“Sucesso não é só ter uma licenciatura, podemos ter sucesso a fazer o que gostamos”

Ana Afonso tem 18 anos e foi a aluna com melhor média do ensino secundário no ano letivo passado. Decidiu criar o seu próprio caminho e pensou “fora-da-caixa”. Considera que muitas pessoas vão para a universidade, apesar disso não ser o que realmente querem. Por essa razão decidiu que não queria continuar a estudar após concluir o 12º ano.

Por Cristiana Paiva

Ana Afonso

“Os meus pais e a minha família apoiaram sempre a minha decisão, porque sabem que sou muito ponderada, e se tomei esta decisão foi porque pensei muito nisto”, afirmou Ana Afonso.

“Fimapoqui” é um grupo de estudantes universitários, cada sílaba da palavra corresponde a disciplina que cada um dos 4 elementos a que os seus membros chumbaram no secundário: filosofia matemática, português e química.

Mesmo sem ter o objetivo de ingressar no ensino superior, foi a aluna com a melhor média do secundário, Ana Afonso explica que “é uma questão de personalidade, quando entro em alguma coisa, gosto de dar o meu melhor”.

Trabalhar nas limpezas de um hospital, servir cafés ou estar dentro de um escritório, não influencia a sua felicidade. Fez voluntariado em Cabo Verde durante um mês, esteve na ilha de Santo Antão, onde as pessoas vivem isoladas, para chegarem a povoação precisam de caminhar cerca de 4 horas, não há meios de transporte. “Percebi a maneira como as crianças são felizes quase sem nada”, sublinha Ana.

Considera que há várias formas de aprender mais sem ingressar na universidade. “Estou num meio pequeno, quero expandir os meus horizontes”, afirma Ana Afonso. Neste momento trabalha numa gelataria para fazer um pé-de-meia, que pretende usar para passar uma temporada fora do país.

O projeto “Conversas de Café” teve como primeiro evento uma palestra, com lugar no auditório da Biblioteca Municípal de São João da Pesqueira. A ideia surgiu de uma conversa de café, como explica Liliana Almeida, membro do grupo “Fimapoqui”, “Surgiu a hipótese de nos juntarmos e realizarmos diversos eventos de forma a “ativar” a juventude no nosso concelho”.

O principal objetivo desta palestra foi mostrar aos alunos que existem vários caminhos possíveis que eles podem seguir, e que é possível ter sucesso nos mesmos. Como afirma Eduardo Ferronha, um dos membros do grupo “Fimapoqui”, “Cada um tem o seu percurso, não precisa de ser igual ao do amigo, colega ou dos pais”.

João Veiga, membro do grupo “Fimapoqui”, afirma que “A temática das palestras vai ser sempre a mesma, deixaremos o políticamente correto de lado para criar um clima de conforto, como se trata-se de uma verdadeira conversa de café”, e Sofia Diogo, do mesmo grupo, acrescentou que o projeto tem o intuito de convidarem ex-estudantes para falarem da sua história, sublinhando que “nenhum de nós teve “sucesso” logo à primeira, seguimos caminhos diferentes, queremos mostrar isso aos alunos do secundário”.

Indignados com o facto de todos os anos decorrer uma palestra na escola que todos frequentaram, Escola Básica e Secundária de São João da Pesqueira, “onde todos os anos são escolhidos a dedo para falarem dos seus percursos que são sempre os mesmos” explica Liliana Almeida, quiseram dar a conhecer diferentes pontos de vista, diferentes formas de pensar, “mostrar que nenhum caminho é mais ou menos válido do que outro e que falhar não é um problema” acrescenta Liliana Almeida.

Foram convidadas várias pessoas para discursarem na palestra, entre os quais, Ana Afonso, André Prado, Sofia Diogo, Miguel Ferreira, Nuno Moutinho, todos eles seguiram caminhos diferentes, embora alguns tenham acabado por ingressar no ensino superior, tiveram etapas diferentes nesse caminho.

 

Pessoas com formas diferentes de pensar

André Prado tem 19 anos e estuda na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Bragança. Aos 14 anos foi estudar para a Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento de Carvalhais, em Mirandela, a 70 km de casa, para o curso técnico de viticultura e enologia.

“Estou há 5 anos fora de casa, isso desenvolveu-me. Tu cresces muito mais se for a pressão”, afirma André Prado.

Foi considerado o melhor aluno da escola a nível de podas, embora não soubesse podar quando ingressou no curso. Durante o curso representou Portugal num concurso de podas. “Estive uma semana em Itália e uma semana na Áustria”, destaca André Prado.

“Nunca tive limites, tinha o mapa de Portugal inteiro para escolher o sítio para onde queria ir”, sublinhou André Prado.

André Prado

Conseguiu entrar para um cetsp de Produção Agrícola, e pretende ingressar na licenciatura de Engenharia Agronómica, a qual tem 13 equivalências com o cetsp.

Sofia Diogo, tem 19 anos e frequenta a licenciatura de enfermagem na Escola Superior de Saúde do Instituto Superior Politécnico de Viseu. Antes disso passou pelo ano zero.

Chumbou no exame nacional de português do 12º ano, não queria permanecer na mesma escola, “Toda a gente tem o seu lugar, e nós vamos encontrar o teu, foram as palavras dos meus pais”, afirma Sofia Diogo.

Decidiu seguir um caminho diferente, foi para Viseu, frequentar o ensino recorrente da Escola Secundária Alves Martins, começou a ter aulas para concluir o ensino secundário, e ao mesmo tempo, frequentava o cetsp de gestão comercial e vendas.

Sofia Diogo

“Eu tinha aulas de manhã na universidade, tinha aulas a noite no liceu, frequentava as praxes, conseguia sair a noite, eu conseguia fazer tudo”, sublinha Sofia Diogo.

No segundo semestre, perdeu a motivação para o curso, resolveu empenhar-se para voltar a realizar os exames nacionais, por fim, depois de conversar com a mãe, tomou a decisão de se candidatar a licenciatura de enfermagem. “A minha colega de casa estava no 2º ano de enfermagem e eu achava muito interessante as coisas que ela me contava sobre o curso”, explica Sofia Diogo.

Miguel Ferreira, tem 21 anos e é proprietário de uma Agência Funerária em São João da Pesqueira.

Miguel Ferreira

Foi convidado para discursar em mais uma das palestras organizadas pela Escola Básica e Secundária de São João da Pesqueira, e recusou, Miguel explica que “Quando estava na escola e era obrigado a assistir àquelas palestras, achava que aquilo nunca mais acabava, não queria ouvir aquilo”. Por essa razão, é a favor de mais projetos como “Conversas de Café”. Quando foi convidado pelo grupo “Fimapoqui”, afirmou “Só a morte me fará faltar”.

Considera que as pessoas não se devem deixar levar pela opinião dos outros, nem pelas influências da família, afirma que “É um erro. Acho que as pessoas quando acabam o secundário deviam ter uma pausa para experimentar coisas novas”.

Começou a ajudar a fazer funerais aos 14 anos. Mais tarde conseguiu um emprego numa uma funerária, mas percebeu que não conseguia estudar e trabalhar, como explica Miguel “Estar a fazer as duas coisas não estava a funcionar”, acabou por chumbar no 12º ano. No ano seguinte, inscreveu-se a matemática, mas desistiu a meio do ano para se dedicar ao trabalho.

“Não é por irmos para a universidade que somos mais que os outros. Cada um é para aquilo que nasceu”, sublinha Miguel Ferreira e, afirma ainda que é feliz mesmo tendo apenas o 9º ano concluído.

Por fim, lamenta a desertificação do interior, “estamos num meio pequeno, mas tem potencial para ser grande”, destaca que as pessoas não tendo serviços vão se embora, “é preciso que haja uma geração que acabe com este ciclo”, afirma que foi por essa razão que decidiu investir num meio pequeno.

Nuno Moutinho, tem 24 anos, passou pelo ensino regular, ensino profissional, Animação Cultural e está agora em Artes da Performance Cultural no Instituto Superior Politécnico de Viseu.

Nuno Moutinho

Durante o ensino secundário passou por diversas mudanças, primeiro envergou no ensino regular, na área de Línguas e Humanidades, no 11º ano decidiu ir para a ESPRODOURO (Escola Profissional do Alto Douro), percebeu que não aquilo não era para ele, voltou para o ensino regular e concluiu o secundário.

“Percebi que queria ir para artes, os meus pais não aceitaram”, afirma Nuno Moutinho, candidatou-se a um curso de animação cultura na Escola Superior de Educação de Viseu, sem o conhecimento dos pais, “fingi que estava num curso completamente diferente”, afirma Nuno. Os seus pais só vieram a saber quando participou num projeto chamado “Luzes de Rua”.

No início, deixou de estar motivado para o curso, entretanto, o curso de animação cultural passou por alterações, transformando-se em artes da performance cultural e voltou a empenhar-se para acabar a licenciatura.

 

Impactos da transmissão de vivências

As pessoas que assistiram à palestra consideram que é importante demonstrar que a universidade não é a única opção após a finalização do secundário e “é preciso mostrar que nem sempre tudo corre bem à primeira mas não podemos desistir”, afirma Raquel Lopes.

Por ser a 1ª edição das “Conversas de Café”,  o grupo Fimapoqui não esperava muita gente, ainda assim, Eduardo Ferronha afirma que “as pessoas que vieram mostraram interesse, interagiram com os convidados”, concluiu que as pessoas ficaram mais bem informadas com esta palestra.

Luís Costa, aluno do ensino secundário considerou que o ponto mais potisivo da palestra foi não haver distancia entre locutor e interlocutores, desta forma “as pessoas aprendem e retêm conhecimento mais facilmente”.

 

Futuros projetos

“Queremos continuar com as “conversas de café” para abordarmos outros temas que não são muito falados, como feminismo, poluição e o aborto” sublinha Liliana, acrescentando que têm ideias para outros projetos como a “realização de eventos de limpeza de vários pontos do concelho” e “concretização de entrevistas para transmitir as vivências dos habitantes do concelho de São João da Pesqueira”.

Por agora, o projeto mais ambicioso é trazer de volta a tradição do jantar académico que costumava ser realizado anualmente em São João da Pesqueira.

Liliana Almeida afirma que através desta “conversa de amigos” conseguiram que os alunos presentes se sentissem menos pressionados em relação ao seu futuro e acha que “conseguimos fazer pensar”.

Na conclusão do evento, João Veiga destacou que “A informação dada é muito limitada, convém mostrar o outro lado da vida depois do secundário, mostrar que existem vários caminhos para sermos felizes” e acrescentou que “não podemos deixar que nos proibam de fazer o que queremos”.

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