“O ouro de Resende é a cereja!”

Quem percorre a Estrada Nacional 222 (EN-222) entre o concelho de Cinfães e o concelho de Resende, no norte do distrito de Viseu, não fica indiferente às famosas ‘barraquinhas’ que enchem a beira do asfalto por esta altura para vender a cereja da região, principalmente ao domingo, sempre com o rio Douro como pano de fundo.

A mais conhecida é a cereja de Resende, considerada por muitos a atividade mais importante deste concelho por ser uma alavanca para a economia local. Este ano, a meteorologia, entre frio e chuva, não tem ajudado à produção deste fruto. A maturação da cereja está com cerca de três semanas de atraso e depois da precipitação incessante dos últimos dias, há quem fale numa quebra de produção entre os 40 e os 50 % em algumas variantes/qualidades de cereja.

No sentido Cinfães – Resende, é à saída deste primeiro concelho, terra do explorador Serpa Pinto, na freguesia de Oliveira do Douro que descobrimos as primeiras cerejas à venda numa barraca instalada do outro lado da estrada, rodeada por meia dúzia de pessoas.

A barraca consiste numa carrinha de caixa aberta, protegida com dois guarda-sol – que por esta altura, por mais estranho que pareça em junho, são mais guarda-chuva – onde estavam as frutas da época, na sua maioria cerejas. O tempo que demoramos a estacionar o carro em segurança, foi o suficiente para ao sair notarmos a azáfama ao arrumar de gente trabalhadora que ainda tem mais para fazer às quatro da tarde de um domingo.

“Olá, boa tarde! Está tudo bem? Como é que vai o negócio da cereja?”, como que gritamos ainda a uns 30 metros de distância, com medo de perder as histórias de quem já tinha vendido a cereja para o dia e se preparava para zarpar. “Vai bem, acabou agora, mesmo agora. Já foi tudo”, respondeu o Sr. Carvalho com um sorriso tímido de quem já viu dias melhores para a venda de cereja.

Contou que, além da maturação da cereja estar atrasada, muita dela está estragada: “Só na árvore é que se consegue ver a realidade. Muita da cereja está rachada, para aí 50% da produção”, confirmou.

Com terrenos próprios em Cinfães, este produtor que vende essencialmente ao domingo, confessa que não vive da venda da cereja, mas admite que há muita gente a viver. “Para mim é um bónus, mas há muita gente que vive só disto, não tem outra forma de rendimento, mas também é um mês e meio, dois meses do máximo. A partir daí acabou, já não há”, explica o produtor, não esquecendo a fugacidade deste fruto.

A despedida fica marcada pela esperança de que os próximos dias tragam calor e sol para que a cereja que ainda reste vingue, porque, explica o Sr. Carvalho, “o calor e sol é que dão o sabor à cereja, a maturação é com o calor e com o sol, sem isso nada feito”.

Retomamos a viagem em direção a Resende, entre a chuva ‘molha-tolos’ que vai caindo nesta tarde de domingo. Mais à frente, cerca de 6 quilómetros depois, já estamos em território resendense. Chegamos a Caldas de Aregos, conhecida pela estância termal onde terá sido tratado nas águas sulfurosas D. Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal.

Sem sairmos da EN-222, conseguimos avistar o cais fluvial de Caldas de Aregos inaugurado no ano de 2009, que recebe as embarcações que navegam no rio Douro. Este cais substituiu uma praia fluvial existente até então, uma obra um tanto ou quanto polémica na altura. É embalados pelo paralelo daquela parte da estrada que voltamos a encontrar mais cerejas, desta vez, são mesmo de Resende.

Ao aproximarmo-nos de uma barraca, assistimos em flagrante à compra de cereja de quem vem de fora. A conversa gira em torno da menor qualidade da cereja este ano: “Costuma ter aqui maiores, costuma ter aqui outras qualidades maiores”, afirma a compradora.

“Ouça, esta cereja ficou miúda porque não veio calor”, confessa o vendedor. A esperança de que dias melhores virão para a cereja de Resende fica visível na promessa de Alexandre Pinto Almeida: ”para a semana venha cá que eu tenho aqui coisa boa!”, remata.

Há três semanas que este produtor monta a barraca (uma mesa de plástico e um guarda-sol, diga-se) junto à estrada em Caldas de Aregos, vendendo uma média de 80 quilos em cada fim-de-semana. O produtor concorda que a produção de cereja é a atividade mais importante do concelho.

“Somos gente que vive com a [venda de] cereja todo ano. Se não houver cereja, Resende não tem outro ouro. O ouro de Resende é a cereja”, realça Alexandre Pinto Almeida.

Aqui, ouvimos também a queixa de que a chuva tem estragado muita cereja em Resende, e Alexandre Pinto Almeida até dá o exemplo: “Hoje trouxe 70 quilos, tirei 13 quilos estragada. Isso é muito prejuízo”, lamenta.

Além da venda à beira da estrada durante os meses de maio, junho e julho, esta produção familiar costuma também estar presente no Festival da Cereja, organizado pela Câmara Municipal local desde 2001. O deste ano já decorreu a 2 e 3 de junho. Alexandre é perentório a afirmar que é melhor estar no festival a vender do que à beira da estrada.

“No festival é sempre muito mais pessoal, outra convivência. Para mais sossego é aqui”, diz Alexandre Pinto Almeida entre risos.

“Havia de haver cereja quatro vezes ao ano para termos mais festivais”, deseja este produtor que insiste na importância da cereja para as gentes de Resende: “Se não for a cereja, Resende não tem nada”.

Em jeito de balanço e mesmo que o sol e o calor apareçam nas próximas semanas, Alexandre projeta um ano mau para quem produz e vende a cereja de Resende. “Este ano é fraco para toda a gente, este ano não há balanço bom para ninguém, é fraco porque o tempo não ajuda”, refere Alexandre Pinto Almeida.

À hora que finalizávamos a conversa, com a ajuda de familiares, Alexandre arrumava a barraca, porque a cereja apanhada para o dia estava vendida. Passava meia hora depois das quatro da tarde.

Mais abaixo, num outro produtor, ainda havia cereja. Ao contrário do vendedor anterior, esta produção não esteve presente no Festival da Cereja na vila de Resende, uma vez que nessa altura não tinha ainda grande quantidade de cereja. Aqui, a opinião pessimista para a colheita deste ano está na linha do que já havíamos ouvido. “Se vier muito calor vai arrematar tudo”, o que, em linguagem de agricultor, é como quem diz que a cereja que ainda resta não vai sobreviver.

“É um ano muito mau. Mais de 50% [da produção] está rachada.”, afirma Abel Paulo enquanto que logo ao lado, outra produtora, Adília Truta sussurra: “precisamos de uma indeminização do Estado”. Apesar do pessimismo, ainda reside alguma esperança nestes produtores. “Se vier sol, se não vier assim um calor muito apertado, ainda vamos ter boa cereja. Agora depende é do tempo”, assinala Abel Paulo.

Deixamos Caldas de Aregos, bem junto ao rio Douro, e subimos em direção à vila de Resende. Pelo caminho, nos cerca de 5 quilómetros, não encontramos mais nenhuma venda de cereja. Percebemos que, muito provavelmente, a cereja que havia já tinha sido vendida àquela hora.

Na vila, encontramos bastante movimento, entre as pessoas que estavam num leilão que acontecia bem próximo dos Paços de Concelho e as pessoas das excursões de autocarros que nesta altura passam por Resende à procura de cereja. Nas traseiras do edifício da Câmara Municipal estavam junto à estrada três ‘barraquinhas’ montadas. Em duas delas, a cereja tinha esgotado.

“O negócio vai bem, não tenho mais nada, já foi tudo. Já telefonei para vir mais”, começa por dizer Maria Alberta Pereira. A felicidade desta produtora fica esbatida logo de seguida quando se pergunta pela colheita deste ano. “O ano não está a correr muito bem por causa da chuva. Vão ficar muitas [cerejas] em cima [das árvores]”, prevê Maria Alberta Pereira.

Maria Alberta, que também esteve a vender no Festival da Cereja, conta que este ano vendeu melhor junto à estrada. “[No Festival da Cereja] vendi muito mal. Vendi pior na festa porque calhou-me ter uma [cereja] mais miúda e havia mais graúdas. Toda a gente comprava as graúdas e as minhas ficavam para trás”, relata Maria Alberta.

Por causa disso, surge a explicação desta vendedora, para quem as maiores cerejas não são as melhores: “É ao contrário… [as cerejas mais pequenas] não têm droga!”, afirma.

Ali ao lado, está com outra banca Paulo Rodrigues, que àquela hora (cinco da tarde) já tinha vendido tudo. “Vem mais um bocadinho [de cereja], pouco. Hoje apanhamos muito pouco por causa da chuva. Quase nada. Choveu e os homens não apareceram”, queixa-se Paula Rodrigues.

Entre a conversa, aparecem mais clientes à procura da cereja. “Vem já mais”, alertam as produtoras. Tratam-se de três madeirenses, duas delas a viver no continente, uma em Espinho e outra em Aveiro. Visitam Resende de propósito para comprar cereja. “Decidimos vir até Resende para conhecer as cerejas, mas aqui no centro não se vê muito”, diz uma das visitantes.

Na verdade, as cerejeiras estão espalhadas por todo o concelho, essencialmente nas freguesias mais ribeirinhas junto ao rio Douro onde o microclima especial em que a cereja se desenvolve fá-la amadurecer cerca de duas a três semanas antes de toda a Europa.

Estas duas produtoras olham também com otimismo para os próximos dias e semanas, na esperança de que a colheita deste ano ainda possa melhorar. “Se vier um solzinho e que se o tempo se compuser, ainda se aproveitam muitas”, espera Maria Alberta Pereira. Paula Rodrigues vai mais longe no otimismo: “vamos ter cereja este mês todo e até ao fim de julho”, anseia.

Nos dias 2 e 3 deste mês decorreu, pela décima sétima vez, o Festival da Cereja em Resende. Na altura, o presidente da Câmara Municipal considerou a produção de cereja muito importante para o concelho. “A atividade agrícola da cereja é aquela que contribui mais para a sustentabilidade económica do nosso concelho”, declarou Garcez Trindade.

O edil resendense deu ainda conta de algumas medidas que o município tem tomado para fazer crescer o setor. “Nós em tempo ressuscitamos a nossa Associação de Produtores de Cereja que estava praticamente muribunda. Temos um Gabinete de Desenvolvimento Rural no nosso município, precisamente para tratar de assuntos ligados à cereja e temos ao longo do ano feito diversos colóquios, com a ajuda da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte que nos tem dado o apoio necessário, para formarmos e para avisarmos todos os nossos produtores das especificidades que tem este cultivo”, elucidou Garcez Trindade.

Entidades da região querem fazer o setor crescer

Recentemente, por altura do Festival da Cereja, um Serão de Aldeia organizado pela Associação Dolmen no âmbito projeto Economia Ativa no Douro Verde, apoiado pelo Norte 2020, com o objetivo de olhar os produtos endógenos da região colocou em discussão a produção de cereja de Resende nas suas várias vertentes.

Sob o tema “Tradição e Inovação: Resiliência em Meio Rural: Produção de Cereja”, o debate gerou-se em torno da necessidade de aumentar a competitividade do setor com medidas como a certificação da cereja, o apoio técnico ao fruticultor, o desenvolvimento de novos produtos e a aposta no marketing territorial.

Este foi o terceiro de treze serões que estão programados para os próximos meses, como explica Jorge Caetano: “No âmbito desta candidatura do Economia Ativa, nós estamos a correr o território, a correr os municípios onde a Dolmen está implementada e a tocar naquilo que são as nossas marcas, as marcas do Douro Verde”.

Para o presidente da Associação Dolmen, a atividade deixa a conclusão de que há margem para a região crescer, mas que para isso “é preciso acrescentar as técnicas certas e, no fundo, o enquadramento daquilo que são os parceiros para conseguirmos atingir um objetivo comum que é: melhor a quantidade, melhorar a qualidade e chegar aos mercados que podem valorizar os produtos”, vincou Jorge Caetano.

Neste encontro, ficou ainda a ideia de que a Dolmen está preparada para assumir a liderança da criação de parcerias entre as várias entidades da região Douro Verde.

Em Resende, coube a Garcez Trindade as honras da casa. O anfitrião do serão, referiu a importância da atividade para os produtores de cereja: “Eu penso que o objetivo principal é sensibilizar os produtores de que existe uma outra maneira de trabalhar a cereja, na sua produção e na sua comercialização”.

O presidente da Câmara de Resende não tem dúvidas de que a produção de cereja é a atividade mais importante do concelho, mas admite que o município está ainda longe da organização que apresenta o Fundão.

“A produção de cereja é a atividade agrícola que mais contribui para a sustentabilidade económica do concelho de Resende”, afirmou Garcez Trindade.

Da Fundão viajou Paulo Águas, vereador da Câmara Municipal e, em tempos produtor de cereja, que trouxe a experiência de um concelho que se dedica a esta produção desde a década de 90.

“Se nós não nos organizarmos, não temos qualquer hipótese, pulverizados, de ter poder de negociação com a procura organizada. A oferta, que somos nós produtores, tem que ser também organizada”, salientou Paulo Águas, que concordou com a necessidade de organização entre os produtores e profissionalização do setor para projetar a marca da cereja de Resende.

As atividades do Plano de Ação do projeto Economia Ativa no Douro verde da Dolmen, onde se inserem os Serões de Aldeia, têm como objetivo promover o empreendedorismo, capacitar a organização e reforçar as competências dos atores que estimulam o espírito empresarial, promover a criação de novas empresas, valorizar as atividades agropecuárias e os produtos locais.

 

Texto e imagens: João Pereira

 

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