Tricanas de Vildemoinhos, uma partilha de tradições

O folclore é visto como algo antigo e sem interesse, sobretudo pelas gerações mais novos. Para os mais velhos é muitas vezes uma forma de ocupação e partilha de tradições. Em Vildemoinhos, Viseu, as antigas tradições de folclore unem várias gerações.

Por Inês Catão

Após 84 anos do desaparecimento das Tricanas de Vildemoinhos, Carla Abibe e Anabela Abreu apostam na recuperação do velho grupo de rancho folclórico. Com o apoio da Associação das Cavalhadas de Vildemoinhos, tentam manter as histórias e as tradições que a aldeia carrega.

As tricanas eram mulheres dançarinas que ao domingo atuavam nas igrejas para serem vistas pelo sexo oposto. Em Vildemoinhos recordam-se os seus trajes e os seus rostos bonitos.

Raízes do grupo etnográfico

As Tricanas de Vildemoinhos surgiram em 1936. Um grupo que tinha como principal objetivo  representar todas as profissões englobadas na aldeia de Vildemoinhos. Juntavam-se todos os domingos na igreja para alegrar o povo, até à década de 40, quando a atividade do grupo se extinguiu.

As Tricanas de Vildemoinhos em 1936

É então que, em 2019, Carla Abibe e Anabela Abreu decidem reavivar o projeto das Tricanas de Vildemoinhos. Carla Abibe tem 50 anos e é professora do ensino primário, explica que desde sempre cresceu na aldeia de Vildemoinhos e ouvia falar das Tricanas. Anabela Abreu, com 37 anos é delegada de informação médica. Conheceram-se na Associação das Cavalhadas de Vildemoinhos, onde ambas trabalham na parte administrativa.

Anabela Abreu e Carla Abibe

A ideia surgiu no evento EUROPEADE 2018, em Viseu. Um programa que valoriza o folclore europeu.

“Nesse ano, as cavalhadas de Vildemoinhos organizaram todo o seu cortejo em relação à tradição. Veio então a oportunidade de apresentarmos no cortejo um carro artístico com umas memórias vivas das tricanas. Sendo assim investigamos o traje, as músicas e algumas peças originais que ainda existiam”.

Anabela Abreu

Depois do festival continuaram com a ideia “uma vez que o trabalho de investigação estava feito e que Vildemoinhos também é tem uma tradição de folclore. Nós decidimos, porque não voltar a revitalizar o grupo? E então nasceu no início de 2019, o que é hoje o grupo etnográfico, mas cujo o nome só poderia ser As Tricanas de Vildemoinhos”.

Manter as tradições

Um dos principais objetivos na revitalização do grupo folclórico foi a continuação das tradições como forma de glorificar os feitos do antigo grupo. “No nosso grupo representa-se não só as Tricanas de Vildemoinhos, mas também todas as tradições da aldeia. Não representamos apenas as tricanas, mas também os moleiros, os padeiros, os cavaleiros, os agricultores, os trajes de Romaria e todas essas diversidades está representada neste grupo etnográfico”, lembra Anabela Abreu.

As Tricanas de Vildemoinhos em 2019

Confronto de gerações

Atualmente o grupo é composto por 45 elementos, mais 50 dançarinos. As idades variam dos 18 anos aos 80 anos.

Marta Toipa é o membro mais novo das Tricanas de Vildemoinhos e trata o grupo como família. ”Para mim ser membro do grupo é muito bom. A minha avó também foi tricana e eu tenho muito amor pela minha avó. Tendo ela um papel muito importante na minha vida e ela sempre quis muito que os netos participassem nestas atividades, é bom estar aqui”, recorda a estudante.

Marta Toipa, 18 anos, estudante

Para a estudante, o rancho é uma distração. Os familiares de Marta Toipa são o seu maior apoio, mas os amigos consideram estranho o facto de ela andar no rancho.

“Os meus familiares apoiam, até sabem as músicas,  quando estamos reunidos falamos à cerca do grupo e estão quase sempre presentes nas atuações. No que toca aos amigos eles acham isto muito estranho porque isto é uma coisa para velhos, mas eu não ligo porque isto é uma coisa que me faz feliz”.

Marta Toipa

Marta sente que o rancho importante para a cultura viseense. “Quanto mais nós estivermos a fazer coisas para uma maior aposta cultural, melhor. É claro que eu não me imaginava num rancho, mas é diferente. As pessoas às vezes podem achar que é estranho ou antiquado, mas depois de estares aqui é bom”, analisa.

Maria Peres, reconhecida como D. Isabel, é o membro mais velho das Tricanas de Vildemoinhos. Está reformada e sua grande paixão é cantar. “Sempre gostei de cantar, sou cantadeira. Canto no coro das igrejas e nas tricanas a dançar”, conta a reformada.

Maria Peres, 80 anos, reformada

O papel de D. Isabel no grupo folclórico é cantar e dançar. Orgulha-se de fazer parte das Tricanas de Vildemoinhos e recorda o grupo antigo: “Já estamos a ser conhecidas por muito lado. Embora haja muitos ranchos, mas o de Vildemoinhos é muito antigo. Eu já existia na altura do grupo original, as minhas tias que participavam já morreram quase todas”.

A reformada mostra um enorme gosto no papel das Tricanas no município de Viseu. “O rancho é uma forma de manter a tradição antiga. O S. João é muito bonito.”, relata emocionada.

Carla Abibe, uma das fundadoras das Tricanas de Vildemoinhos, considera que coordenar as várias faixas etárias é o trabalho mais difícil no grupo de rancho folclórico.

“É das coisas mais difíceis. Porém, aqui nós estamos com pessoas com quem nós lidamos na nossa aldeia desde pequeninas. A D. Isabel é minha vizinha desde que eu me entendo por gente e ter de a mandar calar porque tem que nos ouvir é complicado. Lidar com as 45 pessoas que estão no grupo, sendo que cada uma delas tem a sua personalidade e com um entendimento de grupo diferente é muito difícil”.

Carla Abibe

Laços de Sangue

Os dois filhos de Carla Abibe são membros das Tricanas de Vildemoinhos. João Pipo é um estudante de 22 anos e explica “eu entrei para este grupo por causa da minha mãe e quando soube que ia entrar era só mesmo para fazer uma simples atuação no dia de S. João para apresentar na aldeia. Eu não sabia que ia ficar no grupo, mas comecei a ganhar gosto, as pessoas começaram a dizer que também tinha jeito para isto, por isso juntei o útil ao agradável e ajudo a minha mãe”.

João Pipo, 22 anos, estudante

A fundadora do grupo confessa que foi difícil a mudança da mentalidade para os dois rapazes. “Não foi fácil porque também eles tinham a ideia que eu tinha  à um bom par de anos que era “Folclore? Isso é coisa para velhos”. Mas graças a deus eu modifiquei-me e consegui modificar os meus filhos. Acredito que as certas alturas fossem  desmotivados pelos colegas mas à medida que chegaram ao ensaios foram vendo que isto era divertido. E é divertido estar no mesmo lugar a dançar com a avó, com a mãe, com a tia e acho que foram mesmo os laços de sangue”, confessa Carla Abibe.

Para o estudante é um orgulho ver a dedicação que a mãe põe no grupo. “É engraçado. Gosto que a minha mãe tenha gosto por isto porque a cultura em Portugal está a ficar cada vez mais apagada. O rancho já não é tão importante como era antigamente. Por isso acho bem, acho que a minha mãe está a fazer um papel importante em manter viva esta memória que faz parte da nossa cultura”, realça.

Carla foi notando as diferenças nos filhos e considera que ambos se sentem bem e orgulhosos por manter a atividade que já está há muito tempo viva na arvore genológica. “Eles sentiram-se importantes. Sentiram-se a parte integrante da família que está a dar continuidade aquilo que a mãe gosta, que a avó gosta, que a bisavó gosta e foi o sangue que falou mais alto”, anota.

Viseu apoia o folclore?

A Câmara Municipal de Viseu é um dos grandes apoios para manter as atividades culturais “vivas”.

Anabela Abreu conta que sente um enorme apoio da Câmara Municipal para com o grupo. “Nós somos a prova que a câmara dá apoio a estas atividades culturais. As Tricanas sentem que podem contar com o apoio da câmara, mas temos de fazer o nosso próprio caminho”, conta agradecida.

A fundadora relembra  mais recentes apostas que a câmara fez em relação ao folclore. “A Câmara Municipal de Viseu investiu no folclore no EUROPEADE, que fez com que o folclore voltasse à moda. Construiu um programa da qual  nós também fomos agraciados por 2 anos, que é o Programa Revitalizar e é importante porque todas as instituições se podem candidatar. Apresentam o projeto e caso este seja interessante e cumprido há uma comparticipação financeira”, revela Anabela Abreu.

Objetivos e futuro

O futuro promete muitas novidades para as Tricanas de Vildemoinhos.

Carla Abibe confessa que o foco passa pela evolução entre o grupo. “As Tricanas têm um ano de existência, Têm um reportório de 10 músicas no total e o futuro vai ser a evolução. Reconhecemos que podemos fazer melhor a representação a Vildemoinhos”, afirma.

A próxima aposta será num festival dedicado ao grupo folclórico. “Num futuro próximo, está no nosso horizonte fazer um primeiro festival das Tricanas de Vildemoinhos”, revela Anabela com orgulho.

Na agenda a data está marcada para dia 20 de junho de 2020, apenas nos resta esperar para as surpresas que este grupo nos vai preparar.

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