Chainho, a história de um pentacampeão

Carlos Chainho, antigo jogador profissional de futebol e atual comentador desportivo na SportTv, nasceu em Angola, mas veio ainda criança para Portugal. Desde muito novo desenvolveu o gosto pelo mundo do futebol sentindo-se diferente dos outros meninos. Passou por clubes como Estrela da Amadora, FC Porto, Zaragoza, Marítimo, Nacional, etc, e irá ser sempre lembrado por ter conquistado o famoso Pentacampeonato.

Por João Pinto

Carlos Chainho
(imagem Zero Zero)

O Chainho é da geração que passava grande parte da infância na rua, o que é que ganhou com isso?

Este facto de passar muito tempo na rua fez parte da minha juventude, as coisas não são como hoje, a nossa fuga era brincar com os amigos ou jogar futebol. Essa fase da minha vida foi importante para o resto da minha carreira, também pelas amizades que criei. Eu acho que se ganha muito quando os jovens têm essa possibilidade de estarem com os amigos na rua e usufruir daquilo que nos dá a natureza.

O sonho pelo futebol já estava presente na sua infância?

Sim, eu quando comecei a jogar sentia-me diferente dos outros, no bairro destacava-me sempre, era mais robusto que os outros e acima de tudo tinha técnica. Quando fazíamos equipas era sempre o primeiro a ser escolhido. Obviamente sabia que havia ali um potencial, mas nunca pensei em chegar onde cheguei.

Foi nessa altura que surgiu a alcunha Pelé?

Sim, já tenho essa alcunha desde os 6 anos e tem vivido sempre comigo, a minha mulher chama-me “Pelé”, assim como as pessoas mais próximas. Não era tão bom como ele, mas alguém pensava que tinha jeito ou parecenças com ele, e essa alcunha dura até hoje.

Como é que começou o processo da formação no futebol?

Eu na altura jogava futsal e um amigo meu um dia convidou-me para ir treinar ao Carcavelos, fiz um teste nos iniciados e acabei por ficar. Na altura quem estava lá era o falecido Vítor Damas, que é uma grande referência do futebol mundial e foi ele o meu primeiro treinador. Foi um processo natural, normalmente quando nós temos equipas no nosso concelho é o caminho mais fácil, e o Carcavelos era o caminho mais fácil.

Qual foi a importância do Vítor Damas na sua carreira?

Eu ainda apanho o Vítor Damas como jogador do Sporting e nós, miúdos, sabíamos perfeitamente quem era o Vítor Damas, era uma figura e uma estrela. Marcou-me desde o início por ser uma pessoa muito acessível e muito humilde. Ele no fundo era quem patrocinava aquela equipa, as minhas primeiras botas foram oferecidas por ele. Olhávamos para ele como um pai, foi uma pessoa que adaptou as minhas características como jogador, foi ele que me mudou de extremo para defesa central e mais tarde para o meio-campo, onde joguei toda a minha carreira enquanto profissional.

Como é que correu a adaptação ao Carcavelos? O sucesso foi imediato?

A adaptação foi normal, só com um pequeno percalço porque o campo era maior. É difícil para miúdos de 10/11 anos jogar em campos com as medidas máximas. Claro que tive dificuldades, mas à medida que o tempo vai passando vais adquirindo pratica e os obstáculos vão encurtando, até nos seniores é assim.

Como é que aconteceu a passagem para o Casa Pia?

Eu já estava no Carcavelos há alguns anos, mas sentia que podia dar mais. Quando fazíamos torneios apanhávamos muitas equipas aqui de Lisboa e o Casa Pia era uma delas, e sentia a diferença de andamento. Um dia compro o jornal e vejo que estavam a fazer captações no Casa Pia, pedi dinheiro à minha mãe e fui até ao Casa Pia e pedi para treinar, o que é certo é que acabei por ficar.

Até que surge o Estrela da Amadora. Como é que tudo aconteceu?

Na altura com o Casa Pia fomos campeões e eu sabia que havia clubes interessados em mim. Até que um dia temos um jogo de treino contra o Estrela da Amador, joguei e nesse mesmo dia assinei contrato com o Estrela por vontade do mister João Alves.

O Estrela da Amadora já era uma equipa com outros os objetivos, como é que foi a sua chegada?

Era um clube já consagrado e com jogadores de alta qualidade. O mister falou comigo e disse que havia a possibilidade de eu ser emprestado a um clube de uma divisão inferior, mas eu sempre disse para me verem a treinar. O que é certo é que me acabo por impor e comecei a ser titular. Foi muito difícil no início porque era um ritmo muito elevado, era como se eu estivesse num Fiat e eles num Porsche, nas primeiras semanas era só ver as matrículas deles.

Quando Fernando Santos, atual selecionador nacional, chega ao Estrela você sentiu que estava ali um treinador diferenciado?

Era muito rígido, os treinos dele era até vomitar como se diz. Eram treinos muito agressivos virados para o lado mais físico. O Fernando Santos era uma pessoa incrível em todos os setores, concentrado muito no trabalho, mas notava-se que era um líder.

Porque é que encheram o seu cacifo com flores na altura do Estrela?

Eu sempre gostei de dar a minha opinião de uma forma construtiva e soft. Nesse dia o mister perguntou-nos o porquê de não estarmos a conseguir obter bons resultados e quando chegou a minha vez eu disse que estava a correr mal porque a flor está morta, a flor não tem sido regada, porque acabaram os almoços e os jantares. No dia seguinte tinha o cacifo cheio de flores e começaram-me a chamar de flor.

Nas épocas como jogador do Estrela sempre se destacou por marcar aos grandes. Considerava-se um jogador dos grandes jogos?

Sim, tinha a sorte de aparecer e fazer sempre golos, não tinha problemas nenhuns em assumir o jogo e fazia alguns golos. A maioria dos meus golos são contra as equipas grandes.

Faz 112 jogos no Estrela até que surge o Futebol Clube do Porto. Foi uma escolha difícil?

Eu tive várias propostas nos quatro anos que estive no Estrela, tanto do Sporting como do Benfica, mas nunca se chegaram à frente. Até que em 97/98 faço uma época fantástica e o Porto antecipou-se e logo em janeiro contrataram-me.

Na mesma época em que vai para o Porto tem a companhia de Fernando Santos, isso facilitou a sua adaptação?

Não vou dizer que não, mas no princípio não foi fácil. O mister conhecia-me e puxava muito mais por mim do que pelos meus companheiros.

O que é que diferenciava o balneário do Porto?

O Porto era uma equipa que estava habituada a ganhar e tinha uma mística enorme. Era uma equipa com jogadores internacionais e grandes estrelas, sabiam que para ter aquelas vitórias e conquista era preciso trabalhar e não facilitavam. As minhas características facilitaram a adaptação, mas não era fácil, havia muita pressão, e isso veio-me ajudar a crescer como jogador e como pessoa.

O Chainho conquista o seu primeiro campeonato e contribui para o famoso penta. Sentiu, naquele momento, que estava a fazer história?

Estava e ainda continuo a fazer história. 21 anos passaram e só mostra o quão difícil é igualar esse record. Vencer um campeonato já é difícil, ainda para mais ganhar 5 seguidos era impensável.

Como é que surgiu a oportunidade de ir para o estrangeiro? Era um desejo antigo?

Nessa altura o mister Octávio disse-me que queria que eu ficasse no plantel, só que ia ter que batalhar muito, porque ele tinha comprado um jogador em quem ia apostar. Depois acabou por ser um processo natural, tive convites de vários países, tanto de Espanha, como Inglaterra, Grécia, México. Depois surgiu o Zaragoza, que em termos financeiros foi positivo e também foi bom para mudar de cenário, sempre gostei muito da cultura espanhola e acabo por ir para lá, apesar de ter podido ficar no Porto.

Depois de passagens por Espanha e Grécia volta a Portugal para jogar no Marítimo, como é jogar num clube de uma ilha?

É um espetáculo, foram 4 anos maravilhosos. Eu estava na Grécia e estava tudo a correr-me bem, depois tive a infelicidade da minha mãe ter falecido um mês antes de acabar o campeonato, e parece que me caiu o mundo em cima. No último dia de inscrições eu estava em Portugal e aparece-me o Marítimo que faz uma boa proposta e eu fui. O Marítimo tinha uma equipa muito boa, com jovens de qualidade como era o caso do Alan e o Pepe, e acabo passado 2 anos por ir para o Nacional. Foi fundamental para a minha vida e para a minha estrutura emocional ter tido a oportunidade de ir para a ilha.

Volta a sair de Portugal para ir para o Chipre e Irão, o que é que aprendeu com essas mudanças?

Foi muito em termos culturais. Em Portugal já tinha feito os jogos que tinha feito, já era conhecido e quando apareceu o Chipre foi mais pela cultura e pela língua que já conhecia por ter estado na Grécia. Fui atrás de fazer e aprender mais e deu-me uma grande bagagem.

Como é que aconteceu o processo de fim de carreira?

Eu sabia que o meu tempo estava a acabar, os meus joelhos já estavam a ceder, ainda tive convites para ir jogar para a Segunda Liga, mas comecei a ver que tinha que estudar e preparar o meu futuro pós futebol, porque há vida depois do futebol.

Existe o mito que muitos jogadores de futebol sentem dificuldades em mudar o chip depois de acabar a carreira futebolística, você sentiu o mesmo?

Temos muitos exemplos de jogadores que quando acabam de jogar perdem o seu dinheiro porque vão por atalhos difíceis ou não estão preparados. Eu quando deixei de jogar fiz tudo, tive na formação Dragon Force, estive a vender material desportivo da Nike e sou eu que começo o processo de patrocínio da marca com o Marítimo por exemplo. Há falta de acompanhamento aos antigos jogadores, alguns conseguem aguentar três ou quatro anos, mas o dinheiro desaparece logo.

Que conselho deixa aos jovens que pretendem ter uma carreira no mundo do futebol?

Ter muita humildade, treinar, saber ouvir, procurar sempre ser melhor, descansar e terem calma, e estudarem, é muito importante terem bases, estruturas e formações.

Atualmente o Chainho faz comentários com antigos rivais. Qual é a sensação de falar com eles sobre o futebol atual?

Já estamos no quarto ano, e são grandes amigos. Aquilo para mim é um orgulho porque eles sabem muito de futebol, nós dentro do estúdio falamos aquilo que nós pensamos, não ofendemos ninguém e depois quando falas com pessoas que percebem tanto como tu ou ainda mais é muito mais fácil.

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