Peregrinação a Fátima – Um sacrifício com retorno

Promessas, gosto pessoal, camaradagem, solidariedade, são algumas das razões que movem milhões ao Santuário de Fátima. Nem as dores nas pernas, bolhas nos pés, cansaço, horas mal dormidas afastam aqueles que caminham centenas de quilómetros com o típico colete amarelo.

Por Alice Santos, César Silva, Marlene Moreira e Patrícia Brandão

Podia ser o filme “Fátima”, mas não é. Podia ser a atriz Rita Blanco, mas não é. É Teresa Bela, peregrina desde 2012. A primeira pergunta bastou para revelar as emoções que a viseense sente em relação à peregrinação. A voz embargada não engana. A peregrinação é mais do que uma simples caminhada com um destino comum.

Teresa Bela, peregrina desde 2012

Um grave acidente do irmão, quando Teresa tinha 22 anos, foi o motivo que a colocou na estrada. “Pensei em Nossa Senhora de Fátima, e numa ida ao santuário, mas nunca prometi fazer o caminho a pé”, revela. Apesar de nunca ter prometido, Teresa sentiu-se em falta perante aquilo que lhe tinha sucedido e, aos 55 anos, ganhou coragem de embarcar nesta jornada. O principal motivo desta espera de 33 anos foi o medo do sacrifício que iria ter de fazer: “Depois dessa altura nunca tive coragem, por causa do sacrifício das pessoas, e eu pensava que nunca conseguiria ir a pé a Fátima”. Gostou tanto da experiência que decidiu repetir.

Adepta de caminhadas, Teresa admite não ter tido grande preparação para a peregrinação e que as caminhadas que faz esporadicamente ao longo dos anos facilitaram esta jornada.

Em 2012, quando fez a peregrinação pela primeira vez, um dos fatores que a motivou foi a ideia de acompanhar um grupo. “Gosto de ir em grupo e tem muitas vantagens, tanto pelo espírito de solidariedade, de camaradagem que há. Sozinha nunca iria ter as vivências que tenho em grupo”, assume. Apesar de ser só em maio que começa a aventura, é em janeiro que o grupo se começa a contactar. As principais preocupações são a marcação de hotéis e sítios a permanecer durante a caminhada.

Teresa com o grupo a acompanhou nesta aventura

Como o grupo é constituído por pessoas com mais idade, são três as etapas feitas durante a peregrinação. A viagem começa em Viseu e acaba em Tondela. No dia seguinte, continuam até Santa Comba Dão. No terceiro dia, o grupo segue de Santa Comba Dão até Mortágua, seguindo-se uma viagem de quatro dias até Fátima.

Trajeto feito pelo grupo de Teresa Bela

Esta longa viagem torna-se mais fácil com a ajuda de carrinhas de apoio, que são responsáveis por transportar as bagagens e os bens essenciais do grupo.

São também precisos momentos de descontração para fugir ao desagasto psicológico da caminhada. Para Teresa Bela, os momentos mais caricatos da viagem são quando o grupo se junta “no monte a comer uma bifana e cerveja de madrugada, ou quando durante as caminhadas o grupo se junta a cantar para desanuviar”.

Um dos momentos descontraídos vivido pelo grupo

Teresa admite que, apesar de todos os aspetos positivos da peregrinação, existem outros perigos. “A estrada é perigosa, principalmente a partir de Coimbra, onde já se vê muita gente, e acaba por ser mais perigoso, porque há sítios onde temos de passar forçosamente por estrada. Há um troço entre Condeixa e Pombal que é perigosíssimo, no IC2. Nos últimos anos há um grande apoio da GNR, cortam uma faixa de trânsito e estão em vigia constante”, explica.  

A dor e o cansaço passam para segundo plano quando os peregrinos chegam ao destino. “Vamos ao Santuário, à capelinha das aparições para agradecer o estarmos ali o conseguirmos ter feito a viagem sem transtornos como tem acontecido quase todos os anos com a maioria das pessoas”, explica orgulhosamente Teresa. Um dos aspetos que mais admira a peregrina é esquecimento do cansaço ao chegarem no destino comum, onde “a possibilidade de uma viagem de volta é uma realidade”, explica, com humor.

Um dos momentos onde o cansaço é esquecido

Fome. Foi a principal razão que levou Otilina Santos a juntar-se a milhões de peregrinos. A aveirense, que deixou de fazer a peregrinação há 20 anos por causa do avanço da idade, revela que a principal preocupação antes da viagem “era fazer o saco com alguma comida e escolher os sapatos”.

Otilina Santos, peregrina durante 15 anos

Na primeira ida a Fátima, Otilina assume, ainda recordando a dor, que ter levado meias elásticas foi o motivo de um dos piores momentos dessa aventura. “Não devia ter levado, havia grupos que passavam por nós, e eu a chorar, as lágrimas caíam-me com tanta dor. Pedi mesmo à Nossa Senhora que me deixasse ir a Fátima muitas e muitas vezes, mas a pé nunca mais”, revela angustiada.

O trajeto do grupo de Otilina, que demorava três dias, começava em Mataduços, Aveiro, de onde estes peregrinos saiam às quatro da manhã. A primeira paragem do grupo era feita em Vagos para tomar o pequeno almoço. “Para mim era sempre um galão e uma bola de Berlim”, recorda.

Para a aveirense, os perigos também são uma realidade na peregrinação potenciada pelos caminhos perigosos. “Nunca ninguém se meteu connosco, correu tudo sempre bem. Mas houve até quem morresse, num grupo de Aveiro”, desabafa com tristeza, admitindo que já teve conhecimento de uma morte local.

Riso. Choro. Uma espécie de mistura de emoções retratava o grupo ao chegar à Cruz Alta. “Juntávamo-nos todas e começávamos a rezar o terço até à Nossa Senhora. Chegávamos lá abaixo e acabávamos de rezar, uns choravam outros riam”, relembra a peregrina.

Todo o esforço e determinação para suportar as horas de sofrimento, dor e cansaço durante a longa viagem valeu a pena tanto para Teresa como para Otilina. Apesar de irem por motivos diferentes, o sentimento de dever cumprido é o mesmo no fim desta jornada.

Além destas duas peregrinas são milhões os que caminham até Fátima. E, este ano, não é diferente. Peregrinos de todas as idades e crenças irão iniciar ou terminar a sua caminhada. A partir de um de maio, sofrimento, dor e cansaço será a realidade que as estradas portuguesas irão retratar até Fátima. E assim muitas mais histórias poderão ser retratadas.

Para conhecer melhor a história da Peregrinação a Fátima, veja as seguintes Curiosidades.

 

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