Olhar um livro por dentro

“O livro é para comer, é para saborear”. É a ideia geral transmitida por alguém que tem cerca de 12 000 livros na sua biblioteca pessoal, Fernando Lopes, professor há 34 anos na Escola Superior de Educação de Viseu na área científica de Português.

Por Carla Ferreira, Inês Figueiredo, João Pedro Micaela

A propósito do Dia Mundial do Livro que se comemora hoje, dia 23 de abril, fomos ouvir um dos maiores apaixonados por livros, um “amante de livros” como o próprio gosta de se autointitular. “O livro é uma coisa muito preciosa, ler faz muito bem, limpa a alma. É um objeto de prazer, de arte, para além do próprio pragmatismo inerente. É um objeto mágico e polivalente”, sublinha Fernando Lopes.

O professor sugere que temos de olhar para dentro do livro, olhar para as suas fibras como se de um coração se tratasse e senti-lo, sentir o seu pulsar, entrando na vida do livro. “É um pulsar, que também dá uma pulsão erótica, ou seja, uma relação quase erótica, amorosa entre o leitor e o texto e esse prazer, esse êxtase tem de acontecer naturalmente porque é o prazer que nós temos de vermos ali no livro o mundo alternativo, que o mundo empírico não nos dá”, acrescenta.

Fernando Lopes raramente passa um dia sem ler, pelo menos, 2 horas. Se não o fizer não se sente bem e chega a afirmar que “parece que nem tomei banho nesse dia”. No entanto, como apaixonado assumido que é, de vez em quando, gosta de ler um bom romance durante 6 a 8 horas. 

Confessa que gasta quantias significativas em livros e alfarrabistas, o seu “bom vício é uma das prioridades na vida” como o próprio afirma, a prenda ideal. Não gosta de e-books, apesar de fazer algumas leituras no digital, gosta de sentir o livro, gosta de cheirá-lo, tocá-lo, palpá-lo, e ao mesmo tempo sublinhá-lo com um lápis que tem sempre por perto.

Como referiu anteriormente, “os livros são para comer, mas para comer eu tenho de ver a substância e a substância são as páginas. Digitalmente não se come nada, ou come-se muito mal”, afirma Fernando Lopes. O docente reconhece que atualmente as pessoas leem pouco, sobretudo, os portugueses, pois o crescimento da Internet e as redes sociais vieram tirar protagonismo aos livros. Os preços dos livros em Portugal também não são os mais agradáveis, em particular, o preço do livro infantil, muito por culpa da edição e das ilustrações.

No seu entender, atividades como tertúlias, leituras públicas, leituras exploratórias, partilha de livros, seminários, jogos, constituem um leque de possibilidades muito vasto com vista à promoção de hábitos de leitura, um papel que cabe, nomeadamente, às escolas e também às bibliotecas. No fundo, é “dar a provar o livro, para que a pessoa depois procure aquele alimento”, refere o professor.

Considera o Plano Nacional de Leitura um projeto de referência na área da promoção da leitura em Portugal, bem como as próprias redes sociais. “Eu como professor de Literatura uso muito as redes sociais para falar de livros”, assinala Fernando Lopes.

Na data em que se comemora o Dia Mundial do Livro, com origem na Catalunha no ano de  1926 e com o objetivo de estimular uma reflexão sobre a leitura, a indústria dos livros e a propriedade intelectual, o professor partilhou duas histórias curiosas vividas com dois escritores de renome.

A primeira com António Lobo Antunes aquando da sua visita a Viseu e no momento em que lhe pediu para autografar um manuscrito da sua autoria, em que Lobo Antunes não assina por considerar que representava uma relíquia sem a sua assinatura, e que mesmo sentindo a tentação de lho pedir, referiu que Fernando Lopes merecia o manuscrito mais do que ele.

A outra história inclui José Saramago que, após ouvir uma crítica do professor sobre uma obra sua numa palestra, lhe referiu o quanto tinha aprendido com ele sobre o seu próprio livro naquele dia.

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