“A afeição do público tem crescendo e agradeço profundamente”

Raquel tavares estreou o recente disco “ Raquel”, depois de 7 anos sem publicar uma obra. A menina de 12 anos que cantou pelas ruas de Alfama e conviveu com os históricos intérpretes da canção nacional, diz-se tradicionalista de alma e coração, e tem em Beatriz da Conceição uma das suas maiores referências. A artista que conquistou inúmeros palcos em todo o mundo, nega a existência de um novo fado. Tem Lisboa como a sua maior inspiração e afirma-se alfacinha de gema, com orgulho. Segundo Raquel Tavares, o seu mais recente disco reflete uma Raquel que “ viajou, teve imensas experiências positivas que contribuíram muito para a sua formação enquanto pessoa e fadista.

raquel tavares

Caso se encontrasse com aquela menina de 12 anos que venceu a “ grande noite do fado” em 1997, o que lhe diria?
Dir-lhe-ia que abra as portas que tem de ser abertas e fechar aquelas que tem de ser fechadas. Que abrace tudo com toda a intensidade e que interiorize tudo o que houver a interiorizar. Para agradecer a todos os que de alguma maneira influenciaram o seu caminho no fado. A Portugal, às casas de fado, a Celeste Rodrigues, Maria da Nazaré, Jorge Fernando, e claro, Beatriz da Conceição. Dir-lhe-ia que é uma criança feliz pela oportunidade de respirar Alfama e o fado com os melhores intérpretes da canção nacional.
Nasce-se fadista ou torna-se fadista?
Nasce-se fadista. Digo-o por experiência própria embora admita que o fado pode ser descoberto. Mas acredito que a maioria sentiu muito cedo que o fado chamava mais alto. Falando por mim, Alfama respira fado e a minha casa era vizinha do fado, por isso fez todo o sentido que o fado entrasse na minha vida muito cedo. Eu nasci a adorar os lenços que punha sobre os ombros e a adorar as casas de fado, cresci a ouvir e a seguir atentamente os grandes nome. Ainda não o era, mas já me sentia fadista.
Alguma vez pensou que seria uma das fadistas mais ouvidas e faladas do momento? Inclusive além-fronteiras?
Nunca fui pessoa de fazer grandes introspecções sobre o presente nem projetar o futuro. Recebi com grande intensidade tudo o que a vida me dava a cada instante e isso deu-me a oportunidade de aproveitar cada experiência e aprendizagem intensamente. Não digo que não tivesse sonhos, todas as crianças os têm, mas nunca estabeleci nenhum patamar a conseguir. Sou agradecida por tudo aquilo que consegui até hoje, até por todas as portas que se fecharam e por todas as que se abriram. Quando comecei o meu percurso a única coisa que me interessava era cantar o fado em locais diferentes, poder aprender com os melhores. Hoje sinto que a afeição do público só tem crescendo e eu só tenho a agradecer.

O que sente quando leva o fado além Portugal?
Sinto o fado como uma linguagem universal. Pessoas tão distantes geograficamente e que provavelmente nem um “ bom dia” em português dizem, sentem o fado da maneira como o cantamos e interpretamos. É visível em cada rosto e dá para ver que entendem a essência do fado. Esse é o verdadeiro objetivo. Cantar para o povo português é sentir que a nossa alma de povo lusitano e tradicional se reúne numa só canção e emoção. Mas cantar fora de Portugal é mostrar o orgulho que temos naquilo que fazemos, e que somos tão bons naquilo que fazemos.

Depois de 7 anos sem lançar um disco, como descreve a sensação de estrear uma obra sua?
Estes 7 anos parecem muito tempo quando falamos em 7 anos em que não publiquei nenhum disco. No entanto, foi o tempo necessário para amadurecer, reunir experiências e histórias e uma outra forma de olhar as coisas. Nestes 7 anos vi o fado crescer e mudar, ainda que não tenha nascido um novo fado. A Raquel de hoje é uma Raquel mais madura, alegre e realizada e não podia estar mais feliz com a forma como o público tem recebido este novo projeto. Este disco tem a pessoa que sou e um trabalho incansável de 7 anos.
Este disco reflete uma Raquel mais madura. O que mudou ao longo destes 7 anos desde o primeiro disco?
Penso que era uma menina há 7 anos. Esta Raquel de hoje viajou, teve imensas experiências positivas que contribuíram muito para a sua formação enquanto pessoa e fadista, partilhou imensos palcos, cá e lá fora, e trouxe esse conjunto de influências para este disco. O meu disco está aberto ao mundo, reflectindo mais experiência, mais vivências e uma consciência tranquila das suas origens. Estes 7 anos foram de uma intensa aprendizagem. Aprendi que para se ser intérprete não basta saber cantar, saber como colocar a voz sem desafinar nas notas. É indispensável ser também um grande compositor, pegar na poesia e sintoniza-la com a música. O compositor é quem tem o talento de gerir a relação entre a voz, melodia e palavras para que tudo se transforme numa mensagem. Hoje reconheço que para se ser uma verdadeira fadista não se tem de deixar de lado o papel de intérprete. Eu já tinha o verdadeiro sentimento pelo fado. Mas faltava-me o resto. Hoje estou mais completa do que estava.
Como define este disco “ Raquel”?
É um disco com mais mundo e mais maduro, artística e pessoalmente. O álbum abre com “ Deste-me um beijo e vivi” do poeta “ João Dias e é uma criação de Beatriz da Conceição, que faleceu o ano passado. Foi uma artista extraordinária e a sua memória nunca será esquecida enquanto eu cantar e viver. Fazem também parte do alinhamento “ Rapaz da camisola verde”, de Pedro Homem de Mello e Hermano da Câmara; “ Limão”, que também é um tema delicioso, de Arlindo de Carvalho; “ Eu já sei” de Domingos Gonçalves e Carlos Rocha, e “ Coração Vagabundo” um tema fabuloso de Caetano Veloso com Rui Massena ao piano e Carlão. Rui Veloso é outra das participações, do qual me confesso muitíssimo agradecida. Participa no tema “ Regras de sensatez, da qual a música e a letra são da sua autoria; António Serrano em “ Não me esperes de volta” , que é um dos meus temas favoritos, de “ Paulo Abreu Lima e António Azambujo .O tema “ Meu amor de longe”, e Jorge Cruz, que orgulho-me da sua intensa portugalidade, dos amores arrebatadores e das paixões intensas. Este disco retrata a pessoa que sou, por isso lhe chamei Raquel, é o nome que os meus amigos me chamam.

Como é que descreve esta interligação entre artistas de pop/rock como Rui Veloso e António Azambujo e poetas como Pedro Homem de Mello neste disco?
Rui Veloso é um dos grandes nomes da música portuguesa e Pedro Homem de Mello fascina-me com as suas letras incríveis. São letras simples de um vocabulário quotidiano, mas com uma beleza que fica logo no ouvido. São letras muito fáceis de apreender e gostar. É como se cantássemos o fado com alma e estivessem no nosso ouvido a declamar em tom baixinho o poema. É pronunciar o que de tão bom escrevemos e os poemas retratam histórias felizes, como o poema “ Rapaz da camisola verde”, do nosso querido poeta Pedro Homem de Mello, um amor vivido de uma forma ansiosa e intensa.Rui Veloso e António Azambujo, são nomes incontornáveis da música portuguesa e contribuem com letras cheias de alegria, que combinam tão bem com o fado.
De que forma o fado e a dança se interligam para si?
Se o fado encarnarnasse numa pessoa seria uma menina que corre alegremente pelo bairro, com o lenço nas costas e canta pelas ruas. Sinto no meu interior que fado como símbolo da portugalidade e alma lusitana de um povo, traduz-se num canto alegre e com movimento. A dança é uma das minhas paixões, talvez um bichinho que estava ali escondido e que nem eu sabia que existia. Foi muito bom descobrir este meu “ talento” ou potencialidade. Fado e dança para mim formam um par irresistível. Eu na verdade, considero me uma verdadeira dançarina no palco, eu não paro quieta, ando sempre de um lado para o outro. Esta é a minha forma de viver o fado e de o interpretar,da qual só a dança pode contribuir.

De que forma conviver com os mais históricos intérpretes do fado influenciou o seu percurso no fado?
Considero-me uma sortuda pelo fato de ter nascido no ano de 1985. Nascer há 31 anos deu-me a possibilidade de acompanhar os grandes nomes da música e do fado. Alfama, o bairro e os restaurantes onde cantava, as presenças habituais de Maria da Nazaré, Maria do Carmo, Vânia Duarte, Ana Moura, Jorge Fernando na casa de Linhares deram-me um fascínio desde muito cedo por estes artistas. Eles intimidavam-me e ao mesmo tempo davam-me confiança. Faziam-me sentir como uma colega, no fundo, que partilhava a mesma paixão. Tenho a certeza que Alfama me deu a sede de me tornar fadista, podia por outros caminhos tornar-me ainda assim fadista mas não teria a bagagem que hoje posso afirmar ter.
Considera-se tradicionalista de alma e coração. De que forma esta característica se transparece na forma como vive e interpreta o fado?
Podem afirmar que sou muito conservadora, mas defendo que os grandes nomes da canção nacional trouxeram ao fado certos valores, que devem ser preservados. Isto traduz-se num cuidado na postura, na intuição musical, a contenção, o ritmo e peso das palavras. Não podemos confundir o fado com a música pop. Não se pode confundir nem atribuir novos nomes onde não há nomes a colocar. Quando digo que sou tradicionalista, sou-o porque não podemos drasticamente, nem de outra forma qualquer romper com a influência e o contributo que os grandes nomes deram ao fado. Fado inclui muita história portuguesa que não pode ser ignorada.

Que limites se estabelecem para o fado, para que este não perca a sua essência e verdadeira natureza?
O fado deve preservar o seu verdadeiro significado. Devem ser respeitadas a sua história e tradição, até mesmo a sua forma, musicalidade e ritmo. Que o sentimento que o fado imprime seja interpretado por cada fadista com a força e devoção que o fado merece. O fado reflete a nossa portugalidade, o nosso orgulho e alma do povo lusitano. Quando se dá voz e um corpo ao fado, carrega-se este símbolo enorme da nossa história.
Considera que o fado possui agora uma relação mais estreita com os jovens?
Sim. Agrada-me a ideia de uma nova geração de jovens que deixaram que o fado entrasse nas suas vidas. Os jovens vem trazer vitalidade e dinâmica ao fado. O fado não é coisa de velhos. Considero que é importante haver uma mútua aprendizagem entre os grandes nomes do fado e a geração mais jovem do fado. Felizmente, e apesar de já termos perdido grandes nomes do fado como Amália Rodrigues entre outros, os mais novos por estas andanças podem conviver de perto alguns nomes da canção nacional. Que os jovens que já se deixaram encantar pelo fado, sirva como uma convite para que outros o façam, e que não deixem perder nem esmorecer a nossa cultura.
Como define a relação atual do fado com os jovens?
Com os jovens , penso que o fado está cada vez mais moderno e a ganhar cada vez mais ouvintes. Ainda que não tenha mudado a sua essência, o fado está hoje com uma outra dinâmica e vitalidade, e penso que essa característica atual do fado tem conquistado as gerações mais recentes, que tem estabelecido uma relação de grande proximidade e gosto com o fado.

Se hoje não fosse fadista, o que seria? Como se imaginaria?
Essa é uma pergunta interessante.Penso que se não fosse fadista, seria bailarina quem sabe. Por que não? A verdade é que a dança ocupa também um cantinho muito especial na minha vida, e não posso deixar de referir a importância que as minhas participações em programas e eventos de dança, como o programa televisivo “ Dança Comigo” e o “ Dança com as estrelas”, e até mesmo o Festival da Eurovisão da dança, onde participei com o João Tiago tiveram para mim. Sem dúvida que foram verdadeiros desafios, ao qual confesso-me bastante orgulhosa do meu desempenho, numa área que me é tão querida. Se não fosse bailarina, quem sabe atriz. Participei num teatro revista em “Arre potter que é demais”, no teatro Maria Vitória, que me deu muito gozo e prazer de fazer. Um pedacinho de mim é a menina criança que baila pelas ruas, interpretando imensas personagens.

Participou recentemente no programa “ The Voice Portugal” onde foi jurada. Em que outros projetos gostaria de participar?
Neste momento, com a recente publicação do meu disco, estou com uma agenda super preenchida. Tem sido vários os convites feitos por programas de televisão, rádios, e estou realmente muito agradecida a todos. Tem sido fantástica a receção do meu disco. Por isso, projetos como o “ The voice Portugal” vão ter de esperar mais um bocadinho. Mas sim, não tenho dúvidas de que participar num género de programa televisivo destes me trouxe momentos que jamais vou esquecer. Foi realmente um prazer acompanhar e apadrinhar talentos tão novinhos que já dão tanto que falar. Mas quanto à pergunta, adoraria voltar a participar em outros programas deste género, com talento infantil ou de todas as idades, porque o talento não se mede aos palmos. Terei todo o gosto em participar em programas de talento e onde a música e até a dança estiverem presentes. Sentir-me-ei profundamente honrada pela confiança depositada.
O que é que o público pode esperar de futuros discos?
O público pode contar com outros discos, ainda que não possa estabelecer nenhum tempo aproximado até que publique um novo trabalho. Por agora, é tempo de fruir intensamente este disco, fazê-lo amadurecer, viver quem sabe outras experiências e contactar com outras sabedorias e mais tarde trabalhar para outro disco. Uma coisa é certa: o fado como uma declamação orgulhosa e harmoniosa de poemas arrebatadores, tão característicos dos nomes incontornáveis como Pedro Homem de Mello, e recriações de Beatriz da Conceição não irão faltar. O público pode contar com um fado que promete encantar e continuar a seduzir os mais novos, e atrair um número cada vez maior da população jovem, espero eu claro. Os meus trabalhos refletirão uma Raquel cada vez mais madura e mais realizada, mas sempre próxima das suas origens e da sua história, num relato dos maiores símbolos da portugalidade, espírito e cultura portuguesa. Esse é o meu fado, de menina e mulher que sou.
Ana Rita Gomes 

Imagem: Facebook Raquel Tavares

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