“Tu nunca estás fora de tempo se estiveres a viver o teu momento”

Fábio Vitó, 28 anos, nascido em Ovar e mais conhecido no mundo da música por NTS. Com 13 anos começou a escrever as suas primeiras rimas, mas a música não é o seu único trabalho: faz piercing, é responsável pela Idealistas, que apoia as associações de estudante, é dono de um bar em Esmoriz e tem o seu estúdio em Paços de Brandão. Apesar de ser multifacetado, a música é realmente a sua grande paixão e coloca-a acima de qualquer outro trabalho.

Por Ana Rita Silva 

Como é que foi a sua infância? 

Nasci em Ovar, mas fui logo viver para Esmoriz, onde estive durante 10/11 anos. Mais tarde, ainda jovem, fui viver para Paços de Brandão e agora vivo em Espinho.

 

Porquê o nome NTS?

Eu tinha outro nome, antes de NTS, mas houve uma altura em que eu estava a falar com o meu primo pelo MSN e ele estava a dizer-me que se eu queria levar isto a sério tinha que arranjar um nome mais sério. Então eu comecei a escrever alguns nomes, até que ele me disse que tinha que ser uma cena com significado e eu mandei-lhe NTS, mesmo para lhe dar tanga. Ele perguntou-me o que era aquilo e eu disse NÃO TEM SIGNIFICADO e ele disse que tinha gostado e era fácil, eficaz e ficou até hoje. E agora gostava de tirar o N, mas acho que não vou a tempo, porque já esta muito marcado.

 

Como é que esse gosto pela música e pela escrita começou? Foi algo que sempre esteve presente na sua família?

O gosto pela música sempre esteve presente na minha família. O meu pai teve um estabelecimento comercial ligado à música, ao rock, ou seja, eu em casa sempre ouvi muito rock. Depois o meu primo era muito ligado ao punk tinha pessoas que eram ligadas ao reggae.  Aos 13 anos, quando ouvi o CD dos Da Weasel, eu fico do tipo: este pessoal está a rimar e a dizer o que sente e eu nunca tinha ouvido nada assim. O primeiro contacto que eu tive com o hip-hop foi através dos Da Weasel, e como qualquer pessoa que descobre alguma coisa de que gosta, depois quer tentar fazer. Desde ouvir até tentar fazer foi um passo mesmo muito curto e foi algo que aconteceu. Claro que as minhas rimas eram um bocado más, muito fraquinhas, mas o gosto estava lá, a paixão estava lá. O gosto e a paixão estavam lá e foi assim que eu descobri a minha.

  

Qual foi o papel/postura da sua família quando decidiu que queria fazer da música a sua vida?

Eu não sou pai, mas acredito que todos os pais e todas as mães têm sempre a preocupação e querem o melhor para nós e então eles vão sempre tentar fazer-nos ir pelo caminho mais seguro, aquele que eles acham que resulta, mas não é esse obrigatoriamente o caminho que te vai deixar mais feliz. A minha família sempre me apoiou, mas houve uma vez em que eu saí de casa, porque me disseram que tinha que acabar a escola e tirar a carta e na minha cabeça não fazia sentido. Portanto saí de casa e fui fazer música e isto é um bocado estúpido de se dizer, mas tudo muda um bocadinho quando vem o dinheiro. A partir do momento em que consegues pagar a renda com o teu trabalho, os teus pais já vão olhar de outra forma e não é pelo dinheiro, é por conseguirem ver que já consegues comer e que se calhar não somos assim tão malucos. Eu prefiro ter 10€ no bolso e fazer aquilo que gosto, do que ter 1000€ no bolso e trabalhar numa coisa que não goste e os pais, se forem minimamente conscientes, com o tempo vão ver isso, pois eles vão preferir ver-te com um sorriso na cara do que te ver com um  BMW nas mãos, porque se o BMW não te vai trazer esse sorriso é melhor que estejas com o sorriso do que com um bom carro. Hoje, passados 16 anos de ter começado, não há qualquer tipo de julgamento ou sequer de dúvida.

 

Começou a investir mais a sério na sua carreira a partir do momento em que, em 2008, pisa um palco com o Sam The Kid…

Não, aí eu já tinha sentido que era aquilo que eu queria fazer, até porque já tinha trabalhado muitos anos para aquilo, com pequenos passos, pequenos impulsos, pequenos marcos e acredito que as energias se canalizaram para aquele momento. O Sam The Kid teve que ficar sem som naquela altura, para pedir a alguém para improvisar, eu tinha que estar lá para me voluntariar. Sem dúvida que quando esse vídeo saiu foi um momento impulsionador para a minha carreira, pois muito gente me viu, muita gente me conheceu por causa de eu fazer improviso e, claro, que não foi aí que eu descobri o que queria fazer, mas foi mais uma certeza de que estava no caminho certo.

 

É de conhecimento público que em 2012 foi alvejado por um agente da GNR. Pode-nos contar como é que aconteceu?

Nós vínhamos da passagem de ano e fomos mandados parar numa operação stop, coisa que o condutor do nosso veículo não fez. Então, quando o carro já estava parado, o GNR disparou a menos de 5/10 centímetros. Fui parar ao hospital, estive em coma, com imensas lesões. Foi um episódio e acho que é sempre preciso nós levarmos as coisas da maneira mais positiva que podemos e nos momentos maus é que tu vês quem é que está próximo. Não tens noção da quantidade de pessoas que, quando eu estava internado, perguntavam o que eu tinha e eu dizia que tinha sido operado aos intestinos. As pessoas perguntavam o porquê e quando dizia que tinha sido baleado por um polícia começavam-se a afastar, porque existe logo aquele estereótipo, que se veio de um polícia alguma coisa de mal eu tive que fazer.

 

Uma parte da sua carreira passou pelas listas em escolas. Ainda é algo que o fascina e pensa em continuar a fazê-lo?

A minha altura não passou, porque, lá está, tu nunca estás fora de tempo se estiveres a viver o teu momento e eu acredito nisso. Eu com 50 anos ainda posso ir a escolas rimar para miúdos ou não? Eu posso ir, tudo tem a ver com aquilo que tu queres para ti. Quando eu comecei a fazer listas ninguém fazia arte nas listas, muito menos da maneira que eu faço. Uma coisa é teres um cantor que vai lá e canta uma música; outra coisa é eu chegar à tua lista e dizer: nome da presidente? Rita. Ok, qual é o slogan? E agora vamos fazer uma rima na hora sobre isso. É algo que cativa e motiva os miúdos e eu fiz isso pela primeira vez quando fui finalista e este ano é o décimo segundo ano que vou fazer listas e eu estava a pensar que fosse o último, porque nós temos doze anos de escola e eu já tenho doze anos de listas, então este ano é como se acabasse o secundário das listas. O que eu mais gosto nas listas é estar em contacto direto com quem gosta de mim, com quem segue a minha cena e isso é algo completamente diferente de estares na internet.

 

Agora falando de alguns projetos que o acompanharam. O coletivo recarga foi algo que fez parte da sua carreira, o que significou para si?

Foram 7 anos da minha vida, tive alguns marcos dentro da recarga, o primeiro foi logo a “Liberdade” que foi até na altura o single mais conhecido, ou seja, não era meu, era do coletivo, mas houve imensas pessoas a conhecerem-me por causa dessa música. Depois, os outros sete anos que se seguiram foram super importantes para a minha evolução.

 

No entanto o seu último projeto foi o álbum #novostempos. Qual é para si o significado do mesmo, que maioritariamente foi produzido por Alpha, alguém que já trabalha consigo há alguns anos?

Esse álbum foi sem dúvida o que ele diz, novos tempos. Se pudesse dava o mesmo nome ao próximo álbum, porque eu acredito que também vou para novos tempos. Esse álbum tem 8 músicas e eu creio que 4/5 foram produzidas pelo Alpha. O álbum é aquele cliché que é a realização pessoal, até porque hoje em dia não se vendem álbuns, vendem-se na internet, mas não se vende a cena física, mas eu queria uma cena física.

 

Sempre se sentiu artista, ou este último projeto foi o que realmente o fez sentir assim?

Não. Eu não me sinto muito bem a dizer isto, mas eu sempre me senti artista, porque isto vem antes da música. As roupas… eu lembro-me de andar no 5.º ou no 6.º ano e as minhas roupas já me faziam confusão e eu cortava e virava ao contrário, eu nunca ando com meias iguais, e não foi o álbum que me fez sentir artista.

 

Em 2018 participou no Got Talent Portugal. Acredita que essa mesma participação lhe deu mais visibilidade?

Eu acho que tudo o que seja televisão te dá mais visibilidade, mas eu sabia e sei que o meu público alvo, as pessoas que ouvem a minha música, 90% não veem televisão. O meu objetivo em ir ao programa não era fazer coisas para nós, era ir buscar as pessoas mais velhas e um público diferente e sem dúvida foi isso que aconteceu. Eu hoje saio a rua e em vez de seres tu a pedir para tirar uma foto vai ser a tua mãe ou o teu avô e é algo que já acontece. O Got Talent trouxe-me trabalhos mais institucionais, de empresas e trouxe-me essa visibilidade para públicos mais velhos e públicos mais novos.

 

A nível musical quais são as suas maiores influências?

Eu sempre fui influenciado por vários estilos de música, ou seja, eu tenho várias influências, desde o Rock, ao transe, ao reggae, ao punk e eu vou buscando um bocadinho de cada um. As minhas maiores influências no Hip-Hop são o Eminem, a nível Internacional, e em Portugal eu tenho aquelas referências que foram com quem eu cresci: o Sam The Kid, Valete, Regula, Mundo Segundo, Espião, são muitos e em fases diferentes todos foram importantes para a minha vida.

 

Se pudesse apenas escolher uma música da sua autoria para cantar para o resto da vida qual é que escolhia?

A música que eu gosto mais é sempre a última que eu faço. Hoje a “Ela quer” é a melhor música, amanhã faço outra e a anterior já não é a melhor, mas sim a que acabei de fazer. Se eu só pudesse tocar uma eu talvez escolhesse a “Ela quer” ou a “Nova Gera”, mas acho que escolhia a “Nova Gera”, pois preferia espalhar uma mensagem positiva do que uma mensagem de um fim de uma relação que não deu certo.

 

Existem novos projetos em mente, coisas novas que estejam para vir?

O ano passado lancei três singles, o “Como todos fazem”, a “Nova Gera” e “Gota de Chuva”. Tenho várias coisas gravadas, tenho dois sons com participações, que não são só músicas minhas são músicas com outras pessoas. O ponto em que sinto que estou é de criação e de gravação sem exposição obrigatória, ou seja, eu estou mesmo concentrado em gravar, em criar, sem ter que colocar para fora. E é esse o meu projeto, estar só focado em criar. É preciso trabalhar, não é só fazer improvisos, eu faço improvisos, mas tenho que trabalhar para os fazer e eu se quiser tocar num NOS Alive eu não vou dar um concerto de improvisos, eu vou ter que fazer as músicas, é tudo um processo em que eu não acredito que haja um truque, não haja uma altura certa, há um caminho, que é o teu e tu é que sabes o que é que tu queres.

Sente que ainda lhe falta provar alguma coisa?

Sim, muito mesmo. Eu sinto que tenho muitas coisas para dizer, até porque eu sempre tive uma grande dificuldade em expressar aquilo que eu sinto numa conversa, principalmente em relação a pessoas. Eu tenho que fazer um som para a minha irmã, eu tenho que fazer um som para as minhas sobrinhas, para a minha mãe e ainda não fiz, ou seja, eu não preciso de lhes provar nada eles sabem que eu gosto deles até ao infinito, mas eu quero.

 

Qual é a diferença entre o Fábio e o NTS?

O Fábio é a pessoa que faz tudo, desde piercing, à música, a ter namorada, ter amigos, a família, viajar, seja o que for. O NTS é a parte do Fábio que faz música. Agora provavelmente vou fugir um bocado a pergunta, mas eu sei que como Fábio eu tenho um papel na minha vida e que eu posso mudar os outros que me rodeiam, a minha família e os meus, quando eu te digo mudar é para melhor, aquela coisa, de dar mais estabilidade e afins. Agora o nome NTS quanto mais forte ficar mais peso vai ter a palavra, ou seja, se eu tiver nome as pessoas vão-me ouvir? Então ok, eu vou conseguir esse nome para as pessoas me ouvirem porque eu sei que quando as pessoas me ouvirem eu vou estar sempre a tentar que seja de uma forma positiva. O Fábio vai tentar ajudar e estar sempre lá para os que o rodeiam, o NTS é uma forma mais abrangente mais para fora.

 

O que o NTS de agora diria ao NTS de há uns anos atrás?

Diria que não tem que ser agora e acho que esse foi o maior erro na minha carreira. O facto de pensar que tudo tinha de ser agora impediu-me de fazer muitas outras coisas. As coisas têm que ser feitas quando tu sentes, como sentes e cada vez mais com um propósito. Acho que é isso, fazer, mas com um propósito e cada vez tenho mais consciência de que o propósito se esta a tonar maior que eu e isso é mesmo fixe.

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