Maior Túnel da Península Ibérica derruba barreiras para lá do Marão

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Uma das maiores obras já concretizadas em Portugal foi, no passado dia 7 de Maio, inaugurada. O maior túnel da península ibérico, isto é, o túnel do Marão estabelece a ligação entre a A4 (Porto/Amarante) e a Autoestrada Transmontana (Vila Real/ Bragança). A sua importância para a região é evidente, uma vez que reduz a sinistralidade, reduz o tempo de acesso a outras regiões do país e melhora o fluxo do tráfego e do conforto de circulação.

A A4 é uma via com alta capacidade de suporte aos fluxos de pessoas, bens e de serviços, beneficiando a conetividade territorial no eixo transversão que serve. O túnel faz, assim, a ligação transfronteiriça (Porto-Vila Real-Bragança-Zamora-Madrid/Saragoça- resto da Europa). Além disso, o Túnel permite uma ligação mais rápida entre regiões, nomeadamente entre o Porto, zona metropolitana, e o interior norte, zona de Trás-os-Montes.

O dia da inauguração contou com várias iniciativas que visavam comemorar a abertura daquela que é considerada a segunda obra mais relevante na história de Portugal. Ao longo de toda a manhã, passaram cerca de 1250 pessoas no túnel, incluindo uma partida de carros clássicos. A tarde iniciou com a receção de convidados à entrada do Túnel, embora só pudesse fazer parte dos festejos quem possuísse convite para tal. No local encontravam-se quatro autocarros destinados a transportar as pessoas para o onde o primeiro-ministro presidiria às cerimónias formais, tais como o descerramento da placa comemorativa. Além do governante, este local foi ainda palco de discursos do presidente da Câmara Municipal de Vila Real e do ministro das Infraestruturas de Portugal.

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Para António Costa, o Túnel do Marão é “a obra mais relevante feita em Portugal, destinada a vencer uma barreira natural”. O primeiro-ministro comparou a nova infraestrutura com a ponte sobre o Rio Tejo. Saudou ainda “todos aqueles que do ponto de vista técnico, dos empreiteiros, das infraestruturas de Portugal, dos gabinetes de engenharia, projetaram a obra e a tornaram possível”.

Segundo o líder socialista, há uma galeria “que corre em direção à fronteira, que corre em direção à Europa, e que posiciona este território, não só que como um território que está mais perto do Porto, mas um território que é vizinho de uma região espanhola, onde vivem 2 milhões e meio de habitantes”. É também por isso que António Costa acredita que a obra recém-inaugurada se assume como uma oportunidade para o desenvolvimento da região e de contacto com os “países para lá da fronteira”, e com um mercado com mais de 50 milhões de habitantes onde Portugal necessita estar presente. Para Costa, esta infraestrutura é um “novo impulso à descentralização” da região transmontana, sendo que esta inauguração foi considerada “um dia histórico para o país” já que com este túnel convergiu-se “num novo nível de patamar e desenvolvimento” para o interior.

António Costa não deixou de mencionar a dura batalha que todos os governos tiveram de percorrer para conseguirem ver concretizado o sonho iniciado em 2008. Na época era José Sócrates o líder do executivo e nem as acusações de fraude fiscal e branqueamento de capitais que enfrenta atualmente afastaram o antigo primeiro-ministro da inauguração da obra que lançou há oito anos.

Com uma parceria público-privada, o contrato de concessão foi assinado com a Concessionária Autoestrada do Marão, liderado pelo consórcio Somague/sacyr e MSF, em 2008. Para Sócrates, este projeto seria imprescindível para Portugal, pois acabaria com a ideia de que existiam pessoas “para cá ou para lá do Marão”, palavras que António Costa retomou durante o seu discurso no dia da inauguração da obra. Em 2009, os trabalhos de construção foram iniciados.

A primeira fase da obra teve um custo de investimento de 247 milhões de euros. Ao longo do percurso de construção muitos imprevistos surgiram, já que a escavação do Túnel do Marão foi suspensa duas vezes graças a um processo judicial oriundo de uma empresa da região, as “Águas do Marão”, que acusava a construtora de estar a prejudicar as águas da região com os resíduos das obras.

No entanto, José Sócrates já não voltou ao Marão. Em 2011, já no governo de Pedro Passos Coelho, todos os trabalhos decorrentes da construção estagnaram, devido à alegada incapacidade financeira por parte da concessionária.

Dois anos mais tarde decorreu a rescisão do contrato de concessão por parte do Estado Português, devido a incumprimento das condições contratuais. A obra foi, nessa altura, entregue à concessória geral, que na altura correspondia às Estradas de Portugal. Só no ano de 2014 é que a obra arrancou sem interrupções, conseguindo angariar os financiamentos necessários, seguindo todos os trâmites dos procedimentos concurvais e, posteriormente, a consignação de quatro empreitadas. A ligação poente, entre Porto e Amarante foi entregue à empresa OPWAY; a construção dos 5,6 quilómetros de túnel foi da responsabilidade da Teixeira Duarte; e a ligação Nascente, que abrange o túnel do Marão, bem como o Nó de Parada de Cunhos, ficou a cargo do consórcio Construtora Lena e a ferrovial durante a época de construção.

Com a obra finalizada, é agora possível percorrer 5,6 quilómetros, com galeria dupla, três nós de ligação (incluindo o Nó de ligação ao IP4, o Nó de Campeã e o Nó de Parada de Cunhos), 12 viadutos, bem como 5 passagens superiores, 5 de passagens inferiores, 7 passagens agrícolas e 1 passagem superior para peões.

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Viaduto e estrada sobre o rio Marão, em Gião

Trabalhadores sentiram obstáculos na retoma do projeto
Segundo Artur Freitas, um dos principais responsáveis pelas obras desenvolvidas pela empresa que estabeleceu a ligação entre Porto e Amarante (a OPWAY), foram encontrados muitos obstáculos durante a concessão da obra. “Foi necessário recorrer a muitas explosões em locais onde as casas estavam demasiado perto. A responsabilidade foi enorme, mas devido à grande tecnologia, bem como às equipas de trabalho, nenhum incidente ocorreu durante todo o período de obras”. Durante os procedimentos de construção das infraestruturas foram escavados em túnel quase 1 400 000 metros quadrados, usadas mais de 1 700 toneladas de explosivos, bem como 3 500 pegas de fogo. Não houve qualquer incidente a registar.

Carla Lopes, engenheira na empresa OPWAY que participou nas construções da obra, referiu que os principais obstáculos que os trabalhadores encontraram foram “as condições climatéricas associadas a um volume de terra que estava muito alta, em termos de quota, havendo por isso perigo”. A mesma fonte acrescenta que a retoma foi ainda mais difícil pelo facto de se tratar de uma obra abandonada durante muito tempo. “Havia muita coisa que nós não sabíamos e que só à medida que íamos fazendo os trabalhos é que fomos descobrindo”, revela.

População descontente
Apesar de a maioria dos transmontanos estarem contentes com o Túnel do Marão, outros tantos revelam-se insatisfeitos. “Para as populações de Ansiais e das redondezas é que a obra não se mostrou tão vantajosa”, afirmou Carla Lopes. Estes indivíduos acabaram por “sofrer alguns prejuízos”, já que ninguém foi empregado e muitas famílias tiveram de abandonar as suas casas ou vender terrenos à obra. A maioria da população mostra-se ainda descontente com a quantidade de pó que viram pairar sobre as suas casas, bem como dos barulhos vindos das explosões e máquinas ao longo do processo de construção.

Existem habitantes de Ansiais que se queixam das estradas da região estarem gravemente danificadas e as empresas não pretenderem arranja-las futuramente. Segundo Artur Freitas, já foram anunciadas obras a fim de resolverem todas as controvérsias provocadas ao longo dos trabalhos.

Nas obras subterrâneas chegaram a trabalhar, em simultâneo, 786 pessoas, num total de 1 710 000 horas. Alguns destes trabalhadores eram da região, principalmente de Vila Real. Um desses casos foi André Canelas Pinto, que entrou em junho nas terraplanagens e conseguiu emprego até à atualidade, graças à obra. O trabalhador acredita que “para além de já ter dado emprego a muita gente, vai continuar a dar, essencialmente na parte da manutenção da obra”. André defende ainda que a nova infraestrutura irá “ajudar as empresas que já estão” patente na região.

Impacto ambiental
Uma das questões levantadas durante a obra prende-se com o impacto ambiental. Podemos afirmar que houve a preocupação de manter o equilíbrio entre os vãos e a altura dos pilares, bem como manter a simplicidade das formas, de forma a harmonizar a obra com o meio envolvente, integrando-a na paisagem e estética da região.

Assim, foram adaptadas setes passagens hidráulicas, uma passagem superior e duas passagens agrícolas, de modo a assegurar a permeabilidade da via para a fauna.

Uma vez que as entidades envolvidas na construção foram anteriormente acusadas de estarem a afetar as Águas do Marão, foi construída uma conduta no viaduto 2, de forma a drenar e impedir descargas de água da plataforma da via, permitindo assim a salvaguarda de qualquer afetação da qualidade da água utilizada. Foram também colocados dois sistemas de recolha e drenagem de efluentes contaminados que poderiam vir a ser derramados no interior das galerias e das águas.

A obra possui ainda sete barragens acústicas, de modo a diminuir os impactos decorrentes das emissões sonoras.

Para assegurarem que tudo estaria em conformidade com a natureza, foram realizados planos de gestão ambiental, do Património Cultural (acompanhamento arqueológico) e ainda planos de Monitorização Ambiental dos fatores ruido, sistemas ecólogos, recursos hídricos superficiais, recursos hídricos subterrâneos, bem como da erosão hídrica.

Cerca de mil pessoas viram a luz ao fundo do túnel na inauguração
Oito anos depois, quase seis quilómetros de um túnel que viu finalmente a luz do dia e que os habitantes acreditam que melhorará a qualidade de vida de toda a população.

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Os primeiros a atravessarem o túnel foram os 160 ciclistas convidados para o efeito. Por volta das 10h00, o túnel foi contemplado com a passagem de cerca de 700 caminhantes. Segundo Rui Magalhães, um dos participantes na caminhada, afirmou que os quilómetros percorridos foram interessantes visto que “o ambiente era muito agradável, e a temperatura estava muito boa. Inicialmente disseram aos caminhantes que poderia estar frio, para virem agasalhados, mas não estava”. Hernâni Carvalho mostrou o seu contentamento com o projeto inaugurado. “É uma maravilha para a nossa região, sobretudo para a região transmontana. Já era um sítio rico e com isto ficou ainda mais. É, portanto, um marco importante na nossa vida”, afirmou.

A maioria dos participantes na caminhada vieram de Vila Real e admitem ser a população mais privilegiada com a obra. Filomena Alves, que foi também uma das primeiras a estrear o túnel, realçou o fato de a obra encurtar distâncias, “visto que o IP4 era a estrada mais perigosa e motivava vários acidentes. Esta obra vai beneficiar os moradores”, destacou.

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Nos primeiros oito dias após a inauguração do Túnel, este recebeu mais de 93 mil pessoas. Todos os dias passam mais de 9000 veículos pelo maior túnel da Península Ibérica, o Túnel do Marão.

Andreia Freitas (texto e fotos)

 

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