maior nota-se um tipo de pressão mas o facto de estar a tocar para os meus significa que tudo tem que soar perfeito, não porque eles me obriguem mas porque, de certa meneira, eu me obrigo a mim próprio. Não quero com isto dizer que as pessoas das outras terras estão em segundo plano. Não tem nada a ver com isso. É diferente, estamos a tocar para os nossos e apesar de poder estar mais relaxado e ter muito mais margem para falhas, eu encaro isso de uma maneira oposta.

Sente que a Murtosa tem orgulho no Dom Rubirosa?
Até agora e pelos comentários que tenho recebido mais que orgulho acho que têm carinho e isso é bastante importante. Não só pela música “A Murtoseira” mas pelo trabalho que tenho feito com outros temas e com videoclipes porque são as coisas mais facilmente visíveis e que as pessoas conseguem relacionar mais rapidamente.

Como é que um professor de informática se torna rapper?
Cronologicamente eu fazia música e entretanto tornei-me professor de informática e hoje em dia, infelizmente, já não exerço com muita pena minha porque era uma profissão que me dava muito prazer.

As mães são as nossas maiores críticas. Sabemos que a sua mãe não foge à regra. O que é que a sua mãe lhe diz cada vez que escreve uma música nova ou lhe mostra um novo videoclipe?
Normalmente, ela só fala dos concertos. Não costumo muito mostrar aquilo que escrevo ou os videoclipes que faço. Só quando entendo que ela irá perceber uma ou outra piada. Tendo em conta os concertos, ela pergunta-sempre isto: “Será que vale a pena todo o trabalho que tu tens com esta coisa?”, é exatamente isto. Pergunta-me se “vale a pena fazer tantos quilómetros para ir lá cantar?”. Vale a pena no sentido monetário porque no sentido se me preenche, ela sabe que vale a pena porque que tenho gosto em fazê-lo. Na crítica e como é óbvio, dado ao facto de a Murtosa ser uma terra pequena, ela tem preocupação com a minha imagem. Há mais de vinte anos que a minha imagem não é uma preocupação ou pelo menos aquilo que as pessoas possam pensar de mim. Como mãe e com uma diferença de idades grande tem um tipo de sensibilidade. Não é muito crítica. Só pergunta se “não estás a gastar mais dinheiro do que estás a ganhar?”, é mais nesse sentido.

Dom Rubirosa 2
A nível musical tenho a minha imagem e tenho a minha qualidade
Com o avanço da tecnologia acabamos por consumir música pela internet. O facto de disponibilizar todos os seus trabalhos online é uma maneira de se antecipar à pirataria?
Normalmente, só disponibilizava os meus trabalhos depois de os CD’s estarem esgotados. Em 2011 com o Vol.1 só disponibilizei depois de o CD estar esgotado, foi rapidamente, portanto, não houve grande trabalho com isso. No Vol.2, em 2013, há um acompanhamento do comportamento por parte do ouvinte que é: em 2011 ainda há muito aquele hábito de se comprar o CD ainda que haja muito a cultura do download. Em 2013, já há um avanço muito grande da tecnologia e os artistas começam a adotar um política de “eu vou oferecer a minha música”. No Vol.3, que saiu em 2015, deixei o CD à venda durante três meses, após três meses deixei o trabalho no Spotify para que as pessoas possam ouvir gratuitamente, não conseguem fazer o download do Spotify mas conseguem ouvir tudo por stream, que é uma tecnologia que está bastante em voga. O objetivo para o Vol.4, que estará para breve, é que vai haver na mesma o CD para venda mas no mesmo dia em que eu lançar o CD as pessoas poderão fazer download gratuito no meu site desse Vol.4, ou seja, não têm que comprar o CD, poderão eventualmente, comprar o CD para continuar a coleção até porque um dos meus objetivos é que possam fazer coleção das minhas mixtapes. A questão é: será que vale a pena estar para download gratuito ou será preferível apostar mais no stream? Nessa altura, vamos ver qual será a melhor maneira. Acho que, antigamente, faziam-se tournées para vender álbuns, hoje em dia, fazem-se álbuns para se vender concertos. Acho que os músicos têm que entender que o paradigma da música mudou. Voltando à questão de me antecipar à pirataria, estou num patamar que quanto mais gente expandir a minha música, ainda que seja através da pirataria, não estou muito importando com isso. Logo que espalhem a minha música e que me deem o devido crédito, como é óbvio.
Ainda assim, consegue ter lucro com a venda dos álbuns em formato físico ou a única receita é a dos concertos?
Sim, ainda consigo ter. O que acontece é que quanto mais nós vamos ganhando mais vamos investindo. Eu não consigo amealhar para o meu bolso o dinheiro que eu ganho com a venda dos CD’s ou com o merchandising porque utilizo esse dinheiro para voltar a investir na música. Na questão da música quando eu vendo um CD é para pagar ao designer que me fez a capa, é para pagar o tempo de estúdio, os videoclipes, a publicidade que tenho que fazer em jornais e revistas, no facebook, cartazes e autocolantes e uma coisa paga-se à outra. Para já, não tem dado prejuízo e o lucro que dá a mais, não o chego a ver, porque estou a investir.

Em termos profissionais, o que falta para atingir os seus objetivos?
Falta ter mais dinheiro para investir ainda mais. Eu defendo que para se fazer dinheiro é preciso que se gaste dinheiro e é preciso que se investa dinheiro. E o negócio da música está, de tal maneira, feito para que não basta ter talento, não basta saber tocar bem, é preciso ter algo mais, é necessário ter exposição, de estar presente em eventos, revistas, televisões e tudo isto engloba dinheiro. Modestia à parte, acho que a nível musical tenho a minha imagem e tenho a minha qualidade.

Já há trabalhos futuros?
Já há. O Vol.4, está em fase de construção, espero que seja lançado no final do verão, pelo menos entre outubro e novembro. E há o “Bandalismo”, que é o trabalho que vamos gravar em estúdio com a banda, é um trabalho muito particular porque a banda que toca comigo ao vivo pegou nos meus temas e fez a sua própria versão. Daí chamar-se bandalismo e não vandalismo. Também estou a trabalhar no primeiro álbum a solo que se vai chamar “Uma jóia de moço”. Ainda que eu encare as mixtapes como álbuns, pelos menos a nível profissional e a nível de seriedade do projeto, a conceção de um álbum tem um misto que é a banda e um misto que é estar a trabalhar com produtores de rap. Para mim um álbum será explorar tudo aquilo que eu gosto musicalmente. O álbum será uma mistura dos dois mundos: do mundo da banda e do mundo de estar a trabalhar com produtores que fazem, normalmente, beats de rap e além disso demora muito mais tempo.

Catarina Rebimbas

Imagens: Dom Rubirosa

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