Imigrantes venezuelanos: o regresso a Portugal

Olívia, Manuel, Yaneth, Josué, Margarita, Luteiro e Jonathan têm em comum o amor à República Bolivariana da Venezuela, mas nem esse carinho os demoveu na hora de abandonar o território venezuelano em busca de uma vida melhor. São histórias que conhecemos na reportagem áudio e que fazem parte dos milhões que abandonaram o país devido à crise que se faz sentir na Venezuela e que tem a sua maior visibilidade com problemas como escassez de alimentos e de medicamentos, hiperinflação e violência. De acordo com a Agência Lusa, a 7 de Fevereiro de 2019, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas dava conta de que “cerca de 10 mil regressaram a Portugal”. Nas regiões Centro e Norte de Portugal regista-se maior incidência no regresso de cidadãos com origem venezuelana.

Reportagem de Ana Isabel Costa, Carla Almeida, Fábio Gomes, João Costa, Mara Coimbra e Simão Almeida

Quarenta e três anos depois de terem rumado à Venezuela em busca de um futuro mais risonho, Olívia Soares Silva, de 67 anos e Manuel Vilar da Silva, de 68, decidiram voltar à terra que os viu nascer, em Lourosa, Santa Maria da Feira. A 1 de Novembro de 2018, voltaram a pisar terras lusitanas e desta vez voaram para ficar. Com eles veio um dos frutos do seu amor, a filha Yaneth, que embora tenha passado a vida quase toda no continente americano, já tinha vindo a Portugal três vezes.

Olívia Soares Silva e Manuel Vila da Silva

A precariedade e a insegurança em muito pesaram na decisão de voltar a Portugal, mas sobretudo o estado de saúde do casal. A mobilidade de Olívia está limitada por problemas na coluna, que já lhe valeram uma operação. Manuel é diabético há 25 anos e conforme explica, “tinha que trabalhar um ano e guardar todo esse dinheiro para comprar insulina para um mês”. A fome está a assolar o país e Olívia garante que há mais de vinte anos que via pessoas a comerem do lixo à porta da casa onde vivia. Apesar da desgraça que a rodeava, gostava muito de voltar ao país onde passou a maior parte da vida, mas a esperança já é pouca devido à fragilidade da coluna.

Yaneth Soares, de 31 anos, nasceu em Caracas e é formada em Assistência Social e em Educação de Infância.

Yaneth Soares

Josué Paúl, de 40 anos, trabalhou na Aula Magna da Universidade Central da Venezuela, em Caracas, durante três anos, embora também tenha sido bancário. Licenciado em Administração de Empresas, Josué não vinha a Portugal há 23 anos. Desempregado, a ganhar a vida a fazer “biscates” e iludido pela esperança de uma vida melhor no outro lado do mundo, partiu com um amigo para Candelária, uma zona de Caracas lotada por portugueses.

Margarita dos Santos não tem a sorte de Yaneth de ter os pais ao seu lado. Aliás, já não os vê há três anos. Filha de mãe colombiana e pai português, a jovem de 25 anos tem descendência luso-venezuelana. Nascida na Venezuela, Margarita viveu até aos 22 anos na Ilha que lhe deu o nome – Margarita. A 14 de Maio de 2019, viu Portugal pela primeira vez. Veio para cuidar da avó paterna, que acabou por falecer, e é na casa que herdou, em Argoncilhe, Santa Maria da Feira, que a jovem se mantém até agora. Gostava de voltar para a Venezuela, mas enquanto cá estiver quer “aprender português e estudar, fazendo uma especialização em alguma coisa” para que, quer seja em Portugal ou na Venezuela, possa “ser a sua própria chefe”.

Margarita dos Santos

Luteiro Fernandes dos Reis é filho de madeirenses. A família deu amparo a Luteiro quando ele mais precisava. Quando veio já estava empregado numa frutaria, graças ao cunhado, precisamente a fazer o mesmo que fazia em Caracas. O luso-venezuelano ficou durante um mês para perceber se teria condições para assegurar o bem-estar da família. Percebeu que sim e menos de um ano depois dessa viagem já estava estabelecido em Perosinho, uma freguesia de Vila Nova de Gaia, com a sua mulher e as filhas.

Jonathan Raga e Luteiro Fernandes

Jonathan Raga tem 21 anos, mas muitas histórias para contar. Na Venezuela fez uma carreira em Direito, ainda que tenha que lá voltar para conseguir o título.

Imerso na insegurança e na falta de bens de primeira necessidade, o povo luso-venezuelano vê-se obrigado a sair do país que outrora tantos emigrantes acolheu. Os territórios com os quais faz fronteira, como Brasil, Equador, Colômbia e Peru, são os destinos mais requisitados, mas Portugal é, para alguns, uma escolha evidente. No século XX foram muitos os portugueses a construir vida na Venezuela. Os que não retornaram a terras lusas antes da crise atingir o país veem agora em Portugal a possibilidade de escapar.

De acordo com um relatório sobre a crise dos migrantes e refugiados venezuelanos, que data de março de 2019 e é da autoria da Organização dos Estados Americanos (OEA), no ano de 2018 pelo menos 3,4 milhões de venezuelanos tinham emigrado, o que corresponde a mais de 10% da população da Venezuela.

(Reportagem realizada em Dezembro de 2019)

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