Inflação. “Está impossível viver no nosso país”

Portugal é um dos países que mais sofre com o aumento dos preços. Muitas famílias permanecem em silêncio com esta problemática e escondem as dificuldades que estes tempos acompanham. As instituições de solidariedade social estão sobrecarregadas com os pedidos de ajuda para comer e vestir.

Reportagem de Joana Barros

Seis da tarde em Aveiro na casa de Rosa Pinho. Mãe, doméstica e muito trabalhadora, é assim que se vê. Aproxima-se a hora de preparar o jantar para todos. Rosa Pinho, dirige-se aos armários da cozinha, abre-os e traz de lá um pacote de massa. Das poucas coisas que ainda lhe restam. “É complicado manter uma família. Neste momento, a casa é nossa, mas se não fosse, provavelmente não conseguíamos pagar renda. Está impossível viver no nosso país”, diz a própria.

Segundo dados disponibilizados pelo INE, a média anual (2022) da taxa de inflação em Portugal foi de 7,8%, tendo sido o valor mais elevado desde 1992. Já a taxa de inflação anual na zona euro, apresentada pela Eurostat, regista 9,9% no mês de novembro, tendo descido 0,7% face ao mês anterior.

Relativamente aos produtos alimentares não transformados, que em 2021 registaram uma variação anual de 0,6%, em 2022, sofreram um aumento de preços para 12,2%. Um pacote de massa que em 2021 custava 32 cêntimos, passou a custar 65 cêntimos em 2023.

Mesmo com o aumento do salário nacional para os 760€, os portugueses acreditam que não é suficiente para fazer face a todas as despesas. “Uma pessoa com 20€ não traz nada no saco”, garante Rosa Pinho.

Mais pedidos de ajuda

Nas ruas cidade de Viseu o aumento dos preços nos bens alimentares está entre as maiores preocupações da população, pelo que mudar hábitos financeiros e poupar passaram a ser mais relevantes. Juliana Lobo, acredita que estabelecer um valor no supermercado é importante. Já Beatriz Trindade, mostra como faz: “O primeiro passo é definir um valor que quero poupar nesse mês, o segundo passo é estipular um valor que posso gastar semanalmente durante esse mês, e o terceiro passo é cumprir os outros”.

Estas poderão ser algumas estratégias a adotar para não recorrer às poupanças e sobreviver a esta crise inflacionista e energética que se prevê que piore ainda mais. Manuela Alberto, técnica da Cáritas Diocesana de Viseu e responsável pelo atendimento social, também sente o quanto a inflação afetou a instituição. “O facto de a inflação estar a aumentar e o custo de vida das pessoas ser mais difícil, há mais pessoas a procurarem-nos e há mais pessoas a pedirem-nos ajuda”, garante a própria.

Manuela Alberto, técnica da Cáritas Diocesana de Viseu

O aumento acentuado dos preços de bens alimentares teve muito impacto nas famílias, sobretudo as de menor rendimento. Para além de se refletir no poder de compra das mesmas, também afeta a capacidade de investimento e poupança. “A procura de pessoas no nosso atendimento é maior porque as pessoas deixaram de ter tanta capacidade de compra”, afirma Manuela Alberto.

Somando o impacto da inflação ao desemprego, a situação pode ser ainda mais complicada. Em outubro de 2022 registou-se uma taxa de desemprego de 6,1%, já no mês seguinte houve uma subida significativa de 0,3%, de acordo com o Eurostat.

Isabel Baptista, mãe e desempregada, expressa o seu ponto de vista: “infelizmente o que ganho de fundo de desemprego não me chega para fazer face a todas as despesas. Mesmo com o ordenado do meu marido, o dinheiro não chega para tudo e cada vez temos de fazer mais escolhas”.

Seis em cada dez portugueses estão pior

Também para os comerciantes, estes têm sentido um grande impacto nos lucros obtidos principalmente pelos preços praticados pelos fornecedores e uma quebra acentuada nas vendas. “Tenho sentido muito a inflação desde o início da pandemia, início da guerra. Desde aí que recebemos tabelas dos fornecedores, semana após semana, com aumentos de preços. Houve sim uma subida muito elevada, mas nem sempre justificada pelos motivos reais”, assegura Ana Casimiro, gerente da loja Babybloom.

Ana Casimiro, gerente da Babybloom

Segundo um estudo realizado pelo European Consumer Payment Report 2022, promovido pela Intrum, seis em cada dez portugueses estão pior financeiramente do que no ano de 2021. Este cenário de instabilidade económica e de incerteza geopolítica obscureceram as perspetivas de crescimento futuro, fazendo com que os consumidores se sintam ainda mais inseguros relativamente às despesas do que na altura da pandemia.

Dada a redução do poder de compra, a situação dos portugueses pode também vir a piorar pelo difícil acesso aos créditos de habitação, à dificuldade em adquirir produtos, bens ou serviços que sofreram aumentos na inflação. É ainda de frisar que as taxas de juro começaram a subir, tendo estas juntamente com o crédito à habitação impacto direto na procura de aquisição de casas.

Por outro lado, dada a subida dos valores praticados no arrendamento, a compra de casa torna-se na opção mais vantajosa e viável, apesar dos bancos já não financiarem a totalidade do imóvel. Ricardo Pina, diretor da agência Remax Dinâmica de Viseu, apresenta uma solução para pessoas que não têm poupados os 10% para a entrada da compra da casa: “O arrendamento com opção de compra permite alargar o prazo da escritura, fazendo um plano de pagamento de rendas, em que depois, determinada percentagem das rendas deduz no montante final”.

Ricardo Pina, diretor da Remax Dinâmica de Viseu

As medidas anunciadas pelo governo para dar resposta ao aumento dos preços e apoiar as famílias como os 125€ por pessoa com rendimento bruto até 2700€, a redução do IVA para 6%, a limitação da atualização das rendas, 0% no aumento do preço dos transportes, entre outros, parece não chegar para quem compra e vende pelo dobro do preço.  

O endividamento poderá ser uma tendência nos próximos tempos e se há dois anos as famílias tinham oportunidade de poupar, este ano, o abalo nas finanças dos portugueses é muito negativo. Mesmo com objetivos traçados para gerir as contas e poupanças de cada um, economizar dinheiro em tempo de inflação não é uma tarefa nada fácil. Insatisfeitos com as medidas de apoio, os portugueses contam que até ao final do ano, a inflação não lhes dê descanso.

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