Covid-19: A Cultura em tempos de pandemia

“Aos 25 anos e com uma vida já estruturada de forma independente, vi-me forçada a voltar para casa dos meus pais e ficar lá durante quatro meses. Não tinha outra forma de sobreviver”

Joana Sarabando, atriz

Reportagem de Ana Filipa Santos

Joana Sarabando, 25 anos, atriz. Foi mais uma, num universo de tantos outros, que ficou, de um dia para o outro, impedida de trabalhar e sem qualquer tipo de proteção social. “Parei por completo durante quatro meses. Num mercado laboral extremamente precário, com trabalho sazonal, salários extremamente baixos e falta de contratos de trabalho… Foi muito fácil vermos negado qualquer tipo de proteção social ou acesso a subsídios. O governo falava em subsídios e apoios mas, na maioria das vezes, não conseguíamos chegar até eles porque diziam que não cumpríamos as condições de recurso”.

Joana Sarabando (fotografia de Carlos Gomes)

As consequências da pandemia de covid-19 foram sentidas um pouco por todo mundo, e foi o setor da cultura, um setor por defeito instável e com condições precárias, um dos mais afetados. Com eventos cancelados, instituições culturais a serem encerradas e práticas culturais suspensas, instalou-se uma crise sem precedentes no setor cultural.

No resumo dos dados que o Instituto Nacional de Estatística (INE) disponibiliza, pode ler-se que “em 2020, o número de sessões de espectáculos ao vivo reduziu-se em 59,6%; foram vendidos menos 76,8% de bilhetes; verificou-se um decréscimo de 85,1% no número de espectadores e de 80,1% nas receitas de bilheteira, a que correspondeu uma diminuição de 100,4 milhões de euros relativamente a 2019”. Não resta margem de dúvida: o setor cultural enfrenta uma crise sem precedentes por conta da pandemia de Covid-19 da qual será muito penoso sair.

A evolução foi rápida: de um vírus desconhecido que, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, teria uma baixa probabilidade de propagação humana, passamos para uma pandemia de COVID-19 que, no final do primeiro semestre de 2020, já tinha contaminado mais de dez milhões de pessoas e provocado mais de meio milhão de vítimas mortais. Por forma a conseguir fazer face à pandemia, o governo viu-se na obrigação de adotar um conjunto de medidas para tentar conter da sua evolução.

O problema foi que essas medidas imobilizaram, quase na totalidade, todos os intervenientes da indústria cultural – atores, bailarinos, encenadores, músicos, maestros, entre tantos outros, viram-se forçados a parar de trabalhar por tempo incerto. Esta imobilização levou a sucessivos cancelamentos de eventos, o que resultou em prejuízos avultados. As artes performativas, com perdas de 90%, foram as mais afetadas.

Ainda por conta dos cancelamentos de eventos em massa, verificou-se “uma redução no volume de negócios anual, com 48,2% das organizações e 70,5% dos profissionais a constatarem uma redução no volume de negócios de, no mínimo, 50%”.

Estes dados são inequívocos e revelam que os impactos da COVID-19 no setor cultural português serão extremamente significativos. “As organizações e os profissionais do setor cultural, auscultados através de um inquérito por questionário, não deixaram margem para dúvidas revelando que, se não forem tomadas medidas urgentes, substantivas e estruturantes, o setor cultural português poderá sofrer danos irreparáveis fruto da pandemia”, refere o mesmo estudo do POLObs.

Apesar de haver quem tenha conseguido beneficiar de apoio público durante o período em que não foi permitido trabalhar, muitos foram aqueles – empresas ou profissionais independentes – que não tiveram acesso a qualquer tipo de apoio, ficando assim sem qualquer meio de subsistência.

Os impactos desta paragem abrupta não tardaram em sentir-se. “Aos 25 anos e com uma vida já estruturada de forma independente, vi-me forçada a voltar para casa dos meus pais e ficar lá durante quatro meses. Não tinha outra forma de sobreviver. Os custos são completamente incomportáveis quando não tens qualquer fonte de rendimento. Deixei de ter dinheiro para comer e a prioridade focou-se em não perder o meu apartamento. Esta mudança foi assustadora e tive um impacto brutal na minha saúde mental”, conta Joana Sarabando.

Também Manuel Silva, maestro da Banda União Musical Paramense, relata algumas das consequências desta pandemia no que diz respeito ao funcionamento das bandas filarmónicas.

Manuel Silva (fotografia de Ana Santos)

“Como maestro de uma banda filarmónica, o principal impacto sentido é mesmo o da impossibilidade de ensaiar e de manter a atividade artística regular. Como é sabido, as bandas filarmónicas são compostas por uma grande quantidade de músicos amadores que acabam por tocar o seu instrumento musical uma vez por semana, quando se realizam os ensaios. Esta impossibilidade de reunir para ensaiar implicou que muitos desses músicos amadores tivessem interrompido a sua prática regular, o que consequentemente representou uma grande perda de capacidades e conhecimentos já adquiridos, tendo mesmo acontecido alguns desses músicos abandonarem por completo a sua atividade musical”.

Manuel Silva, maestro da Banda União Musical Paramense

Com o fraco e insuficiente apoio do estado, muitas bandas filarmónicas viram os seus músicos abandonarem a atividade musical, o que representou um duro golpe na sobrevivência destas associações e dificultou também o seu regresso.

Mas, se as dificuldades sentidas foram muitas, a resiliência no setor da cultura revelou-se ainda maior. Em resposta à forçada imobilização, muitos artistas, atores, músicos, performers optaram por apresentar os seus projetos online. De um momento para o outro, as redes sociais foram inundadas de concertos transmitidos em direto, museus a fazerem visitas guiadas virtuais, podcasts e séries começaram a surgir. Passou a ser natural para muitos portugueses ver e participar em atividades virtuais, principalmente através das redes sociais.

“Enquanto artista, tive que me reinventar e descobrir novas formas de poder difundir a minha arte, mas nunca foi suficiente. Porque engane-se quem pensa que este tipo de iniciativas trazia um grande retorno financeiro. Os meios não eram os desejados e o alcance ficava muito aquém daquilo que seria expectável. Apesar de terem surgido alguns projetos, poucos eram pagos e os que eram, nunca eram suficientes para que pudesse ver a minha independência de volta. Por isso, ansiei muito este regresso às salas de espetáculo. É um regresso arriscado, a medo, sempre na corda bamba porque a qualquer momento um dos elementos da produção pode ficar infetado e comprometer a realização de um espectáculo, mas um regresso muito aguardado, muito feliz e com muita força. Não há nada que substitua o ritual de sair de casa, ir até uma sala de espectáculos, ver outras pessoas, sentir ao vivo as emoções transmitidas! E com isto peço, venham ao teatro, vão ver concertos, vão visitar museus! A cultura é segura e precisa muito de todos nós!”.

Joana Sarabando
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