Inpeachment de Trump. Um encontro com a história

Estava na cara de tudo e de todos que passado três anos de ter sido eleito, Donald Trump ia ser alvo de uma tentativa de Impeachment(destituição) por parte do Partido Democrata. Sinceramente até vou mais longe, era óbvio e nem foi preciso esperar pois no dia a seguir a 8 de novembro, numa madrugada em que todos nós nos deitámos convencidos de que Hillary Clinton ia ganhar e acordámos com Donald Trump como novo inquilino da Casa Branca, vários eleitores democratas já falavam em tentativa de destituição e ainda Trump não tinha cheirado o ar da Sala Oval.

Por Jorge Afonso

Apesar de desconfiar profundamente do comportamento e saúde mental de Donald Trump enquanto candidato primário, nomeado republicano e depois Presidente dos Estados Unidos da América, tenho que dizer que o mesmo só chegou onde chegou devido à arrogância, ignorância e falta de estratégia por parte dos votantes, representantes, senadores e governadores do partido do burro e a própria candidata nas últimas eleições presidenciais, Hillary Clinton.

Verdade seja dita igualmente, que há provas e indícios mais que evidentes de que Donald Trump está ligado a atos ilegais, alguns deles começaram a surgir poucos meses depois de Trump já ser Presidente, o mais evidente é o da interferência da Rússia nas Presidenciais de 2016. Um processo onde os meios foram ilegais, mas os fins foram indiferentes. Digo-o porque, se é verdade que os russos interferiram informaticamente nas eleições a favor do magnata de Nova Iorque, é igualmente verdade que muitos países sobretudo ocidentais(Portugal incluído) estiveram meses a fio a apelar os norte-americanos a votarem em Hillary Clinton, ou seja, com cada lado a usar todas as suas forças, a única conclusão que se pode tirar é: Trump venceu claramente contra tudo e todos e os democratas não souberam aceitar a derrota, tal como os republicanos não souberam aceitar que perderam em 2008 e 2012, contra o único Presidente negro da história, Barack Obama. Mas aqui a questão não é saber qual dos apoios foi mais injusto, descabido ou manipulador, é que o apoio que Donald Trump usufruiu por parte da Rússia ao contrário do apoio que Hillary teve por parte do resto do mundo ocidental e latino-americano, é ilegal.

Mais tarde, foi divulgada uma queixa de que Trump terá pedido a investigadores ucranianos com ligações à própria presidência do país para investigarem o seu mais provável adversário daqui a um ano, Joe Biden e sobretudo o seu filho por ter estado à frente de uma empresa de gás pública da Ucrânia. Já para não falar de muitos momentos em que Trump demonstrou ter muito pouca educação e maneiras, foram estes dois motivos que levaram a líder da bancada dos representantes democratas no congresso americano, Nancy Pelosi, depois de ter obtido uma vitória maioritária nas eleições intercalares de 2018 a avançar com um processo de Impeachment. O processo iniciou-se a 24 de setembro com uma investigação por parte da Câmara dos Representantes de factos que levassem à destituição de Trump e finalmente a 10 de dezembro, o Comité Judiciário da Câmara dos Representantes relevou os artigos de impeachment contra o Presidente norte-americano: abuso de poder e obstrução do Congresso.  Estamos a falar de algo longo e complexo, mas existe já a garantia de que este processo vai ser uma autêntica novela até as próximas eleições de novembro de 2020.

Tradicionalmente, os Impeachments sempre foram muito difíceis, porque no séc. XVIII quando os Pais Fundadores de Filadélfia fizeram a Constituição Americana e o seu sistema político, estabeleciam que só havia em geral, quatro motivos para a destituição de um cargo público: Traição à pátria, crimes, subornos e/ou falhas graves. Mas é igualmente um facto que é algo muito difícil de comprovar e de se suceder, visto que os Estados Unidos têm um sistema de forte fiscalização que não existe em outros países e existe uma forte estabilidade nos cargos políticos. No geral, tem de haver estabilidade porque é fundamental para o funcionamento de um sistema democrático, mas ao mesmo tempo não se permite que os atores da política americana, sobretudo o Presidente tenha poder absoluto, pois era o que sucedia na Europa com regimes absolutistas, colonialismos e mais tarde, os regimes ditatoriais. Tal nunca se sucedera na pátria dos livres. É com base nesta ideia, que Donald Trump está muito desconfortável com os democratas e os mesmos raivosos com ele.

Para um Presidente dos EUA ser destituído, é necessário a maioria dos membros da Câmara dos Representantes aprovar o início de uma investigação, se houver provas e indícios graves já referidos contra o Presidente, o mesmo órgão tem de aprovar por maioria as acusações para dar avale à destituição. Depois, o processo irá para o Senado onde é discutido na especialidade e o Presidente vai ser julgado pelos 100 Senadores, onde no final se faz a votação se o Presidente é ou não culpado dos factos que lhe são imputados. O Presidente só é destituído se mais de 65 Senadores estiverem contra ele.

O historial dos Impeachments demonstra que na maioria dos casos, em pouco ou nada termina, sendo a única exceção a destituição do Presidente Andrew Johnson em 1868, por ter violado a Tenure of Office Act. O mais famoso caso que ia terminar em destituição foi o de Richard Nixon, que em 1974 já muito tempo depois do caso Watergate ter rebentado (tendo sido reeleito em 1972) e estar concluído de investigação por parte do Congresso, ia ser destituído e antes que o fosse… demitiu-se. Já o caso mais recente, foi visto entre 1998 e 1999 quando Bill Clinton viu-se confrontado com o seu passado de obstrução à justiça e ilegalidades, através do seu caso extraconjugal com Mónica Lewinsky, tendo a mesma confirmado como falso um testemunho que Clinton jurara como verdadeiro. Um processo que fica marcado pela falta de integridade de Bill Clinton e da sua mulher Hillary, mas também pela falta de interpretação do povo por parte dos republicanos que tudo fizeram para o destituir, mesmo sabendo que o povo não queria a saída de Clinton(apesar de lhe terem reconhecido culpa no passado) através das sondagens e tendo-lhes dado uma derrota nas intercalares de 1998.

O caso do Impeachment de Trump mais parece de desgaste político do que de pragmatismo. Embora seja óbvio que o atinge individual e socialmente, sobretudo por ser um homem que ainda não tem muita consciência do que é a Presidência dos EUA, porque nunca se pede a alguém de fora que investigue alguém do nosso próprio país, pois isso é uma tarefa interna e só demonstra falta de confiança nos órgãos de investigação americanos. Atinge também Joe Biden, por ter sido Vice-Presidente de Barack Obama numa altura em que rebentou o escândalo relacionado com a Crimeia e de alegadamente Biden e o seu filho terem tido ações duvidosas, quando o segundo esteve à frente de uma empresa pública de gás dos ucranianos e já há indícios de que a candidatura de Biden à Casa Branca pode estar a colapsar, o que sinceramente não acredito.

Penalizando Trump pelas suas ações como Presidente, e Biden por ser do partido opositor e dar a entender que se quer tirar de lá o Presidente apenas por ser da cor oposta (ex: republicanos com Clinton em 1999), resta saber quem vai ser o mais prejudicado com o processo. Acho que a resposta vai chegar em novembro de 2020 com um duelo pela Casa Branca, entre o nomeado republicano Donald Trump e o nomeado democrata Joe Biden, com sondagens muito taco-a-taco estado a estado. O Impeachment vai demorar muito tempo e se é verdade que teve início pela maioria da Câmara dos Representantes ser democrata, é também verdade que vai chumbar no Senado pela maioria do mesmo ser republicano, a única exceção é os republicanos virem provados os indícios ilegais de Trump e também o quererem destituir para não serem cúmplices de um dos Presidentes mais sui generis que o país mais poderoso do mundo conheceu.

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