Rua Direita: “Estamos a atravessar um mau momento”

A Rua Direita, em Viseu, tem muitas histórias para contar. Durante anos foi um dos únicos locais de comércio existentes na cidade, no entanto atualmente tudo mudou. Os lojistas sentem falta da movimentação, as ruas vazias marcam negativamente este espaço.

Reportagem de Miriam Gonçalves

Fernanda Conceição, 68 anos, abriu a loja na Rua Direita no final dos anos 60. Os tempos eram outros, as pessoas quase não tinham espaço para se movimentar pelas ruas. Conhecida como “Nandita”, recorda-se do passado com um sorriso na cara e vive o presente com expectativa que alguém entre na loja.

Fernanda Conceição, lojista na Rua Direita

“Os lucros antigamente eram maiores, agora entrar cá uma pessoa é muito raro”, afirma Fernanda Conceição. Mantém a sua loja na rua com o objetivo de dar movimento à mesma e não ter o desgosto de ver “tudo parado”. O seu espaço continua igual desde há anos, algumas prateleiras estão cheias de ar, porque a motivação para evoluir já não existe.

Apesar de todos os dias praticamente só se ouvir o barulho das moscas neste lugar, o amor pelo negócio percorre as inúmeras gerações. Neste momento, a parte da família mais idosa encontra-se sem capacidade de frequentar a loja e com o objetivo da fazenda não perder o brilho, Fernanda Conceição permanece à frente da mesma. A esperança da sua filha continuar o negócio é praticamente nula, os interesses dos mais jovens estão bem longe da Rua Direita.

Segundo a lojista, a melhor forma de dinamizar a rua seria criar outras lojas que atraíssem as pessoas. Na época do Natal existem algumas iniciativas, no entanto não é possível sobreviver apenas nessa altura, são necessários projetos durante o resto do ano.

Loja Nandita, na Rua Direita

Ao percorrer a rua existe sempre música de fundo, uma guitarra antiga e uma voz harmoniosa acompanham os passeios das pessoas. Também é possível observar diferentes tipos de comércio, no meio de restaurantes e ourivesarias encontramos roupas, chapéus e outros acessórios mais tradicionais.

As rendas não podem continuar tão altas

Maria de Lurdes Correia, mais conhecida por Marilú, trabalha como lojista desde os 16 anos e abriu o seu primeiro estabelecimento na Rua do Carmo, uma zona pouco movimentada. Algum tempo depois mudou-se para a Rua Direita.

“Estamos a atravessar um mau momento, as rendas estão caras e por isso é que as lojas estão a fechar, precisamente porque os donos dos prédios não diminuem a renda, as pessoas não se aguentam e vão embora. A Rua Direita melhorou há 7 anos, agora não, hoje está cada vez pior que a Rua do Carmo”, relata.

Maria de Lurdes Correia abriu a sua loja aos 16 anos

As gerações mais jovens não procuram sapateiros, nem os típicos chapéus antigos, a maior parte nunca passou para conhecer a rua e não apresentam interesse nos negócios mais antigos.

“Não é apelativo o que está na Rua Direita, porque os donos dos estabelecimentos são idosos e a rua deixa de ter vida. O povo começou a ir aos centros comerciais e o mercado aqui desvalorizou-se. As pessoas têm de ir ao centro comercial, porque aqui não há”, revela Maria de Lurdes Correia.

Segundo a comerciante, abrir uma loja dentro do shopping está fora de questão, além dos preços elevados, o seu foco está no comércio tradicional. Apesar da rua cada vez perder mais movimento, o seu coração pertence ao estabelecimento Marilú.

Interior do estabelecimento Marilú

Mercado de Natal trouxe mais afluência

Ana Verónica, Elsa Lopes e Catarina Dias são diretoras do negócio “Portugal Encantado”, uma iniciativa que esteve presente na Rua Direita entre 8 de dezembro e 8 de janeiro pelo terceiro ano consecutivo. As diferenças no lucro não foram notórias e as colaboradoras declaram que devido à animação encontram-se algumas famílias a passear.

“As pessoas andam mais na rua por causa da época natalícia, agora notou-se mais afluência, devido ao Mercado de Natal e ao pai natal. Nos anos anteriores as pessoas passavam na mesma, porque sabiam que estava aqui o mercado e saiam para passear”,relata Ana Verónica.

Ana Verónica, Elsa Lopes e Catarina Dias

Segundo Ana Verónica, a iniciativa é uma forma de a Câmara Municipal de Viseu impulsionar e tentar cativar as pessoas a visitarem a Rua Direita. O objetivo é dar vida à mesma e trazer público para a cidade de Viseu, na medida em que o comércio nesta zona se encontra abandonado.

“Sendo algo virado para um artesanato mais moderno acho que faz sentido ser aqui”, revela Catarina Dias. As pessoas que se deslocam para o shopping procuram peças mais rápidas de consumir, não valorizam o autor e as peças feitas à mão, enquanto neste espaço é procurado o oposto.

Produtos da ilustradora Ana Verónica

De acordo com o presidente da Câmara Municipal de Viseu, Fernando Ruas, o Natal é considerado uma tradição com um forte relevo para a população da terra de Viriato. Nesta altura, o aumento dos turistas é notório em aspetos como a hotelaria e as reservas que conseguem alcançar. “Acompanhamos esta época com uma grande programação, desde termos colocado a Casa do Pai Natal na Rua Direita, até espalharmos o nosso Mercado de Natal entre o Rossio e a Rua Direita, com o objetivo de dinamizar o comércio local”, afirma o autarca.

“As realidades são diferentes de há 20 anos”

Ao caminhar pela Rua Direita é possível observar jovens a caminho da escola, bem como pessoas com mais idade que passeiam por ali há mais de 50 anos. Tânia Sofia, 39 anos, não passava por este lugar há sensivelmente um ano e em conversa com o seu marido decidiram apoiar os negócios locais em vez de se dirigiram aos grandes centros comerciais. No entanto, é notório um arrependimento nesta escolha.

“A Rua Direita tem perdido o valor, não culpo a Câmara, não culpo o Governo, não culpo nada disso. Culpo unicamente os próprios comerciantes que lá estão, em que verificamos as mesmas montras de há 15 anos, montras completamente sujas, descuidadas, praticamente fechadas. Não sei porque é que continuam abertas”, afirma Tânia Sofia.

Desiludida com o estado da rua e com aquilo que os seus olhos observaram, descreve apaixonadamente a antiga Rua Direita. “Encontrávamos brilho nas montras, caras felizes aos receberem os clientes, agora é tudo diferente, à medida que os lojistas envelhecem o seu humor não é o mais animado, o estado da arquitetura lá presente é cada vez mais decadente e os dias tornam-se lamentáveis”, refere.

Na época do Natal a Câmara Municipal de Viseu colocou a casa do Pai Natal nesta rua, com o objetivo de atrair mais visitantes e apoiar a cultura. “Não ia ninguém às lojas porque estava tudo fechado, não sei porque é que ainda insistem na Rua Direita”, revela João Lopes. “É uma cidade de turistas e as realidades são diferentes de há 20 anos”, acrescenta Tânia Sofia. “Ninguém pode fazer senão eles, nós tivemos aqui o exemplo deste ano em que foram muitos expositores, eu pensava que ia estar tudo diferente, mas se olharmos à nossa volta, nada mudou”, remata Tânia Sofia.

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