Erasmus, só, não chega

O programa Erasmus completou 30 anos no passado mês de novembro de 2017. Para muitos, o que significa aventura é também, para outros, uma saída da zona de conforto. Muitas são as razões que levam os estudantes portugueses a aventurar-se no programa Erasmus. Desde que o programa foi lançado, na época pela Comunidade Económica Europeia, já conta 116 mil alunos participantes. Em 1987, os primeiros alunos de Erasmus foram convidados diretamente pelas universidades.

“Os nossos alunos Erasmus que vão para um período de estudo, têm todos como objetivo adquirir novos conhecimentos, sobretudo em termos culturais. Aproveitam para desenvolver conhecimentos numa outra língua, nomeadamente o espanhol, mas temos outros parceiros. Obviamente trabalhar o currículo e ter uma experiência diferente, outras maneiras de conviver, todos têm este tipo de objetivo”. Esta é a visão de Veronique Deplancq, docente na Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV) do Instituto Politécnico de Viseu. Longe de casa, sem família, sem os confortos da terra Natal, a questão da adaptação é um fator que leva alunos a fazer Erasmus.

Daniel Santos estudou Comunicação Social na Escola Superior de Educação de Viseu. Fez Erasmus em 2015 e escolheu Espanha, cidade de Granada, para realizar o programa. Afirma que não esquece o primeiro impacto do país. “Lembro-me que o primeiro impacto de Granada foi pensar que estava tão perto de casa, mas que era tudo tão diferente. Espanha é um país com uma cultura muito rica e é incrível como, passando a fronteira, tanta coisa muda”.

 

Daniel Santos

 

Susana Rocha é licenciada em Gestão pelo Instituto Politécnico de Bragança e frequentou mestrado em economia na Universidade do Minho. Ela relata que existem algumas diferenças que sentiu no primeiro impacto com a República Checa “As pessoas checas são bastante cívicas e mais ambientalistas que os portugueses. Alem disso, o custo de vida é inferior ao praticado em Portugal, particularmente os transportes públicos”. As razões que levam os estudantes a escolher o país onde querem fazer o programa Erasmus são muitas. No caso de Daniel, foi a opção certa, embora não tenha sido a primeira. “Escolhi ir estudar para Granada, porque era uma cidade que desconhecia por completo, mas os principais motivos foram a proximidade de Portugal, o custo de vida mais barato e ainda o facto de ter bases para falar espanhol”. Já para Susana, os motivos foram sempre os mesmos: diz que a República Checa sempre foi o país que mais lhe despertou interesse em conhecer.

Analisa Macedo, ex-aluna do curso de Comunicação Social da ESEV, também realizou Erasmus em 2015. Escolheu a Holanda e afirma que o que mais lhe despertou a atenção foi o facto de aquele ser um país desenvolvido e “ter uma cultura semelhante à de Portugal, além de ser um país de oportunidades”.

 

E o aproveitamento escolar?

Motivos não faltam para fazer Erasmus, mas a questão que se levanta é em relação ao aproveitamento. Terão os alunos um bom aproveitamento desta experiência a nível de estudo? Veronique Deplancq afirma que sim. “Quando estão no estrangeiro, acontece bastante chumbarem a algumas disciplinas, nomeadamente por causa da falta de compreensão por parte dos colegas. O nosso regulamento permite marcar provas no regresso e a situação vai-se regularizar rapidamente. Nunca tivemos queixas a este nível”.

Será que o ritmo de estudo, o sistema e a qualidade de aulas é diferente de Portugal? Marlise Silva estudou Desporto na ESEV e realizou Erasmus em 2017, na cidade de Girona, em Espanha. Diz que sentiu diferenças notórias no que diz respeito ao sistema educativo e acrescenta que o sistema é “superior às aulas lecionadas” em Portugal. “Devo dizer que muito graças aos alunos, pois estes têm uma postura mais assertiva e respeitadora perante as aulas e os docentes. Desta forma conseguíamos dar mais matéria na aula e conseguíamos tirar dúvidas na mesma. Além disso, nas aulas seguintes, realizávamos uma breve revisão da matéria dada na aula anterior, tendo ênfase a matéria fundamental”.

 

Marlise Silva

 

Mariana Silva, estudante de Comunicação Social na ESEV, é uma recém-chegada do programa Erasmus na cidade da Bélgica. Na experiência que viveu achou os belgas um povo muito frio e, no que diz respeito ao sistema educativo, afirma que em Portugal os alunos são privilegiados. “O ritmo é muito mais acelerado. Na ESEV somos uns privilegiados, porque os professores preocupam-se connosco e têm uma relação próxima. Lá eu achei que isso não acontecia. Não havia professores a fazer piadas, a contar aspetos das vidas pessoais. O que havia era um bom dia e um boa tarde. Sinceramente, prefiro o tipo de avaliação que tenho em Portugal. Ao fazer os trabalhos vamos aprendendo de maneira diferente. Outra diferença é que a maior parte das cadeiras que eles têm são teóricas e, num curso de comunicação, não faz sentido. Mas, a maior diferença que notei foi nas instalações. Quando lá entrei apercebi-me da diferença entre um país que investe na educação e noutro que não o faz. As salas estavam muito bem equipadas, com boa ligação à internet, e com bons equipamentos digitais. Para dar um exemplo, a sala de trabalho dos alunos era toda equipada com Macs”.

Segundo o site da Associação de Estudantes da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Universidade do Porto (AEFPCEUP), Portugal é o 7º. país, entre 33, que mais alunos estrangeiros recebe do programa Erasmus. Veronique Deplanc acrescenta que Portugal foi muito publicitado nos últimos anos. “Vimos que antigamente eram só as grandes cidades e o Algarve para os aspetos turísticos. Hoje em dia é através do Portugal todo, um bocado menos a parte do Norte, algumas zonas do Alentejo, mas mesmo assim estamos a ver cada vez mais pessoas do estrangeiro a virem instalar-se em Portugal.”

A docente diz ainda que as condições que o país oferece são também causas para a solicitação do país. “ Por causa do clima, não está muito longe dos outros países europeus, o nível de vida continua mais baixo que o resto da Europa. As pessoas com alguma idade, reformados, antes iam para o sul de Espanha agora vêm para Portugal, porque o país facilitou ao nível fiscal. Os alunos Erasmus gostam muito por estas razões todas, nomeadamente o nível de vida, mas não só. Os alunos perceberam que temos aqui bom acolhimento, um bom nível de integração, qualidades de vida, como a segurança, que já não se encontra em todos os países europeus.”

Espanha, Itália e Polónia mantêm-se entre os três destinos mais escolhidos pelos portugueses. Só para o pais vizinho foram estudar 1862 estudantes, para Itália 986 e para a Polónia 944. As instituições espanholas são, aliás, as que recebem mais alunos Erasmus – precisamente 42 537. Portugal foi escolhido por 11459, dos quais 2516 espanhóis. As universidades de Lisboa, do Porto e Nova de Lisboa foram as que receberam mais alunos Erasmus. O programa voltou a registar novos recordes no ano letivo 2014-2015, com um total de 678 mil participantes, dos quais 16 116 portugueses. Em 30 anos, foram 116 mil os estudantes nacionais envolvidos.

A falta da família e dos amigos são algumas das dificuldades relatadas pelos estudantes quando estão a fazer o programa Erasmus.  Marlise Silva afirma que a falta da família e a falta do apoio do seu lar, estar sozinha e não ter ninguém próximo, afetou um pouco o seu percurso. Já Mariana Silva revela que o que mais lhe custou foi a questão da língua. “Como o meu francês era muito pouco, eu só falava inglês, o que também era difícil porque, como já disse, eles não falam muito inglês. Assim, não consegui desenvolver o francês como gostaria e não consegui conviver com muita gente. Eu só falava com as pessoas que eu sabia que conseguiam falar inglês, que não eram muitas”, relata.

 

Mariana Silva, na Bélgica

 

Daniel Santos relata que se vivem também momentos “incríveis”, a par com outros  “menos bons”. “A distância e as saudades aparecem em algumas ocasiões. A nível académico também não foi fácil, os professores eram exigentes foi preciso estudar e trabalhar para poder passar, tal como em Portugal, com a diferença que era tudo em espanhol.” No que diz respeito a diversões e espaços noturnos, Daniel afirma que “Granada é para Espanha aquilo que Coimbra é para Portugal, no que diz respeito à vida académica. Acho que isso diz tudo”.  Embora existissem portugueses na mesma universidade, Daniel Santos preferia passar o seu tempo com locais e com pessoas de outros países. “Granada é uma cidade com muitos estudantes de Erasmus vindos de várias partes do mundo, não só no programa Erasmus, mas também em outros tipos de programas de intercâmbio”, conta.

A União Europeia investiu 2,1 mil milhões de euros no Erasmus+ que, desde 2014, também abrange outros programas além do intercâmbio no Ensino Superior, como a formação de adultos, estágios ou voluntariado. “Sabemos que ao longo dos últimos anos, as bolsas tiverem tendência a diminuir e a vida no exterior é cada vez mais cara. Numa tendência geral, através da Europa, estamos a ver que de facto, as bolsas, já não permitem pagar muito mais do que a viagem e um pouco da vivência no local. Existe uma incoerência, porque a política da Europa é cada vez mais de promover a mobilidade, promover as transferências de conhecimento e de competências e também promover a diversidade linguística e cultural. De facto, não estão a apoiar a nível financeiro da forma mais adequada”, defende Veronique Deplancq, no que diz respeito ao financiamento do programa.

Depois de 2014 ter tido uma ligeira quebra, no ano seguinte (último período sobre o qual existem dados), mais 1077 estudantes portugueses, num total de 8034, beneficiaram do programa. Portugal subiu um lugar no ranking, passando a ser o 11.° pais, entre os que enviam mais estudantes para fora. Ainda longe da França, onde quase 40 mil alunos estudaram noutros países em 2015. Estatisticamente, tudo indica que depois de os alunos fazerem Erasmus, as oportunidades no mundo de trabalho serão maiores, tal como acredita Veronique Delplancq. “Nós, internamente, nunca fizemos esse estudo, mas estou convencida que sim. Porque aparecer no curriculum que tivemos a experiência no estrangeiro, quer a nível da área de estudo, mas sobre tudo a nível do estágio, permite perceber que a pessoa tem mais competências. Nomeadamente ao nível do espírito de equipa ao nível de adaptabilidade, disponibilidade, curiosidade, para alem das experiências no estrangeiro”.

Susana Rocha e Analisa Macedo partilham a mesma visão e defendem que a experiência de Erasmus no currículo é uma mais valia. Susana considera que esse dado “revela que o candidato não tem medo de arriscar e viajar e/ou contactar com outras pessoas não será problema ou pelo menos, ao passar por essa experiência, não lhe é algo desconhecido”. De acordo com o site do jornal  Observador, um estudo sobre o impacto do programa da UE de intercâmbio revela que os estudantes Erasmus ganham em empregabilidade, currículo e personalidade.

 

Susana Rocha, em Praga

 

Depois da experiência vivida, Analisa Macedo e Marlise Silva dizem não se arrependerem e acrescentam que foi uma “experiência única” e que as ajudou a crescer enquanto pessoas. No caso de Mariana Silva , depois de ter experienciado o programa,  deixou “a ideia de ir trabalhar para o estrangeiro um bocado para trás. Nós temos muita sorte por estarmos em Portugal. A comida, o clima, o povo, não têm comparação possível. Contudo, gostava de ter a experiência de trabalhar noutro país, não só para enriquecer o currículo, mas também para perceber como o sistema de trabalho funciona”.

Hoje, Daniel vive no estrangeiro e afirma que o facto de ter experienciado Erasmus facilitou-lhe no processo de mudança para outro país. Acrescenta ainda que só Erasmus não chega. “Ter Erasmus no currículo é uma mais valia. É óbvio. Mas isto não é sinónimo de emprego garantido. Pela minha experiência é apenas um ponto de interesse que os recrutadores gostam de mencionar e de perguntar uma coisa ou outra”. Acrescenta ainda “outro fator que já não toma o Erasmus tão diferenciador num currículo é o de cada vez mais pessoas participarem em programas de intercâmbio”.

Segundo o jornal Observador, os diplomados com experiência internacional têm mais êxito no mercado de trabalho. A possibilidade de sofrerem uma situação de desemprego de longa duração é 50 % menor em relação àqueles que não estudaram ou obtiveram uma formação no estrangeiro e, cinco anos após terminarem o ensino superior, a taxa de desemprego é inferior em 23 %.

 

Texto: André Ribeiro

Imagens: DR

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