“A cultura não é uma despesa, é um investimento”

Cada vez mais jovens de todo o país tentam lançar-se no mundo das artes e da cultura, para muitos isto pode ser uma aventura e um grande desafio. Por vezes para estes jovens ser de uma cidade do interior como Viseu pode surgir como uma condicionante ao sucesso. “Infelizmente o interior continua a ser uma condicionante para as artes e para o espetáculo e a oferta cultural é diminuta poderia e deveria ser muito mais alargada”, alega Pedro Pontes cidadão de Viseu quando questionado sobre a matéria.

Reportagem de Ana Margarida Alves

João Morais, conhecido artisticamente apenas pelo seu último nome é um jovem viseense que começou recentemente a lançar-se no mundo da música. “Comecei por gravar vídeos para os instastories a fazer covers apenas com o telemóvel, e a partir daí comecei realmente a crescer sem medos, até que consegui lançar o meu primeiro single, que saiu há cerca de 4 meses” conta o cantor.

Morais na Receção ao Caloiro 2022 (Foto: iamkrashdotcom)

Para Morais, a cultura portuguesa tem um forte valor. “Faço música, mais propriamente R&B português, também canto noutras línguas, mas a minha principal é mesmo a língua portuguesa, é importante dar valor à nossa música e à nossa cultura”, afirma. O artista teve o seu primeiro contacto com a música ainda bem pequeno, mas durante anos teve medo de revelar esta sua faceta. Atualmente conta com três músicas de sua autoria lançadas e participação em eventos como a Receção ao caloiro Viseu, Programa “Manhã Cm” e o evento TedXesev 2023. Tenciona, ao longo do ano de 2023 lançar o seu EP: “em princípio serão sete músicas e está previsto ser lançado até ao mês de maio/junho”.

Apesar de adorar Viseu e de ter todo o interesse em crescer dentro da sua cidade, o artista lamenta a falta apoios por parte das entidades responsáveis. “Viseu é uma cidade que não dá muito apoio aos artistas locais gostava que realmente fosse dado mais apoios municipais”, lamenta. “Se estivesse em Lisboa ou no Porto se conhecesse a mesma quantidade de pessoas se calhar já estaria noutro patamar”, refere Morais.

Exemplificando com o festival “jardins Efémeros”, o artista defende que seria importante “apostar um bocadinho mais nos artistas locais e não só naqueles que já tem o nome construído e que vivem da música”. Morais sente que “Viseu está a evoluir em muitos aspetos, mas está um bocadinho parado no tempo no que toca ao apoio à cultura”.

EIXO CULTURA quer apostar na geração emergente

Viseu conta com um projeto de investimento por parte da Câmara Municipal denominado “Eixo Cultura”. Este projeto “reúne um conjunto de medidas que visam a definição de uma programação abrangente nos domínios da criação, produção, programação, difusão, formação e edição, que conta com 4 eixos de intervenção de diferentes âmbitos”, explica a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Viseu, Leonor Barata.

A vereadora destaca o eixo 4, denominado “Emergentes”, que se destina especificamente “a uma nova geração de criadores” e que “pretende apoiar o primeiro projeto de artistas ou projetos de artistas com idade igual ou inferior a 30 anos, em diversas vertentes das artes performativas como música, teatro, dança, cinema e multimédia; circo contemporâneo; artes plásticas e fotografia; artes de rua; literatura; entre outras”.

As candidaturas terminaram em novembro e esta iniciativa do município disponibiliza um apoio no valor de cerca de 800 mil euros para o ano 2023, dos quais até 460 mil para novos projetos. “Renovam-se as oportunidades para que os agentes e promotores culturais do nosso concelho possam concretizar os seus projetos. Também a autarquia renova o seu compromisso, disponibilizando financiamento municipal para apoiar a Cultura e as Artes”, afirmou o presidente da Câmara municipal de Viseu, Fernando Ruas, na altura de abertura do concurso.

Leonor Barata, vereadora da cultura do Município de Viseu

Leonor Barata defende que Viseu é uma cidade propicia ao crescimento e desenvolvimento de artistas. “Viseu é a melhor cidade para viver e o Município tem ativado uma série de medidas de apoio ao crescimento e ao desenvolvimento do setor cultural”. Para a vereadora, “o Município é, acima de tudo, uma entidade facilitadora dos projetos culturais de Viseu. Proporciona apoio financeiro e não financeiro do ponto de vista de comunicação, por exemplo, através da cedência de plataformas e estruturas de comunicação como posições de mupis e de outdoors, para além de disponibilizar lugar para estes projetos nos seus canais digitais”.

“Eu fico em Viseu, porque acredito”

José Pereira de 28 anos mais conhecido como “Zé Mágico” é um ilusionista residente em Viseu há cerca de 10 anos. Candidatou-se ao “Eixo Cultura” com um projeto que visa criar um festival de magia em Viseu. “É uma ideia que já tinha desde o ano passado, mas este ano aproveitei com mais tempo e maturidade para a submeter”, adianta.

O jovem teve o seu primeiro contacto com a magia e o ilusionismo ainda em criança, “através de um programa de televisão, o mágico da máscara, que dava na SIC”, conta. “Fiquei curioso, porque dos truques que ele explicava só um dava para fazer, porque os outros eram grandes ilusões, coisas como desaparecer aviões, embora ele explicasse não dava propriamente para tentar fazer aquilo. Então do programa só um era possível e era isso que eu aprendia todas as semanas”, recorda.

Apesar desse contacto, apenas ao conhecer um professor de karaté que fazia truques deu realmente asas a este seu lado artístico. “Ele sabia alguns truques e depois também dedicou algum tempo a ensinar-me e eu dedico mais tempo à arte do ilusionismo e desde aí até ao final de licenciatura eu fui aprendendo truques e fazendo espetáculos”, acrescenta.

Zé Mágico

Zé Mágico vê verdadeiro potencial em Viseu, a nível cultural, pois explica que esta que foi a cidade que o apoiou a ajudou a crescer, algo que aconteceu durante o mandato do anterior presidente, Almeida Henriques, e com o vereador da Cultura, Jorge Sobrado. “Tudo começou quando conheci o Jorge Sobrado, num festival literário com um encontro de vinhos. Eu fui atuar e a partir daí criou-se um elo. O facto de eu ter acompanhado Viseu na bolsa de turismo, entre outros eventos, permitiu-me conhecer um leque de pessoas que eu nunca conseguiria abranger e que mais tarde vem a revelar-se muito importante no meu desenvolver enquanto artista”, recorda o ilusionista.

“Eu fico em Viseu porque acredito, a cidade tem um potencial enorme a nível cultural. Se virmos por exemplo a nível teatral, neste momento temos cerca de seis a sete companhias, qualquer outra cidade tem uma ou duas, mas Viseu tem pelo menos sete, o que é fantástico”, diz Zé Mágico. “Sou um indivíduo integrado na sociedade, e quero com isto dizer que também vejo coisas, ou seja, de nada me adianta ser só eu ou um núcleo reduzido de pessoas a ser apoiados, acho que tem de haver uma grande multidisciplinariedade, porque se eu não tiver coisas para ver, não tiver workshops para fazer, se não tiver com o que me alimentar culturalmente, também não tenho grande interesse em viver nesta cidade” conclui.

“O crescimento enquanto artista, tem a ver com a ambição da pessoa”

Entre os cidadãos as opiniões sobre a aposta na cultura na cidade de Viseu são variáveis e muitos defendem que algo parece continuar a falhar para tornar Viseu a cidade ideal para a evolução dos artistas. “Eu acho que como uma cidade do interior tem muito para dar, a verdade é que por vezes a questão cultural é um bocadinho relativizada pelas entidades que deviam promover”, comenta Joana Santos, cidadã de Viseu.

Ana Oliveira, brasileira residente na cidade, considera que “Viseu parece não ser tão desenvolvido assim a nível cultural”. Ao #dacomunicação esclareceu que existem menos festas e eventos culturais do que em outras cidades, o que pode “impactar a carreira dos jovens artistas”.

Sobre a cidade poder ser uma condicionante, Daniel Francisco tem uma opinião semelhante: “o facto de serem de Viseu não impede que eles saiam de Viseu. Agora o que posso dizer é que em Viseu não acho que existam grandes eventos a promover artistas locais”.

“O crescimento enquanto artista, tem a ver com a ambição da pessoa, ser de uma certa cidade não é limite nenhum. Depende sempre se a pessoa é ambiciosa e quer crescer, até que ponto a pessoa esta disposta a ir para desenvolver a sua careira”, afirma Miguel Rodrigues, jovem viseense.

A concordância mantém-se sobre o potencial da cidade e os cidadãos concordam que talvez o problema seja a forma como está a ser feito o investimento, ou a falta de divulgação do mesmo.

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