“As oportunidades surgiram porque as procurei”

Horácio Ferreira, 27 anos, nasceu em Santa Comba Dão, distrito de Viseu, e fez sucesso na música, mais especificamente com o clarinete. O primeiro contacto que teve com a música foi durante a Escola Primária, quando teve a oportunidade de entrar para a banda filarmónica da sua terra, aos oito anos. Hoje, este jovem clarinetista encontra-se entre os mais prestigiados músicos da sua área, com vários prémios distinções internacionais. Um caminho que conquistou, confessa, com “muita a dedicação e persistência”.

horacio1

Porque escolheu o clarinete como instrumento?
O clarinete acabou por ser o instrumento que estava disponível. Gostava muito de saxofone, mas como não podia aprender saxofone, na banda sugeriram-me o clarinete. Desde aí, fiquei logo encantado com o clarinete.

Começou a carreira em Santa Comba Dão?
Exatamente.

Começar em Santa Comba Dão facilitou ou dificultou, de alguma forma, o seu percurso?
É difícil responder, mas o certo é que podia ter escolhido entre o futebol e a banda. Na altura, escolhi a banda. Depois, não comecei a estudar clarinete profissional, ou seja, só tinha aulas com pessoas ligadas à banda, pessoas amadoras. Só comecei a estudar clarinete mais tarde. Daí o facto de não ter ajudado ter começado, em Santa Comba Dão. Tenho muitos amigos na zona Norte, onde vivo, que começaram logo a aprender com alguém profissional do instrumento.

Quais foram as suas influências mais importantes?
Os meus colegas e o carinho que sempre demonstraram na banda eram importantes para que continuasse a gostar daquilo que fazia, independentemente de ser a um alto nível ou não. Depois, cada professor influenciou bastante a minha aprendizagem. Ajudaram-me a manter focado e a aprender a gostar de música. Houve duas pessoas que me marcaram bastante. O meu professor da Escola Profissional de Espinho, Luís Carvalho, com quem ainda hoje mantenho uma grande amizade. A um nível diferente, o meu último professor, Michel Arrignon, um dos maiores clarinetas de sempre.

Teve muitas oportunidades para trabalhar no país e no estrangeiro em instituições importantes. Como descreve estas experiências?
Desde que fui para a Escola Profissional, em 2002, as coisas foram acontecendo porque estava num meio diferente onde existiam mais oportunidades. As oportunidades surgem porque também procurei por elas. Posso dizer que o primeiro grande projeto em que estive inserido foi a Banda Sinfónica Portuguesa, que ajudei a fundar. Fiz o primeiro concerto com eles e hoje é uma instituição e uma banda de referência nacional. Depois, todas as outras oportunidades que fui tendo, desde tocar a solo, com orquestras ou apresentar-me em recital nesta ou naquela sala tem a ver com cursos, com o facto de as pessoas reconhecerem o meu trabalho e o meu valor. Mas, essencialmente, tem a ver também com o facto de ter ganho concursos nacionais.

horacio2

Esses concursos tiveram um papel importante também na sua vida profissional?
Sim, acima de tudo, porque confirmam o trabalho que dedico diariamente à profissão.
Recentemente, fui finalista de um dos maiores concursos de sempre do clarinete. Foi a 67ª edição do Concurso de Música de Praga, na República Checa. No ano passado, também recebi o prémio para a Melhor Interpretação, na rapsódia Debussy, num concurso em França que é um dos maiores meios do clarinete e sinto-me muito feliz.

A chave do sucesso
Qual é a sensação de representar Portugal?
Não é bem representar Portugal, mas sinto-me gratificado por poder ser português e chegar onde, muitas vezes, pensamos que só os estrangeiros chegam.

Quais foram as dificuldades por que passou?
Há sempre adversidades. Quando me iniciei no clarinete, gostava de ter começado a estudar música mais cedo com alguém qualificado. Isto não aconteceu porque em Santa Comba Dão não havia o Conservatório, que agora já existe. Depois, há outras dificuldades como, por exemplo, requerer um investimento muito grande porque temos que ir a master classes, temos de investir muito em material, mesmo para fazer concursos e audições é sempre despesas que tens e isso acaba por ser uma dificuldade.
A grande dificuldade em Portugal é o facto de não haver muitos apoios para quem queira estudar ou bolsas de estudo, mesmo nacionais porque há muita gente que se calhar não investe um bocadinho mais na sua própria carreira porque não tem possibilidade.

 

Mudar isso em Portugal podia ser um projeto futuro?
É difícil porque a cultura depende de muitas outras coisas e começar a investir num projeto que dê ambições a um maior investimento, principalmente nos jovens, é complicado. Penso que talvez com a melhoria do panorama financeiro e político nacional, pode ser que as coisas melhorem e haja um maior investimento, até por parte de privados.

Há alguma história ou algum momento que o tenha marcado de forma positiva?
É difícil lembrar-me agora de algum em especial mas houve um momento muito marcante e gostei muito de o ter vivido, que foi o facto de num concurso em Praga, quando acabei de fazer a primeira eliminatória, um senhor que eu não conhecia de lado nenhum que estava a assistir veio dar-me os parabéns. A curiosidade é que esse senhor era cego e ficou muito emocionado com a minha prestação e para mim é sem dúvida muito gratificante.

E de forma negativa?
Por vezes, existem críticas que são inevitáveis. No entanto, é normal. Cada um de nós tem que viver com isso, mas quando por vezes recebemos uma crítica de alguém que te influenciou e passou também pela tua carreira nunca é bom de viver.

Quando é que se olhou ao espelho e disse: ‘É isto que eu quero para a minha vida!’ ?
Decidi que queria seguir clarinete quando andava no 9.º ano, recebia muito carinho e era bastante respeitado lá na banda na minha terra e era algo gostava de fazer. Achei que podia ser minha profissão.

Além da música, qual o seu segundo maior talento?
Desde os 14 anos que me dedico exclusivamente à música ou a alguma coisa ligada à música. Para mim, um sucesso é ver hoje a banda sinfónica portuguesa com um grande nível. É também um sucesso pessoal colaborar com todas as instituições em Portugal, como a Orquestra Sinfónica Portuguesa e também estou inserido na orquestra 21. Tudo isso são objetivos alcançados, inerentes à música, à qual dedico exclusivamente o meu tempo.

horacio

Tem algum conselho para quem esteja a iniciar a sua carreira na música?
O único conselho que posso dar, que acho que poderá chegar a todos, é que se sentem que a música é mesmo aquilo que querem, sejam persistentes e procurem fazer sempre melhor e dar o máximo porque se fizerem isso vão alcançar os objetivos desejados.

Para concluir, mediante a sua experiência, qual é o segredo para o sucesso?
O segredo para qualquer trabalho ou para qualquer sucesso é a dedicação e persistência. Só assim é que as coisas vão surgindo. Por vezes, nem sempre corre tudo bem, mas se formos persistentes, se continuarmos a trabalhar naquilo que realmente queremos, as coisas vão acabar por acontecer mais cedo ou mais tarde.

Leandro Coutinho

Imagens: Horácio Ferreira Oficial

a