O despovoamento do interior terá uma solução?

O interior do país é caracterizado pelas largas planícies cultivadas, pela vasta quantidade de montanhas e pela população envelhecida. As zonas rurais do interior encontram-se cada vez mais afastadas dos eixos em desenvolvimento ou dos centros urbanos com dinamismo suficiente e continuam a apresentar uma grande tendência de fuga dos seus habitantes em direção ao litoral.

Segundo os dados estatísticos, a população do interior do país tem vindo a diminuir com o passar do tempo. O concelho de Oliveira do Hospital não escapa a esta dura realidade. Segundo o portal de dados estatísticos Pordata, a população deste concelho diminuiu o número médio de indivíduos, por quilómetro quadrado, de 94,1, em 2001, para 86,1, em 2014. Trata-se de uma perda significativa.

Segundo os últimos dados, o interior do país apresenta um cenário, na generalidade, de uma população envelhecida, um decréscimo da natalidade, uma perda significativa dos jovens e, por consequência, uma insuficiência da população ativa.

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Aldeia de São Gião

“A aldeia está a perder cada vez mais jovens”

Luciano Marques Correia, presidente da Junta de Freguesia de São Gião, uma aldeia pertencente ao conselho de Oliveira do Hospital, situada no interior do país, assumiu que a aldeia está a perder jovens de dia para dia. O presidente afirmou que é muito complicado ser presidente de junta de uma aldeia, porque por mais coisas que se façam nunca ninguém está contente. A aldeia continuará a ser independente sem aderir à união de freguesias, “pelo menos ninguém pensa nisso”, mas está a perder jovens lentamente, “as percentagens não baixam drasticamente, mas baixam”. De acordo com o autarca, de vez em quando aparecem jovens novos na aldeia, que não se conhece o paradeiro, fazem 18 anos e aparecem no recenseamento.

A aldeia do interior do país apresenta um cenário um pouco preocupante. Segundo o presidente da junta, não nascem bebés, a população está cada vez mais envelhecida e está a perder população para outras zonas devido à falta de mão-de-obra. “As pessoas vão para onde encontram o melhor para o seu futuro, primeiro começam a ir e a voltar até que, um dia, ficam por lá”, disse Luciano Correia.

O empresário, atualmente reformado, considera que existe uma grande diferença entre ser presidente de junta e ser presidente de uma Câmara Municipal. Na Câmara Municipal tudo está mais à mão e é mais fácil trabalhar, “porque eles têm mais meios que nós”, disse, “mas a pressão de trabalho é muito maior”, acrescentou.

“O município também não incentiva o interior”

Inês Figueiredo, uma jovem da aldeia do interior do país, considera que se tem de desenvolver os pontos menos desenvolvidos. A jovem, estudante de Ciências da Educação na Universidade de Coimbra, considera que viver no interior do país é viver com uma população envelhecida, é ter poucas acessibilidades, poucos serviços e poucas ofertas. Inês afirma que o interior não possui muita dinâmica nas pessoas. Embora exista muita união, não existe muita motivação, o que acaba por se refletir na evolução da zona.

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Inês Figueiredo

A jovem pretende continuar a viver no interior do país, mas numa cidade. Afirma que não lhe vai custar deixar a aldeia, porque gosta da aldeia apenas para passar o tempo esporadicamente e não para viver.

“Na minha opinião o interior do país ao nível da qualidade de vida é uma zona excelente, tem ar puro, muita natureza, consegue até de certa forma tranquilizar-nos, nas grandes cidades, isso não é possível como é uma loucura, uma completa correria de carros, pessoas…”, disse, mas em contrapartida a esta afirmação a jovem declarou que não existem ofertas como na cidade, se não os habitantes não teriam a necessidade de se deslocar para o litoral.

A estudante do interior do país apontou ainda algumas coisas que se podem fazer para desenvolver as zonas mais mortas, “trazer mais serviços, criar mais emprego, no fundo criar mais ofertas para os jovens que cá estão e para aqueles que podem vir para cá”, deu a jovem estes exemplos.

“O que se pode fazer para trazer melhorias para o concelho é batalhar com o governo”. O Presidente da Junta de São Gião considera que as freguesias têm de batalhar para que saiam verbas do governo ou da Comunidade Europeia para melhorar os pontos que estão menos desenvolvidos. Segundo o presidente da junta, deveriam melhorar-se as acessibilidades para o interior, acabando o IC6, por exemplo, trazer mais médicos, pelo menos um número que chegue para servir toda a gente que viva no concelho, e criar mais postos de trabalho, no fundo mais empresas que garantam a sustentabilidade.

Luciano Correia afirmou, com alguma tristeza, que a única empresa que se localizava na aldeia alterou a sua localização para uma cidade onde têm mais acessibilidades e onde chega mais depressa um pesado com matérias-primas para descarregar.

O presidente revelou ainda que a aldeia tem vindo a melhorar, pelo menos em termos de saúde. Todos os meses a aldeia recebe uma unidade móvel de saúde para realizar os exames mais básicos à população que não tem a possibilidade de se deslocar aos centros médicos que ficam na cidade, e “a população adere imenso a esta unidade móvel”. Luciano Correia contou ainda que o grande objetivo é manter a unidade móvel mas conseguir que um médico vá, pelo menos uma vez por mês, à aldeia para tratar de questões mais graves.

O presidente considerou ainda que não é fácil alterar o pensamento ligado ao facto de o interior ser menos desenvolvido. Luciano Correia considera que é muito difícil porque o interior está mais isolado e a evolução é uma coisa mais complicada.

“É vital para o país construir um novo mapa de Portugal”

Helena Freitas, coordenadora da Unidade de Missão para a valorização do interior, considerou que é importante que se olhe para os pontos do interior do país. Frisou ainda que “chegámos a um ponto em que temos concelhos do interior em que as taxas de mortalidade são três vezes as taxas de natalidade”. A coordenadora, que falava em Moimenta da Beira, acrescentou que se não se fizer nada para alterar esta dura realidade, se não se estabelecerem objetivos a curto, médio ou longo prazo, estes concelhos do interior não tem a sustentabilidade e as perspetivas para continuarem a existir, porque não existem pessoas que desenvolvam e alimentem estas zonas.
O país tem umas assimetrias dramáticas e há, claramente, uma necessidade enorme de travar estas anomalias. Helena Freitas aproveitou ainda para salientar que apesar de pequeno, Portugal tem inúmeros problemas no interior e que aparenta ser o único país desequilibrado. “Não há país no mundo que tenha esta configuração, tão pequeno e com um desequilíbrio tão profundo, com um impacto social e económico gravíssimo” desabafou.

Amadeu Carvalho, um idoso do litoral, com 91 anos de idade, não sabe se trocaria o litoral pelo interior, devido às circunstâncias atuais. O senior afirmou que nunca visitou o interior do país, mas acredita que este tem mais condições de vida que propriamente o litoral. Para defender este ponto de vista, Amadeu disse que “neste momento o litoral está mais que visto e revisto! O litoral é uma zona que já está saturada”. Considerou ainda que as zonas do interior do país têm mais proximidade entre as pessoas, “são mais unidas” e têm também mais pontos de interesse, “zonas turísticas”.

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Amadeu Carvalho

O idoso avaliou Portugal ao nível do futuro, em termos populacionais, e considerou que o nosso país continuará a ser um país envelhecido, especialmente no interior porque “hoje em dia as pessoas não investem em nada, não têm dinheiro, não têm perspetivas e têm medo do futuro”. Amadeu sublinhou que este medo que as pessoas têm se refere ao facto de perderem dinheiro, e com o ambiente de crise instalado é muito difícil investir, devido ao facto de as coisas mudarem “muito rapidamente e conforme os interesses das pessoas e das empresas”.

O sénior disse que é “muito importante atrair jovens para o interior, (…) porque o interior é muito grande e tem uma perspetiva muito boa, a agricultura”. Declarou que esta medida de atração de jovens para o interior depende das políticas de governo e da forma como eles olham para o interior. Amadeu atentou que o governo deveria olhar para o interior numa visão mais ampla e não tão restrita.

O idoso apontou ainda que é muito importante estar num centro de dia porque lá fazem inúmeras atividades para entreter o grupo e dinamizar a população.

Viver no interior do país é aborrecido. Pedro Rebelo Pereira, licenciado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova e cronista num espaço do público, colocou a seguinte questão numa das suas crónicas: “Como é que concelhos com um ritmo de vida tão aborrecido pensam vir a atrair os rapazes e raparigas que estão neste momento na centrifugadora vida universitária?”.

O jovem cronista, que agora reside no interior do país, considerou que viver no interior do país é viver a outra velocidade. O interior, segundo o jovem, apresenta um cenário de “prisão preventiva” porque existe “branqueamento de pessoas e oportunidades de vida, pouco tráfego de influências positivas nas nossas estradas e empobrecimento ilícito”. A vida no interior resume-se a “sopas e descanso”.

Nestas zonas do interior, segundo Pedro, as iniciativas e as dinâmicas chegam todas ao mesmo tempo e realizam-se ao mesmo tempo entre concelhos vizinhos o que acaba por ser um ponto negativo.

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Parque de campismo

Será que o despovoamento do interior terá uma solução? As zonas do interior do país continuam a apresentar os priores cenários possíveis. Segundo os dados do INE, o interior do país apresenta baixa natalidade, elevada mortalidade, elevado índice de envelhecimento e baixo índice de população jovem. Será que haverá uma solução para este cenário apresentado no interior do país?

Segundo Luciano Correia, presidente de junta de S. Gião, terão de se criar mais postos de trabalho, mais pontos de divulgação, terá de haver alguém ligado ao turismo no único ponto turístico da aldeia, e é necessário que exista alguém que domine línguas, para receber as pessoas que venham de outros países e criar mais formações para atrair os jovens.

Segundo Inês Figueiredo, o interior do país deveria criar uma espécie de concurso de ideias para dinamizar estes espaços. A ideia era abrir um concurso aos jovens, dinamizando-os para que, posteriormente, se selecionasse a melhor ideia para se aplicar no concelho.

Já o idoso, Amadeu Carvalho, considera que a valorização do interior passa pela decisão do governo e pela visão que o governo tem do espaço do interior.

O maior desafio de Portugal, segundo o Diário Expresso, é combater a interioridade e os desequilíbrios entre regiões. “O interior também é Portugal e merece, do país e da Europa, um olhar e cuidado especial”.

Cátia Brito (texto e fotos)

 

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