De portas fechadas: o impacto da pandemia na restauração

O arranque da pandemia Covid-19 em Portugal ditou o fim de muitos negócios. Milhares de pessoas viram-se obrigadas a fechar as portas dos seus estabelecimentos, o método de ensino passou para o online e o teletrabalho foi instaurado. Os setores de economia sofreram um impacto muito negativo da pandemia, mas os efeitos não foram iguais nas diversas áreas de atividade, afetando principalmente o alojamento e a restauração.

Por Mariana Brilhante

A 2 de março de 2020 a ministra da saúde, Marta Temido, anunciou os dois primeiros casos de Covid-19 em Portugal e, dez dias depois, o número de infeções subia para 18 e o primeiro ministro, António Costa, declara a redução de lotação máxima dos restaurantes.

A 18 de março de 2020 é declarado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o estado de emergência por 15 dias, com dever de recolhimento no âmbito de um período de confinamento que obrugou milhares de restaurantes a fecharem as suas portas, com a esperança de que no prazo de duas semanas as voltariam a abrir.

A restauração é um setor que depende do fluxo das pessoas e também em grande parte dos turistas e foi uma das atividades mais atingidas pelo confinamento e sucessivos estados de emergência, que proibiram as deslocações e levaram ao encerramento a partir das 13h00, aos fins de semana. Atualmente, a viver o segundo confinamento, os restaurantes apenas podem funcionar em regime de take-away.

Ricardo Pinto é dono do Snack-Bar – ‘O Emigrante’ em Castro Daire, Viseu, há 27 anos. Apesar de ter serviço de café, este é um espaço que serve refeições económicas. Em março de 2020 acabou por fechar as portas, “ainda sem o governo decretar confinamento obrigatório, por sentir que era o melhor”, para si e para a sua para a minha família.

Café Snack-Bar O Emigrante

O proprietário d’O Emigrante recorda os tempos anteriores à pandemia, quando tinha o seu estabelecimento cheio, com os clientes do costume que nunca faltavam aos almoços que servia. “Tive sempre muito movimento de pessoas no meu estabelecimento. Na hora do almoço os que mais procuravam as nossas refeições económicas eram os trabalhadores da construção civil”, declarou Ricardo Pinto.

Ricardo Pinto sentia-se feliz e realizado, o lucro permitia ter uma vida estável e ajudar nos estudos da filha, que está a tirar um curso superior. Após fechar as portas, teve de recorrer às poupanças, pois o estabelecimento era a sua única fonte de rendimento. “Durante a pandemia não entrou dinheiro em casa, porque como o meu estabelecimento apenas servia refeições económicas e não se justificava o take-away. Sempre tive uma boa capacidade de gestão, consegui assegurar todas as despesas”, explica o proprietário, referindo-se a esta altura como “um cenário aterrador”, porque apesar de ter o restaurante fechado as despesas continuavam a aparecer.

Amadeu Paiva também possui um restaurante em Castro Daire. Na placa pode-se ler “Paris” e este nome podia ter história, contudo o proprietário confessa que quando comprou o espaço já tinha nome e decidiu não mudar. Apesar de ser um negócio com apenas seis anos, este é um restaurante que sempre teve muita procura. “Antes da pandemia obviamente que a movimentação era mais elevada, como podemos comprovar até pelo nível de faturação que sempre me deixou numa posição confortável”, refere o proprietário.

Um estudo feito pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) revela que o setor da restauração registou quebras superiores a 60% na faturação no mês de dezembro de 2020. Estes resultados mostram as dificuldades das empresas em manter os seus negócios e postos de trabalho.

Amadeu Paiva revela que após a reabertura do restaurante a faturação teve uma quebra para menos de metade: “em tempo de pandemia a movimentação desceu e consequentemente a faturação desceu. Mais ou menos por dia consegue-se fazer 120 euros, 3600 por mês sendo isto uma estimativa pois nesse aspeto nunca sabemos com o que contamos no próximo mês”.

Com as medidas de restrição aos fins de semana, os proprietários de restaurantes que tentavam reerguer-se voltaram a ver o negócio afundar, pois os dias que mais geravam lucro eram justamente ao fim de semana.

Ricardo Pinto confessa que não ter empregados é uma vantagem e um alívio nas despesas. O facto de ter de voltar a encerrar as portas ao fim de semana deixou-o bastante preocupado com o futuro. “Tive muito receio nessa altura, porque gastei bastante dinheiro nos meses anteriores que queria recuperar e ver dias parados com pouco movimento preocupou-me muito. Nunca me senti assim, apreensivo, com medo do que pudesse acontecer”, confessa o empresário. Segundo Ricardo Pinto, durante o verão, “O Emigrante” teve uns meses em que o negócio melhorou bastante e foi uma “lufada de ar fresco”, contudo com as restrições e novo confinamento o cenário voltou a piorar.

Ricardo Pinto e Amadeu Paiva partilham da opinião de que o Governo deveria tomar medidas mais imediatas para ajudar os empresários da restauração. Ambos acham que, neste momento, a melhor forma de manter o negócio, ainda que a “meio-gás” é através do serviço take-away. “A única opção que eu encontro para os restaurantes trabalharem durante o confinamento será apenas em take away para que se possa evitar ajuntamentos e diminuir o número de contágios”, declara Ricardo Pinto.

Apoio de 1103 milhões de euros

Com as medidas do novo confinamento, decretado em janeiro de 2021, o setor da restauração viu-se outra vez numa situação financeira dramática. Todos os estabelecimentos tiveram de fechar e restringir-se apenas ao take-away, não sendo sequer possível a venda à porta dos restaurantes. A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) diz que a capacidade de intervenção por parte do Governo “não tem sido ágil, rápida nem universal”.

Em novembro de 2021 foi aprovado pelo Governo apoios que correspondem a mais de mil milhões de euros, dos quais 500 milhões a fundo perdido, para a restauração e similares.

O Governo pretende injetar 200 milhões de euros a fundo perdido no Apoiar.pt, que tem como objetivo o apoio à tesouraria das micro e pequenas empresas que atuam em setores afetados pelas medidas de confinamento, assegurando a sua liquidez no mercado e consequente atividade económica durante e após o surto pandémico; 25 milhões de euros no suplemento Apoiar a Restauração, que se trata de um instrumento de apoio a fundo perdido à tesouraria das micro, pequenas e médias empresas do setor da restauração, gravemente afetas pelas restrições decorrentes do Estado de Emergência decretado a 6 de novembro.

No total, o apoio ao setor da restauração e similares é de 1103 milhões de euros, sendo 523 a fundo perdido, que corresponde a 60% da quebra da faturação no setor.

Com as portas novamente fechadas, cai a incerteza sobre quando se voltarão a abrir. Os empresários da restauração vivem tempos de terror, as dificuldades apertam cada vez mais e os pensamentos de encerrar de vez o negócio instalam-se.

O dono do Snack Bar – ‘O Emigrante’ confessa que sente medo dos tempos que se aproximam. “O medo vai aparecendo porque neste momento não temos a menor ideia de quando vamos abrir portas (…) não sei se aguentarei o negócio depois, vai depender muito do tempo de confinamento e de como será o movimento assim que se voltar à rotina”, revela Ricardo Pinto.

Quanto ao futuro do seu restaurante, “Paris”, Amadeu Paiva não tem expectativas: “é uma situação que ainda vamos ter de avaliar, pois não sabemos quanto tempo mais vamos estar sem regressar á normalidade”.

Portas que não tornaram a abrir

Face às dificuldades financeiras, em consequência da pandemia Covid-19 em Portugal, houve muitos restaurantes que não resistiram e viram-se obrigados a encerrar as suas portas de vez.

Aos 43 anos, Graça Campino decidiu embarcar na aventura de abrir um restaurante, conduzida pelo sonho do sócio, que por motivos pessoais teve de desistir do restaurante dois anos após a abertura.

Apesar do trabalho estável que tinha, Graça Campino decidiu continuar com o negócio. O restaurante “Marcão”, que fica em Loures, Lisboa, servia almoços de segunda a quinta e às sextas e sábados abria também para petiscos durante a tarde e jantares.

Graça Campino revela que assim que começou o primeiro confinamento, em março de 2020, sabia que o restaurante não se ia aguentar: “antes da pandemia o restaurante não dava lucro, tinha apenas 3 anos e ainda havia empréstimos a ser pagos. Após o primeiro confinamento foi muito complicado reerguer o restaurante, estava a tirar do meu ordenado para manter o restaurante e mesmo assim não cobria todas as despesas”.

Em agosto de 2020, a empresária teve de encerrar o restaurante, cerca de 3 anos após a abertura. Graça Campino afirma que não era a sua vontade, mas teve de ser feito: “nunca foi fácil por serem os primeiros anos e também por ter ficado sem o meu sócio, mas fechar não era uma opção até que teve mesmo que ser”, declara.

A ex-proprietária do restaurante “Marcão” confessa que ainda tem despesas por pagar, mas o facto de nunca ter deixado o seu emprego foi uma mais valia.

“Tenho a sorte de não ter ficado sem emprego durante a pandemia, sempre o mantive porque o restaurante ainda não dava lucro, agora foi-se o restaurante mas ficaram as dívidas, tem sido muito complicado de gerir.” Graça Campino revela ainda que apesar de tudo se sente triste, não só pelo encerramento do seu negócio, mas também por ter tirado o emprego a outras pessoas, “custou-me muito ter que dizer às pessoas que trabalhavam no restaurante que ia fechar, que elas iam perder o único trabalho que tinham (…) sempre cuidaram do meu restaurante enquanto eu trabalhava noutro lado, confiava neles como se fossem família.”

Graça Campino, ex-proprietária do restaurante Marcão

Assim como Graça Campino, centenas de pessoas perderam o seu negócio devido ao impacto causado pela pandemia Covid-19.

Imagem de Queven por Pixabay

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