Calcio, a casa dos Deuses

Como qualquer romântico do futebol, sonhei que a ligação de Ronaldo e o Real Madrid não conhecesse um término. Porém, quis o destino, Florentino Pérez de seu nome, que a epopeia do astro português com a camisola blanca não fosse eterna, como será o seu legado. O melhor jogador da história do clube espanhol, sem qualquer tipo de chauvinismo. O desapontamento, que me invadiu a alma nesse momento, transformou-se em exultação quando foi conhecida a próxima paragem futebolística da carreira de Cristiano Ronaldo. Serie A Italiana, qual conto de fadas.

A Premier League é fantástica e sempre foi. A La Liga e a Bundesliga idem, mas o Serie A foi eternamente a menina dos meus olhos. A Fiorentina de Rui Costa, Nuno Gomes, Batistuta ou Chiesa. A Lázio do Nedved, Nesta, Verón, Fernando Couto ou Sérgio Conceição. O Parma do Crespo, Cannavaro, Thuram ou Paulo Sousa. A Roma do Cafú, De Rossi ou Francesco Totti. O Milan do Maldini, Shevchenko ou Kaká. O Inter do Zanetti, Figo ou Adriano. O Brescia do Roberto Baggio. A Juventus do Buffon, Del Piero, Inzaghi ou Trezeguet. Foi assim que cresci, foi assim que me enamorei.

Itália é um país de futebol, onde os jogadores gozam de um respeito díspar do que se verifica na generalidade dos países e Ronaldo sabe-o melhor do que ninguém. No dia 3 de abril deste ano, Ronaldo marcou um golo de antologia no Allianz Stadium, reduto da Juventus, e foi ovacionado pelos tifosi. Como rival, o Português foi aclamado de uma forma sem precedentes na carreira. Esse pode ter sido o ponto de partida para aquilo que se avizinha. Una storia di un grande amore. O futebol é muito mais que dinheiro, por muito que nos queiram convencer do inverso.

Se fizermos uma comparação direta entre o futebol transalpino e o espanhol, em questões de apreço e estima, a discrepância é brutal. O caso de Luís Figo é elucidativo. Ostracizado em Madrid, saiu pela porta pequena sem o reconhecimento merecido depois de épocas de puro brilhantismo com a 10 vestida. Aterrou em Milão, onde voltou a usar a coroa a que os Reis têm direito, e continuou a resplandecer nos tapetes verdejantes, como era previsível. No último jogo com a camisola nerazzurri foi ovacionado por um estádio, por uma cidade, por um país. Que disparidade. Isto para não falar nas despedidas de Buffon, Maldini, Totti ou Del Piero. Outro nível.

Não o posso afirmar com total certeza, porque nunca outro alguém apresentou registos semelhantes no Calcio, mas acredito que se um jogador fizer 438 jogos, 450 golos e 200 assistências, como Ronaldo fez em Madrid, tem, no mínimo, direito a uma estátua ou uma rua com o seu nome. Aqui ao lado, preferem dar ênfase a outras minuciosidades extrafutebol ao invés de enaltecer os feitos alcançados. Mentalidades.

Há quem defenda que este é um movimento regressivo na carreira do melhor jogador da história do futebol, algo, que como já devem ter percebido, discordo totalmente. Ronaldo ganhou tudo em Inglaterra e em Espanha, mas falta-lhe ganhar no melhor campeonato do mundo. E vai fazê-lo, que ninguém tenha dúvidas.

Escrevo estas linhas por antecipação, porque por agora Cristiano Ronaldo continua a ser a estrela maior da constelação de astros sediada na capital espanhola. Só Deus sabe o que o futuro reserva. Espero que ele deseje, tanto como eu, equipar-se com a camisola Bianconeri para voltar a ser saudado no Allianz Stadium. Desta vez não como rival, mas como o baluarte da equipa. Os adeptos merecem, Itália merece.

 

Texto: João Miguel Carvalho

 

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