Brexit ou Exit do Brexit?

Nos últimos dois anos e meio têm sido vários os temas da ordem do dia, mas existe um que volta e meia aparece e reaparece tendo por vezes o efeito boomerang: o Brexit.

Um assunto que muitos de nós já estamos fartos e eu em particular já começo a ficar farto: basta olhar para as votações no Parlamento Britânico e para as notícias sobre o assunto e ficamos sem saber a quantas é que isto anda. Já ouvi muitas pessoas dizerem que “o Brexit tem sido uma trapalhada”, mas tem sido igualmente o palco para muitas ações e sentimentos a que assistimos ao longo da vida. O Brexit mostrou-nos a saudade em relação a Margaret Thatcher, o ressuscitar de Tony Blair, a cobardia de Nigel Farage, a ilusão de Boris Johnson, a traição de Michael Gove, a paciência de Theresa May, a ambição de Jeremy Corbyn e sobretudo, a coragem, a firmeza e o erro de David Cameron.

Discordo totalmente desta conversa de que o Reino Unido esteve a discutir se saía ou ficava na União Europeia, esteve foi a discutir se saía ou… se saía. Mais esclarecidamente, o Reino Unido esteve a discutir se saía totalmente ou se só saía em parte. Percebo totalmente o discurso que me é dito, mas depois das condições que David Cameron conseguiu para poder ficar na UE, é o equivalente ao marido que diz à mulher que continua casado com ela, mas só vai dormir a casa quando quer e que tem de lhe pedir autorização para a vender, mesmo que nunca lá vá.

O último exemplo foi uma das figuras fulcrais de todo este processo: Cameron quando chegou ao poder em maio de 2010 após ter derrotado o Primeiro-Ministro Trabalhista, Gordon Brown, cedeu à ala eurocética do Partido Conservador tirando os tories do Partido Popular Europeu. Decisão que foi muito criticada na Comissão e Conselho da União Europeia, que inclusive levou o presidente francês de então, Nicolas Sarkozy, a avisar Cameron que tinha cometido um erro estratégico monumental e a desabafar: “É sempre este o problema com os ingleses, estão convencidos que valem mais sozinhos do que dentro da UE, estão enganados!”.

O problema da permanência dos ingleses na UE foi-se desenrolando e só parou no referendo de 23 de junho de 2016, uma promessa cumprida do Primeiro-Ministro e que foi fundamental para ter conseguido a reeleição com maioria absoluta em 2015. O processo do referendo ocorreu de uma maneira muito particular, com o lado da campanha “Leave” a ganhar nas mentiras, o lado da campanha “Remain” a ganhar na transmissão do medo e com a maioria das sondagens a dar a vitória à manutenção. Lembro-me destes dias como se fossem ontem, todos nós nos deitámos a pensar que a Grã-Bretanha tinha ficado na União Europeia e acordámos com… o temido Brexit.Com esta decisão, acho que os ingleses quiseram juntar o fósforo ao fogo como diria Paulo Portas, o fósforo era o referendo e o fogo era a situação em que se encontrava a Europa.

Pensando bem e com alguma distância, a Europa demonstrou por este período um largo défice. Primeiro, mostrou uma enorme falta de capacidade de gerir o processo dos refugiados, com cerca de um milhão de refugiados a procurar a Europa como refúgio e a mesma só reconheceu cerca de 160 mil sem que mais ninguém ouvisse falar outra vez dos outros 840 mil. Segundo, existiu um conjunto de atentados terroristas sem a mínima capacidade de resolução em termos de Intelligence e com a perceção de que os novos terroristas surgem em bairros europeus mesmo ao pé de nós. Terceiro, viu-se uma fraca competitividade da economia europeia e com um crescimento médio europeu abaixo do crescimento britânico, já com a importante noção de que crescimento pode não significar melhorias, com o exemplo da Espanha que nessa altura verificava cerca de 3% de crescimento económico, mas com um desemprego jovem trágico a bater nos 40%.

Com estes três pontos, faço questão de acrescentar um quarto e muito importante que é o das lideranças. Naquele tempo olhávamos para a Europa e que lideranças carismáticas, convictas, seguras e capazes que víamos independentemente de serem à esquerda ou à direita e de se situarem a norte ou a sul? Nenhuma em particular. Angela Merkel era a liderança mais forte, mas estava cada vez mais afetada pelos eurocéticos da Alemanha, François Hollande era o mais impopular de sempre em França e em Itália, Matteo Renzi tinha como chefe da oposição e com 30% dos votos, um cómico eurocético.

A União Europeia com estas condições, era muito difícil pedir a um país que lhe desse um sim e o povo que mais dificilmente o daria era logicamente o britânico, pois é o mais eurocético. E, sobretudo porque ninguém vai convencer os britânicos de que não são capazes de ficarem por sua conta. Convém lembrar que têm a língua franca do mundo, uma moeda forte e respeitável, a Commonwealth e são uma das democracias mais antigas do mundo, não gostam que outros povos lhes digam como podem e devem votar, pois isso é contraproducente como se viu. Foi por causa disto que a senhora Thatcher nunca convocou um referendo e negociou condições especiais para estar na CEE na altura, com a mítica expressão: “We stay in Europe, but at the end of the day we want our money back”.

Existe uma história jornalística deliciosa do século passado, que explica muito bem a relação dos britânicos com o resto da Europa. Havia uma tempestade no Canal da Mancha e no dia seguinte, enquanto as primeiras páginas dos jornais de muitos países noticiavam o isolamento da Grã-Bretanha, na mesma um dos seus grandes jornais punha na sua primeira em manchete o título, “A Europa está isolada”.

Com o Brexit abriu-se também, a maior caixa de pandora da União Europeia. No dia em que venceu o Não, a Escócia insinuou que queria ficar na UE e quem votou pelo Não foi a Inglaterra, pensando assim que teria de abandonar o Reino Unido para poder ficar na mesma. Problema só dos escoceses? Não. No ano seguinte, os catalães disseram que também queriam sair de Espanha e ficar na União Europeia. Para já está assim, mas não sabemos se mais algum povo dentro de um Estado se lembrará de semelhante desejo e pensamento.

Voltando ao Reino Unido, este processo está agora na situação “vai ou não vai?” e com dois anos e meio de negociações entre governo e UE sem entendimento quanto ao tipo de divórcio. Existe logo um conflito de legitimidade porque a maioria dos populares(mais de dezassete milhões e quatrocentos) votou pela saída, mas a maioria dos deputados são pela manutenção, ou seja, se por um lado existe um sentimento por parte da população de que pode existir uma conspiração por parte das elites para boicotar o resultado do referendo, por outro os deputados não obedecem única e exclusivamente ao partido porque são eleitos por círculos uninominais e por isso transmitem a vontade da população que representam.

Os dois principais partidos políticos são os autores das maiores trapalhadas. Os Conservadores tinham um Primeiro-Ministro que era favorável à manutenção, que se demitiu na sequência do referendo e em vez de nomearem um novo executivo favorável ao Brexit, nomearam uma ex-ministra favorável à permanência. Depois, o Partido de Churchill tinha maioria no Parlamento e a senhora Theresa May decidiu convocar eleições e embora tenha ganho, perdeu a maioria. Quer sair da União Europeia, mas não quer fronteiras com a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Os Tories tinham tudo na mão, poder estável e prosperidade e agora perderam quase tudo.

O Partido Trabalhista não está nada melhor, pois o seu líder(um político com tendências antissemitas) quer derrubar o governo e convocar eleições, com a convicção que as vai vencer(embora já tenha perdido as últimas) e que vai chegar a Bruxelas conseguindo um novo acordo que não se conseguiu até agora, mas a UE já disse “chega” a tantas negociações. Mas o grande contrassenso é que Jeremy Corbyn quer avançar com o Brexit, liderando um Partido que a esmagadora maioria dos militantes e eleitorado quer um novo referendo e ficar na UE. Há qualquer coisa que não está bem no sistema político inglês.

Sou favorável à manutenção do Reino Unido na UE, embora confesse que se fosse inglês estaria indeciso no meu voto antes de David Cameron ter entrando no Conselho Europeu para negociar as condições da mesma. Mas depois das condições que conseguiu, nomeadamente a nível do poder político e da imigração, votaria incondicionalmente Remain. Não tendo sido assim e sendo apenas um português que admira o Reino Unido, espero que esta situação tenha um acordo que agrade a ambas as partes, pois o divórcio não sendo amigável pode adoecer a curto e longo prazo os dois lados.

Finalizando, só tenho a dizer que se tiver que existir um segundo referendo e com mais informação e noção das consequências, que haja. Pois convém lembrar que muito do que a Europa era antes da União Europeia, se resume a uma palavra: Guerra.

Isso, nós (europeus) com certeza… não queremos voltar a ver. Por isso, fica a questão: Será o Brexit o princípio do princípio do fim da União Europeia?

 

Artigo de opinião: Jorge Afonso

 

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