Rádios comunitárias em Portugal? Mesmo que a lei não o permita, estudo vem mostrar que é possível

Está concluído o primeiro mapeamento das rádios comunitárias em Portugal. O estudo foi apresentado, esta quinta-feira, 27 de maio, em provas públicas de defesa de doutoramento, na Universidade de Coimbra, tendo sido desenvolvido por Miguel Midões, docente da Escola Superior de Educação, do Politécnico de Viseu, jornalista, repórter da rádio TSF. A investigação decorreu entre 2015 e 2020, com a orientação do professor Sílvio Correia Santos. 

Apesar da inexistência de enquadramento legal para as rádios comunitárias em Portugal (apenas são admitidas rádios públicas ou privadas, de acordo com a lei da rádio), esta investigação identifica e caracteriza 21 rádios que são emissoras de cariz comunitário.  

Funcionam exclusivamente online, uma vez que não lhes pode ser atribuída uma frequência em FM e à semelhança da Europa Ocidental são maioritariamente urbanas, localizando-se, sobretudo, no litoral e nas duas principais áreas metropolitanas do país: Lisboa e Porto. Contudo, há exemplos de emissoras comunitárias também em Coimbra, como é o caso da Rádio Baixa, ou das emissões de rádio que, ao abrigo do projeto Trampolim e do RadioActive101 se realizam com e pelas comunidades dos bairros da Rosa e do Ingote, na periferia da cidade. 

Este estudo, que é o núcleo da tese de doutoramento “O terceiro setor de radiodifusão em Portugal: mapeamento e caracterização das rádios comunitárias”, apresenta estas emissoras portuguesas como sendo media sem fins lucrativos, criadas por grupos de cidadãos comuns, vocacionadas para a intervenção social e cultural, dando voz àqueles que não encontram espaço para o efeito nos meios de comunicação social tradicionais e de cariz comercial. A gestão da rádio é partilhada pela comunidade, bem como a criação da grelha de programas, havendo pluralidade de vozes nas suas emissões. 

Analisando 367 programas, que compõem as emissões destas 21 rádios, o estudo mostra que existe uma tendência para programas de caráter musical de autor e de entretenimento e talk show, havendo ainda expressividade de programas de entrevista, notícias e informação, e desportivos. “Esta realidade reflete que ainda não está a ser aproveitado o potencial democrático destas rádios, com vista à capacitação das comunidades”, muito embora haja exceções, como são os casos das emissoras que funcionam debaixo do projeto-chapéu RadioActive, o projeto Rádio Aurora – a outra voz; ou a efémera Rádio Escuta. 

Esta investigação vem sublinhar a necessidade de rever a lei da rádio nacionalpois o atual contexto não serve a realidade da radiodifusão nacional. “Há uma necessidade de repensar o setor para que venha a incluir os media comunitários”, afirma o investigador. Outro aspeto que é preciso implementar é uma análise profunda às rádios locais, que têm, em Portugal, o papel de proximidade com a audiência. É preciso perceber se, entre as centenas de rádios locais nacionais, quais terão já sido assimiladas por cadeias de rádios nacionais e quais as que se mantêm fiéis à proximidade com as comunidades e sendo, por isso, potencialmente rádios comunitárias, ainda que legalmente não assumam este nome.  

Depois desta investigação, o investigador está convicto de que “existirá ainda um número significativo de rádios locais, sobretudo no interior, que se mantêm como emissoras sem fins lucrativos, com estatuto de cooperativas, muito dinamizadas pelas comunidades locais, que participam na sua gestão e na sua grelha de programas”.  

À semelhança da realidade internacional, as rádios comunitárias portuguesas são dinamizadas por voluntários, não existindo, para já, assalariados neste terceiro setor de radiodifusão. O que difere do que se faz lá fora é o acesso das comunidades às rádios que, neste tipo de emissora, deve ser livre e total. Por cá, o acesso é permitido, mas em vários casos são apresentados condicionalismos técnicos, seja por questões de voz, domínio de software ou aprovação prévia de guião de programa.  

Imagem de Pexels por Pixabay

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