Festa do Emigrante: a mais antiga festa do município da Murtosa

É no Cais do Bico, um dos locais mais emblemáticos do concelho da Murtosa, em pleno “coração da Ria de Aveiro”, que se realiza a tradicional “Festa do Emigrante”, normalmente, no primeiro fim de semana de agosto. É um evento organizado pela Câmara Municipal da Murtosa, que foi pensado como uma forma de homenagem aos milhares de emigrantes murtoseiros, numa altura em que muitos regressam à sua terra natal, para uma visita em tempo de férias.

Por Margarida Fidalgo

Domingas Cardoso, presidente do núcleo da Fraternidade Nuno Álvares (FNA), afirma que está à frente da coletividade mais antiga a participar neste evento e que este tipo de atividades lhe dão um gosto e uma alegria especiais.

Apesar de ser uma pequena festa típica da terra, este núcleo conta com cerca de vinte colaboradores e com mais duas jovens que, embora não pertençam à coletividade, ajudam ano após ano, “pois o espírito de entreajuda e o bicho do escutismo correm-lhes nas veias”, sublinha a presidente do núcleo. O facto de ser realizada durante dois dias faz com que mais gente se desloque ao local e, por isso, esta coletividade atende cerca de duzentas a duzentas e cinquenta pessoas para refeições e cerca de quinze a vinte só vão para buscar as famosas filhoses.

Grupo de colaboradores do núcleo da FNA

A ementa idealizada conta com picadinho, chouriça assada e moelas para entradas; rojões, febras, feijoada e sopa da pedra como pratos principais; filhoses doces para sobremesa e café para finalizar a refeição. Quando questionada se haveria alguma coisa que atraísse os clientes para esta coletividade e não para outra, a presidente revelou que efetivamente existe: as filhoses. “As filhoses são, sem dúvida, o nosso “best-seller”, conta. São feitas unicamente por uma das membros, pois contém um segredo de família que ela jamais revelará”.

É necessária alguma preparação para que tudo corra na perfeição e, apesar da festa só ter início no sábado pela hora de jantar, os preparativos têm início na sexta-feira e Domingas conta todo o processo. “Na sexta-feira, depois de almoço, juntamo-nos todos na sede do núcleo para fazer as tarefas mais ligadas às refeições, como cortar a carne, descascar os legumes, começar a confecionar alguns pratos, etc. No sábado de manhã, a maior parte dos escutistas homens vão para o Cais do Bico montar toda a estrutura da nossa banca e os restantes continuam os trabalhos começados na tarde anterior”, explica Domingas Cardoso. Contudo, a responsável também acaba por confessar que “apesar de ser todo um “andar para trás e para a frente”, cria-se um espírito de equipa e de entreajuda muito grande, pois estão ali todos para o mesmo e a fazer uma coisa que lhes dá muito gosto e prazer.

Os “comes e bebes” são o que mais atrai a população, mas as regatas, tanto de bateiras à vela como de moliceiros, também acabam por chamar ainda mais gente. “As pessoas da terra já têm este evento no calendário anual, por isso acabam sempre por ir. As regatas chamam sempre mais população, naturalmente toda a gente quer ver e apoiar os seus favoritos em ambas as corridas e os concertos também, quem não gosta de dar um pézinho de dança?”, questiona. Este tipo de eventos é uma ótima maneira de dinamizar o município, não só por acolher outras pessoas que não são da terra, mas também por já ser um evento muito antigo que se repete anualmente, o que faz com que as pessoas saibam que naquele fim de semana podem ir até ao Cais do Bico festejar e conviver.

Assim, no próximo ano a festividade está de regresso e a presidente diz que a planificação ainda não começou, uma vez que reúnem todos os meses e existem outras festividades que se realizam antes, acabando por ficar esta em “standby” até meados de abril. No entanto, revela que as expectativas são muito altas: “Na última festa tivemos uma grande adesão por parte das pessoas e sentimos um fluxo muito maior, devido, em grande parte, à pandemia que não possibilitou a realização da mesma durante 2 anos. Por isso, nesse ponto as expectativas são altas naturalmente. Em relação aos pratos, vamos variando e tentamos todos os anos incluir alguma coisa diferente, mas os rojões, as febras, a famosa sopa e as típicas filhoses nunca saem da ementa! Quanto aos membros, somos poucos, mas somos bons, como se costuma dizer. Não entrou ninguém e também ninguém saiu, por isso, acredito que o número se mantenha o mesmo”, explica.

“Todo o esforço vale a pena”

Sobrinha do pescador mais antigo da Murtosa, Domingas Cardoso confessa que esta relação familiar lhe dá uma “motivação extra para organizar todo o pessoal e continuar a participar nesta festa que traz sempre consigo as típicas regatas de bateiras à vela e de barcos moliceiros”, pois toda a sua família é murtoseira e sempre esteve ligada à pesca e à ria, o que fez com que sempre estivesse em contacto, em particular, com o barco moliceiro.

Este evento exige muito esforço e tempo por ser uma tarefa extra emprego e organizar o “staff” também não é tarefa fácil, mas no fim “todo o esforço vale a pena” porque são todos “filhos da terra”, todos trabalham para “manter vivas estas tradições tão bonitas que proporcionam memórias igualmente belas e que ficam guardadas em cada um de nós”, afirma Domingas Cardoso.

O grupo tem um ritual muito interessante e emocionante no fim de cada atividade: “Formamos todos uma roda, damos as mãos cruzando os braços e cantamos a “Canção do Adeus”. É uma cantiga típica escutista e que é cantada no fim de cada atividade, como forma de encerramento mais séria e que evita dizer simplesmente “até amanhã” e cada um seguir para o seu caminho. Acho muito bonito e fazemos questão de a cantar sempre, anos após ano”, assegura.

Domingas Cardoso remata destacando o refrão dessa mesma música: “Partimos com a esperança irmãos, De um dia aqui voltar, Com fé e confiança irmãos, Partimos a cantar”.

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