À espera de um dono

A Guarda Nacional Republicana (GNR) divulgou que em 2017 se registaram mais de 920 crimes contra animais, sendo que a maioria se deve a maus tratos. No total foram registados 924 crimes, sendo que 588 denunciavam a ocorrência de maus tratos aos animais e 336 alertavam para o abandono destes.  Relativamente ao distrito de Viseu, e segundo os dados facultados pelo Comando Territorial da cidade, em 2017 verificou-se a ocorrência de 20 crimes de Maus Tratos a Animais de Companhia e 16 crimes de Abandono dos Animais de Companhia.

 

Foi a 20 de junho de 2013, há cinco anos, que as vidas de Luís Jerónimo e Juno se cruzaram e mudaram por completo. Luís explica que nesse dia estava a regressar da escola. “Ao chegar perto da minha residência, vi na beira da estrada algo que me parecia ser um cão pequenino”. Ao ver o animal naquela situação o jovem decidiu parar o carro. “Encontrei o Juno na beira da estrada muito assustado e muito debilitado.”, afirma.

Foi o facto de o Juno ser um cachorro de apenas dois meses e se encontrar naquela situação que fez com que Luís Jerónimo o resgatasse para sua casa. “O Juno estava muito fraco, nitidamente desidratado e subnutrido. Além de que tinha imensos parasitas”, descreve.

Luís explica que, nessa altura, ainda não tinha nenhum cão a seu encargo, no entanto, “tinha encomendado um Pitbull a uma amiga que fazia criação de cães dessa raça”. Essa ideia foi de imediato posta de parte quando o jovem começou a criar uma ligação mais forte com o Juno, que nitidamente carecia de alguns cuidados. Luís Jerónimo acrescenta ainda que do seu ponto de vista não fazia sentido “dar o Juno a alguém para ir comprar outro cão”.

Foi consciente da responsabilidade que envolve a adoção de animais que este jovem, na altura com 21 anos, tomou a decisão de adotar o cachorro que encontrou à beira da estrada enquanto regressava da escola.

Para Luís Jerónimo, não é correto “ter um cão de porte grande confinado a um espaço pequeno”, além de que “temos que ter disponibilidade para os educar e dispensar de algum do nosso tempo para as necessidades deles.”. Luís alerta ainda para o facto de que um animal de estimação é “um compromisso diário” do qual temos que ter consciência antes de pensarmos em adotar.

Atualmente o Juno “é um cão grande e saudável”, além disso, “tem um espaço fantástico para andar a correr e tem outros animais para brincar”.

Para Luís, o dia em que o Juno surgiu na sua vida foi “um dia de sorte, tanto para ele, como para mim”.

 

A luta diária no combate ao abandono

Ana Vaz, diretora do Cantinho dos Animais Abandonados de Viseu, explica que há 25 anos trabalhava num banco, na rua das quatro esquinas, em Viseu, “o sítio onde a maior quantidade de animais se concentrava”. A diretora da instituição afirma que não conseguia ficar indiferente aos animais que lá se encontravam e às carências que estes apresentavam e, por isso, “dava sempre comida a uma série de cães antes de entrar para o banco”. Ao longo do tempo, Ana sempre ansiou por “um cantinho onde os abrigar”.

Atualmente Ana Vaz acolhe nas suas instalações cerca de 650 animais, sendo que “590 são cães e os restantes 60 são gatos”.

Para além do Cantinho, onde os animais são alojados depois de serem resgatados das ruas, Ana Vaz dirige também uma clínica à qual não pode fazer publicidade, por ser uma associação sem fins lucrativos. A razão que levou a diretora do Cantinho dos Animais Abandonados de Viseu a construir a sua própria clínica veterinária foi o facto de as outras clínicas da cidade de Viseu cobrarem o “preço aplicado a um cidadão comum”, cada vez que solicitavam o tratamento a algum animal doente. Ana relembra que não chegavam “oito mil euros mensais” para pagar esses tratamentos às clínicas. Por essa razão, quando se reformou, decidiu falar com o banco onde tinha trabalhado e pedir um empréstimo de 250 mil euros para construir a sua própria clínica, sendo que a prestação mensal atual é de 1545 euros.

A diretora afirma que, com a diferença entre os 8 mil euros que desembolsava por mês às clínicas da cidade de Viseu, e os 1545 mil euros mensais do empréstimo que fez para a construção da sua própria clínica, consegue pagar a “excelentes profissionais que adoram animais”. O lucro que resultou da construção da clínica permite também que Ana Vaz pondere a construção de um hotel para animais “num futuro próximo”.

Na opinião da diretora da instituição, 2018 não vai ser um ano fácil para os animais, “sejam cães ou gatos”. Ana defende esta ideia por considerar que a “lei da defesa dos animais é ridícula”. Para além disso, critica o Partido dos Animais e Natureza, porque têm lançado leis “sem cabeça, tronco e membros”.

Uma fonte do departamento dos serviços veterinários da Câmara Municipal de Viseu explica que, quando existe conhecimento de algum caso de abandono de animais em Viseu os profissionais do município podem atuar de duas formas, dependendo do contexto em que o abandono se desenrolou. Se os animais tiverem sido abandonados pelos seus donos, “o principal foco de atuação é tentar ter conhecimento de quem são os seus donos com o objetivo de ‘devolver’ o animal aos mesmos”. No caso de os animais pertencerem a uma ninhada que já tenha nascido na rua, ou seja, que não tenham mesmo nenhum possível dono, “é estabelecido contacto com o Cantinho dos Animais de Viseu, no sentido de haver um acolhimento e recuperação destes animais por parte desta associação”. A fonte acrescenta ainda que existe um protocolo entre a Câmara Municipal de Viseu e esta associação, de forma a ser garantido “o apoio do Cantinho do Animais Abandonados de Viseu neste tipo de situações.”.

No lado oposto aos indivíduos que maltratam e abandonam os animais estão pessoas que assumem a mudança desta realidade como uma causa e tentam ter um papel ativo para que esta realidade seja cada vez menos atual. Em Santa Comba Dão desenvolveu-se o “MANIFESTO pelo Bem-estar, Saúde e Futuro dos Animais de Santa Comba Dão”. Uma das pessoas que deu o seu contributo para esta causa, foi Joana Sousa, defensora dos animais.

A jovem fez um apelo aos dirigentes da câmara de Santa Comba Dão e, tal como diz num texto que se encontra disponível no seu Facebook, apelou à “consciencialização, compaixão e responsabilidade dos dirigentes enquanto seres humanos, cidadãos e órgão políticos para a situação em que se encontram os animais nesta localidade”.

Joana destacou também o facto de as verbas não serem mais uma possível justificação para a não existência de um canil nesta localidade, uma vez que “o governo já aceitou disponibilizar um milhão de euros para a construção de canis municipais”, relembra.

Por fim, Joana Sousa terminou a sua publicação na sua página de Facebook com uma frase de Gandhi: “a gradeza de um país e o seu progresso podem ser medidos pela maneira como trata os seus animais”, ao que acrescenta “se pensarmos assim quanto a Portugal… Qual é o nosso progresso, qual é a nossa grandeza? Reflitam sobre isto!”, conclui.

 

De que forma a lei previne este tipo de situações?

Entrou em vigor a alteração do estatuto jurídico dos animais, levando a que Portugal ganhe o estatuto de um dos países mais evoluídos no que diz respeito a este género de temáticas sociais.

No final de 2016, através da contribuição e cooperação de todos os partidos no Parlamento, criou-se uma nova figura jurídica, que se veio juntar às já existentes (as pessoas e as coisas) – a figura do animal, enquanto ser dotado de sensibilidade e objeto de relações jurídicas. O novo estatuto jurídico dos animais, que os reconhece como seres vivos dotados de sensibilidade e os autonomiza face a pessoas e coisas, entrou em vigor em maio de 2017.

A nova lei estipula que quem agrida ou assassine um animal terá que indemnizar o seu dono ou os indivíduos ou entidades que tenham auxiliado o animal em causa, tendo por base as despesas provenientes do seu tratamento.

Através deste novo estatuto também se defende uma pena de prisão que pode ter uma duração máxima de três anos ou uma pena de multa atribuída a quem roube um animal alheio e quem de forma ilegítima se aproprie de um animal que “lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade”.

Caso os animais de companhia sejam propriedade de um casal em processo de separação, a lei define que estes devem passar a ser responsabilidade de “um ou de ambos os cônjuges”, sendo que terão que se analisados “os interesses de cada um dos cônjuges, dos filhos do casal e o bem-estar do animal”.

O deputado do PAN, André Silva, explicou em declarações disponibilizadas na página oficial do partido: “nós não temos tratado os animais como coisas, nós temo-los qualificado como coisas para os podermos tratar mal, mas isso mudou, e esta mudança vai também permitir que a aplicação da lei de maus tratos a animais de companhia tenha outra robustez.”. O deputado considera ainda que se o estatuto dos animais já tivesse sido alvo de mudanças á mais tempo algumas situações teriam sido analisadas de uma outra forma: “o Simba, o mediático Leão da Rodésia abatido a tiro, não poderia ter sido julgado como um dano”, afirma à mesma fonte.

 

Um abrigo para animais sem lotação esgotada

No Natal de 2016, aconteceu algo inédito num abrigo para animais, o A Humane Society of the Pikes Peak Region situado em Colorado, nos EUA. Foi na segunda-feira a seguir ao Natal que o abrigo partilhou esta novidade na sua página do Facebook, onde explicava que os 48 animais que habitavam as suas instalações foram todos adotados, muito possivelmente graças á sua campanha levada a cabo pela Sociedade Humana da Região Pikes no Colorado com o título “Bring Them Home For the Holidays”, ou seja, “Traga-os para casa para os feriados”. Esta campanha decorreu entre dezoito e trinta e um de dezembro de 2016. Apesar de já termos estado perto de conseguir fazer com que todos os nossos animais fossem adotados, foi a primeira vez que tivemos as nossas jaulas completamente livres”, revelou em declarações à ABC News o responsável pelo abrigo de animais, Gretchen Pressley.

 

Reportagem de Sandra Ferreira

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