“Uma coisa que aprendi com os segundos lugares é que as finais são para ganhar”

Igor Gomes é um jovem natural da Lourinhã e iniciou-se no Jiu-Jitsu em 2010 na academia Carlson Gracie Portugal, em Torres Vedras. Começou a praticar a modalidade por “brincadeira” apenas com 12 anos e hoje, ao fim de 8 anos, é um atleta federado através da Federação Portuguesa de Jiu-Jitsu Brasileiro (FPJJB) e encara o Jiu-Jitsu profissionalmente.   Atualmente é campeão nacional na categoria azul dos 70kg e ao longo destes 8 anos detém cerca de 21 títulos a nível nacional e internacional.

 

O jovem atleta após a vitória no Campeonato Nacional de 2017.

 

O que é o Jiu-Jitsu e como é que funciona?

Igor Gomes O Jiu-Jitsu é uma modalidade baseada no “grappling”, ou seja, numa luta de corpo com manobras de submissão, quedas, etc. Ou seja, o objetivo numa luta de jiu-jitsu é imobilizar o adversário até que este desista. Para além da vertente competitiva, o Jiu-Jitsu é praticado também como “hobbie” ou terapia, como no caso de vítimas de bullying ou violência doméstica, ajudando-as a ganhar mais autoestima e confiança em si mesmas.

Nas competições, os lutadores são divididos em categorias por faixa, peso e idade, existindo um total de 10 faixas. Cada uma tem 4 graus, exceto a preta que tem 8 graus e à medida que os atletas vão evoluindo a sua faixa vai subindo. Para além dos atletas competirem nas suas categorias, existe ainda uma categoria aberta, denominada “Absoluto”, em que lutam os três primeiros do pódio de cada categoria. As lutas são ganhas através da desistência do adversário ou por pontos, pontos esses que são ganhos através da boa execução de técnicas. Em caso de empate, a luta é decidida pelas vantagens, tentativas de técnicas não sucedidas, ou de penalizações, realização de coisas não permitidas.

 

Como começou a praticar a modalidade?

IG Já tinha ouvido falar da modalidade através do meu irmão e de uns amigos dele que queriam ir experimentar, até ao dia em que cheguei à praia e estava lá um amigo meu que praticava. Começámos na brincadeira de experimentar umas técnicas aqui e outras ali e comecei a perceber que gostava daquilo. Um dia decidi ir experimentar os treinos à academia Carlson Gracie Portugal, em Torres Vedras, mas na altura era um pouco complicado, a academia ficava longe e por norma ia sempre com amigos muito mais velhos para os treinos, visto que tinha apenas 12 anos.

Sempre fui um rapaz muito ligado ao desporto, pratiquei futebol, surf e sempre adorei tudo o que fossem desportos aquáticos, mas nunca me especializei em nada, acho que nunca fui bom o suficiente num deporto específico para continuar. Quando me iniciei no Jiu-Jitsu, os meus pais diziam que ia ser só uma coisa de 3 ou 4 meses e que eu em ia fartar, no entanto, o tempo foi passando e eu fui gostando daquilo cada vez mais e hoje já passaram cerca de 8 anos e sou atleta federado através da Federação Portuguesa de Jiu-Jitsu Brasileiro (FPJJB).

 

Quando surgiu a primeira oportunidade de competição?

IG Ao fim de três meses de treino surgiu-me a primeira oportunidade de lutar no Campeonato Nacional. Inicialmente não era para ir lutar, lembro-me que todos os meus colegas andavam a fazer a preparação para irem ao Nacional e começaram a insistir com o meu mestre para eu ir. O mestre pediu-me para falar com os meus pais para ver se eles me deixariam ir, ainda nem sabia ao certo o que era o Jiu-Jitsu, mas acabei por ir competir. Na altura tinha 13 anos e apenas 3 meses de treino, nem sabia bem para o que é que ia e, quando lá cheguei, fiquei mesmo a pensar “o que é isto”. Acabei por ficar em 2ºlugar no Campeonato Nacional de 2010 e fiquei contente, nunca tinha recebido nenhuma medalha sem ser de participações e foi uma alegria para mim.

Depois desta vitória subi de faixa pela primeira vez, fui continuando a treinar e voltei a competir em outros campeonatos mais a nível regional e foi nestes campeonatos que procurei ser melhor que os meus adversários e a corrigir erros e falhas, pois na altura, as categorias das crianças tinham sempre algumas discrepâncias e lembro-me de lutar com adversários com bem mais peso que eu. Pensava sempre que não era por essas diferenças que que não podia ganhar e sempre fui uma pessoa que não gosto de perder.

 

Quando ganhou o primeiro título de campeão nacional?

IG O meu primeiro título como Campeão Nacional da minha categoria, na altura, foi no Campeonato Nacional de 2011 onde fiz apenas uma luta e foi uma verdadeira festa com a conquista do 1.º lugar. Nesta altura ainda via o Jiu-Jitsu como um passatempo, fazia só entre um a dois treinos por semana, ainda não levava aquilo muito a sério. Lembro-me que nesta altura a minha mãe proibiu-me de treinar durante cerca de três meses por causa das notas na escola. Apesar de ainda não levar a modalidade muito a sério, adorava aquilo e o objetivo dela foi tirar-me aquilo que eu mais gostava, para ver se conseguia subir as minhas notas. Nessa fase os meus colegas de treino pediam-me para voltar a treinar, para levar os trabalhos de casa e os livros que eles podiam-me ajudar a estudar e isso foi fundamental, até que comecei a preocupar-me mais com as minhas notas para não me sujeitar a ficar novamente sem treinar.

 

A partir de que momento é que começou a ver o Jiu-Jitsu de forma mais “séria”?

IG Muito provavelmente depois de ter perdido o Campeonato Nacional de 2012. Nessa altura, não usando isso como desculpa, estava cheio de dores no corpo, as típicas dores de crescimento e acho que não estava na minha melhor forma. Perdi as duas lutas que fiz e foi aí que comecei a pensar que me devia aplicar mais na modalidade e tentei mudar certos hábitos e rotinas típicos de um rapaz de 15 anos. Comecei a procurar mais as minhas dificuldades, aquilo que fazia mal e a focar-me nisso para melhorar, tornando o meu “jogo” mais abrangente. Se me perguntarem que técnicas mais gosto, não sei responder porque acabei por saber fazer um pouco de tudo. Ao longo destes oito anos também treinei com três ou quatro professores diferentes o que me tornou um lutador mais flexível e mudou o meu modo de luta.

 

Quais foram três internacionalizações que fez e como correram?

IG Tinha 16 quando fiz a minha primeira viagem e o destino foi a Holanda, sendo que na altura já estava a tentar profissionalizar-me. Estive lá cerca de 7 dias e deparei-me com uma realidade de Jiu-Jitsu completamente diferente daquele que tinha na altura em Portugal. Antes da viagem para a Holanda costumava treinar cerca de 4 a 5 vezes por dia e quando lá chegou passei a treinar cerca de 3 a 4 vezes por dia. Fui lutar o campeonato lá e, curiosamente, foi a primeira vez que o meu pai me viu a lutar. A primeira luta que fiz foi contra o antigo campeão holandês e venci, sendo que ganhei a segunda luta e consegui o 1.º lugar no pódio.

Em 2016 voltei a competir na Alemanha e em Londres, na categoria dos 64kg. Na Alemanha participei em duas competições, uma com kimono e outra sem kimono, e consegui o 2ºlugar na competição sem kimono, depois de perder a segunda luta. A segunda luta foi quase como uma luta de sonho, uma luta muito em pé, sempre a tentar levarmo-nos um ao outro para o chão, no entanto acabei por perder, ficando em segundo lugar, mas sai de lá bastante contente porque sabia que não estava na minha melhor forma naquele peso.

Em Londres a experiência já foi bastante diferente, pois tanto para a Holanda como para a Alemanha tinha viajado sozinho, e desta vez fui com mais colegas meus da academia, mas acabei por perder a luta nos quartos-de-finais contra o antigo campeão inglês e fiquei em 3.º lugar.

 

Quando voltaram a surgir os títulos de Campeão Nacional?

IG Estive três campeonatos sem conseguir ganhar o 1.º lugar, ou seja, no Campeonato Nacional de 2012, 2013 e 2014. Por norma, competia na categoria dos 64kg e comecei a pensar em mudar de categoria, mas subir para um peso superior não podia, porque nunca conseguia atingir o peso suficiente, então pensei em perder peso e lutar numa categoria mais baixa.

Na altura lutava nos 64kg e decidi lutar na categoria de 58kg, o que ainda era uma diferença de peso grande e foi bastante difícil. Decidi começar uma dieta rigorosa, sempre acompanhado por um nutricionista e custou-me muito. Normalmente, acordava às 5h da manhã para ir correr, chegava da corrida comia e ia treinar, andava muitas vezes mal-humorado e a minha vida, durante essa altura, baseava-se em treinar e perder peso. Treinava constantemente e quando cheguei ao Nacional de 2015 fiz aquilo que não fazia desde 2011, que foi ganhar o 1.º lugar da categoria dos 58kg, com cerca de 3 lutas, tornando-me assim campeão nacional. Ao fim de 3 campeonatos sem ganhar o primeiro lugar foi uma lufada de ar fresco.

Após o Campeonato Nacional de 2015, fui lutar o Campeonato Europeu que é realizado cá em Portugal, durante cerca de 5 dias. Aproveitei a minha descida de peso e um patrocínio que consegui para lutar, mas entre o Campeonato Nacional e o Europeu lesionei-me numa costela e fui lutar quase sem treino nenhum. Apesar de lesionado, consegui ficar em 3.º lugar, o que foi muito bom, foi a primeira medalha de um Europeu na minha academia.

 

Como foi alcançar o bicampeonato?

IG Em 2016 fui lutar novamente o Campeonato Nacional, mas, comparado com os anos anteriores, passei o verão inteiro parado e o único desporto que fazia era natação. Só voltei aos treinos de Jiu-Jitsu no final do verão e fazia cerca de 2 a 3 treinos por dia para me preparar para o nacional. Não me sentia nada confiante nem preparado para o campeonato, achava que faltava qualquer coisa, mas felizmente acabei por ganhar as três lutas que fiz, na minha categoria, que foi a dos 64kg, e consagrei-me assim Bicampeão Nacional. A sensação de renovar o título foi ótima e tive o apoio da minha família sempre nas bancadas a torcer por mim.

Durante o ano de 2017 tive algumas lesões que me impediram um pouco de treinar, mas mesmo com essas complicações fui lutar ao Nacional e consagrei-me Campeão Nacional na categoria dos 70kg. Foi um orgulho enorme, ao fim de três anos sem subir ao primeiro lugar e depois estar três anos seguidos a ser campeão em três categorias diferentes e poder ver a minha evolução, o meu esforço e dedicação a serem recompensados e valorizados. Uma coisa que aprendi com os segundos lugares é que as finais são para ganhar.

 

Para além do Jiu-Jitsu pratica outra modalidade?

IG Sim. Com a ida de um dos meus professores para o Benfica, surgiu-me a ideia de experimentar algo novo e inicializei-me no Kickboxing, no Boxe e no Muaythay. Comecei a ir com ele para o ajudar numa aula ou outra e decidi experimentar, começar a lutar em pé. Uma das principais dificuldades é transformar os lutadores de pé em lutadores de chão sendo que eu já era um bom lutador de chão e tinha um espírito persistente, o que ajudava. Durante cerca de um ano treinei só boxe e depois comecei também a fazer treinos de Muaythay e Kickboxing, sendo que nunca parei os treinos de Jiu-jitsu. Infelizmente nunca competi em nenhuma destas modalidades, mas espero realizar no futuro, tanto numa destas modalidades como nas Artes Marciais Mistas (MMA).

 

Texto: Adriana Santos

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