O impacto da pandemia nos escalões de formação de futebol

De que forma a pandemia está afetar os escalões de formação no futebol? Treinador desde os 21 anos, Tomás Recatia, técnico principal da equipa sub-15 do Académico de Viseu Futebol Clube, acredita que o “maior desafio” durante este último ano foi a motivação dos atletas. Além disso, o treinador admite que o futebol de formação é “essencial” para o crescimento de qualquer atleta que pratique a modalidade.

Por Tânia Chaves

O regresso vagaroso aos relvados

Após vários meses de confinamento geral no país, o futebol foi muito afetado e a formação não foi exceção. Quando os treinos retomaram, foram várias as regras que tiveram que ser cumpridas e esse foi um dos maiores desafios de Tomás Recatia, bem como, da equipa técnica que o acompanha. Com as normas da DGS (Direção Geral da Saúde), foram impostas algumas limitações à prática do futebol de formação. Desde a proibição do uso dos balneários, à entrada no relvado de treino de máscara, ao cancelamento de campeonatos, foram várias as restrições impostas.

Além disso, o técnico principal realça que “nos momentos em que se podia treinar, o sentimento de incerteza estava sempre muito presente. “Os atletas vinham treinar uma ou duas semanas e depois voltavam para casa, e isso não ajudou”. Numa entrevista à Bola Branca, José Couceiro, vice-presidente e diretor técnico da FPF (Federação Portuguesa de Futebol) destacou a preocupação com o impacto da pandemia nas camadas jovens. “Eles nunca mais vão ter 12 ou 13 anos, e os que têm 18 ou 19, para o ano serão seniores sem acabar os dois últimos campeonatos.”

Bruno Guerra, treinador-adjunto de Tomás Recatia, revela que na altura em que os treinos retomaram, não podia haver contacto. Assim, “os atletas eram obrigados a manter o distanciamento de dois metros”, o que impedia que alguns exercícios fossem realizados, como é o caso dos livres, cantos, um para um, entre outros. Desta forma, “os treinos tiveram de ser adaptados de acordo com as medidas “que iam sendo anunciadas de 15 em 15 dias”.

Segundo Bruno Guerra, o “Académico aproveitou todas as oportunidades possíveis para treinar fosse a 10 ou 20 metros uns dos outros, os atletas vinham e treinavam”, algo essencial para manter os jogadores aptos. Além disso, Tomás Recatia destaca a “importância da prática de desporto nestas idades”, uma vez que a “motricidade humana é muito importante”.

Bruno Guerra e Tomás Recatia

João Chaves, central de 14 anos e capitão principal da equipa dos sub-15, recorda os momentos de regresso como “difíceis”, porque o convívio entre colegas de equipa era limitado, uma vez que “não era permitido o uso dos balneários antes e depois do treino, e a temperatura era sempre medida em todos os treinos”. Porém, confessa que até ao momento, “a entrada em campo com máscara continua em vigor”, sendo que só é retirada para treinar. Além disso, “cada jogador traz para o treino o seu cantil, para não haver qualquer tipo de partilha de objetos pessoais”.

A jogar no Académico de Viseu desde os quatro anos, o defesa central dos sub-15 admite que “o futebol foi muito prejudicado com a pandemia”, uma vez que “os treinos pararam durante algum tempo, e os campeonatos de formação foram todos cancelados”. Num contexto pandémico, o mister Tomás Recatia confessa que “a mudança foi muito brusca”, uma vez que alguns dos 22 atletas passaram de um contexto de futebol de 9 para 11 muito rápido”.

Assim o treinador admite que “muitas das técnicas e táticas de jogo tiveram que ser revistas em agosto, quando os treinos voltaram à “normalidade”. Afonso Oliveira, médio de 14 anos, sublinha a importância do retorno aos relvados. “Antes do confinamento estávamos em melhor forma física”, afirma. Porém, com “o regresso aos treinos e às competições, os objetivos e o foco da equipa” voltaram a estar presentes. 

Afonso Oliveira

Com o regresso às competições por parte do futebol profissional, as camadas jovens acabaram “por desmotivar ainda mais, sem certezas de quando e em que contexto voltavam aos relvados”, admite Tomás Recatia. Porém, quando voltaram, a “sede” de competir, foi ainda maior. Desta forma, os campeonatos retomaram e a esperança de José Couceiro foi concretizada, uma vez, em janeiro de 2021, em entrevista à Renascença destacou a importância da competição. “O mais importante não é encontrar campeões, nem equipas para subir ou descer de divisão. O mais importante é criar espaços competitivos, para que estes jovens possam ainda ter competição durante esta época desportiva. 

Para Afonso Oliveira, “o facto de pode voltar à competição e aos treinos com os colegas” motivou-o, uma vez que no campeonato transato fizeram apenas 6 jogos. Também o defesa central João Chaves, refere que “agora é possível conviver de forma diferente com os companheiros de equipa”, algo que há ano não era possível.

João Chaves

Os treinos antes e depois do confinamento

Ainda com a pandemia a não dar tréguas, a pouco e pouco, as coisas estão a voltar à normalidade, ainda que não seja a desejada por todos. Assim, a equipa técnica liderada por Tomás Recatia, está calmamente a “tentar recuperar uma geração que foi muito afetada”. No período de confinamento geral, “os atletas isolaram-se muito em casa, e acabaram por ter pouco contacto social”. Além disso, os jogadores acabaram por “ser muito afetados” no ponto de vista físico, na capacidade de coordenação, técnica entre outros. “Um atleta que está fechado em casa uma ou duas semanas, sem qualquer prática de atividade física, perde alguma força muscular”.

Com os vários entraves no futebol, muitos atletas abandonaram a modalidade e houve até clubes a passar algumas dificuldades. “Entendo que houve clubes a passar mal com isso, por causa do abandono dos miúdos, mas acho que associado a isso está a motivação para o treino”. Além disso, Tomás Recatia considera que “a reputação e representatividade dos clubes também ajudou a que parte do abandono acontecesse”.

Fruto do confinamento e da paragem da prática da modalidade durante largos meses, o número de atletas inscritos da FPF desceu abruptamente. Na época 2019/2020 estavam inscritos 159.318 atletas, sendo que nesta temporada (21/22) há apenas 39.471, o que representa a redução de 25% em relação às duas épocas transatas. Além disso, só no futebol de formação estava prevista a realização de quase 3 mil jogos só na temporada de 20/21.

Na perspetiva do treinador, existem semelhanças entre aquilo que eram os treinos pré” pandemia e o que são agora, uma vez que “a tática e a exigência continuam a estar presentes”. Como forma de combate à perda de condição física dos atletas, o “plantel realizou várias práticas físicas extrafutebol, além dos vários convívios ‘zoom’ que foram feitos, como forma de proporcionar o companheirismo entre atletas”. Porém, nesses momentos, o técnico principal dos sub-15, sabia que isso não era suficiente. “Faltou muito aquilo que era o elemento social, mais que o físico. Estar no balneário, pisar o sintético ou o relvado com os colegas”.

Com os meses de paragem os precalços foram além da desmotivação dos jogadores. Bruno Guerra e Tomás Recatia garantem que a quantidade de lesões aumentou de forma exponencial em relação a anos anteriores. “Desde agosto até agora, houve entre quatro a cinco lesões de jogadores, e isso é um dos efeitos da pandemia”.

Além disso, para Tomás Recatia é importante ter um plantel de 22 jogadores onde a rotatividade e as alternativas são maiores. “Houve atletas que até de forma solitária, acabaram por contrair lesões de média gravidade com duas a três semanas de paragem”. Vários meses de interrupção, acabam sempre por, de forma mais ou menos tendenciosa, fazer com os atletas se isolem por não praticarem qualquer tipo de atividade física. Depois, quando retomam às competições e treinos, “as lesões acabam por acontecer com mais gravidade, fruto dessa mesma paragem”.

O papel do treinador dentro e fora de campo

Com o futebol de formação a evoluir cada vez mais, as “equipas e as táticas estão também a aproximar-se”, afirma Tomás Recatia. Ou seja, para o treinador, as equipas mais pequenas, estão cada vez mais a formar “melhores jogadores”, o que faz com que a dinâmica e competitividade dos clubes aumente. Assim, o técnico destaca o “papel fundamental que a FPF (Federação Portuguesa de Futebol) tem tido, naquilo que é a exigência dos clubes com os atletas e que tem sempre tendência a melhorar”.

Com 22 jogadores, “com idades entre os 14 e os 15, é muito difícil conseguir agradar a todos da mesma forma”. Para Tomás Recatia, “estas são idades críticas, uma vez que os jogadores começam a descobrir-se e a moldar a personalidade”. É aí que entra o papel agregador do treinador. “Dentro das quatro linhas, os jogadores têm que perceber a exigência da modalidade e da competição. Mas, fora do treino, sabem que o treinador é um amigo, com quem eles podem contar para tudo”, confessa.

Numa sociedade em que os jovens estão cada vez mais a isolar-se, e o stress é um conceito muito presente, o alto rendimento nos diversos campos de atividade , por vezes não acontece. Desta forma, Tomás Recatia afirma que muitas vezes, “os atletas chegam ao treino tristes, e é importante e necessário saber porque é que isso aconteceu, antes de criticar o jogador por ele não ter tido rendimento. Já tive atletas que chegaram ao treino tristes, e eu perguntei qual era o motivo, e já recebi respostas como ‘mister, tive uma negativa a físico-química’ e as coisas no treino não saem bem, e isso é normal”. É aqui que a psicologia entra, como “conjugação daquilo que é o bem-estar pessoal de cada atleta”, por isso é importante conhecer muito bem cada um dos jogadores.

A importânica do futebol de formação nos jovens

Sendo o desporto uma escola destinada a formar os jovens, das mais variadas formas, o futebol não foge à regra, sendo que a passagem pelas camadas jovens das equipas é vantajoso para o atleta. No futebol, além de toda a técnica, “os jogadores aprendem valores morais, algo que os vai ajudar na vida”, sejam eles futuros jogadores ou não. “Eles aqui aprendem a respeitar o próximo, a respeitar o colega de equipa, o adversário, aprendem a conviver, a respeitar o material que usam, a lidar com o mau feitio do treinador, com a frustação, com o ‘não’, com não conseguirem fazer golo, ou fazer uma defesa, no caso dos guarda-redes” refere Tomás Recatia.

Num plantel extenso, onde de 22 jogadores, só alguns podem jogar em cada jogo, há muitos momentos de desilusão por parte dos atletas. “Tenho 22 atetlas, e nos jogos nem todos podem ir a jogo. Muitas vezes pode haver um jogador que vai aquecer e depois não entra, e isso é frustante para qualquer atleta.”

Além de todos os contratempos que um jogador possa viver dentro de campo, há alguém que “deve ser sempre o porto de abrigos dos atletas, os pais”. “O papel dos pais no futebol, deve ser meramente o de apoiar o filho e trazê-lo ao treino, isso é importantíssimo. O apoio por parte dos que lhes são mais próximos é fundamental”, sublinha Tomás Recatia. Para João Chaves, a presença dos pais na bancada em dias de jogo, é essencial. “Por norma, tenho sempre o meu pai ou a minha mãe a ver os treinos durante a semana, eles trazem-me e depois ficam a assistir. Em dias de jogos, também ficam”. Afonso Oliveira, refere também que o “apoio vindo das bancadas é importante para o grupo”.

Licenciado em Desporto pelo Instituto Politécnico da Guarda Tomás Recatia caracteriza-se como um “treinador totalmente ambicioso”. Aos 21 anos, saiu diretamente do Ensino Superior e veio treinar os vários escalões do Académico de Viseu Futebol Clube. Passou pelos sub-17, sub-18 e sub-19, até que em agosto de 2021 assumiu o comando técnico dos sub-15. Assim, Tomás Recatia entende a primazia dada à formação, mas o seu foco principal, tal como o de muitos outros treinadores, é chegar aos mais altos patamares do futebol.

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