Escalões de formação treinam sem competição

A atividade desportiva nos escalões de formação tem sido um dos principais alvos da SARS-CoV-2 e, em Viseu, a situação é de alarme com um decréscimo elevado no número de inscritos nas modalidades de futsal, hóquei em patins, voleibol, futebol, basquetebol e andebol. Já lá vão dez meses desde o início da pandemia e os jovens atletas portugueses têm seguido, de forma exemplar, as normas impostas pela DGS – podem treinar, mas sem qualquer tipo de competição. De Norte a Sul de Viseu, o #dacomunicação, foi tentar perceber como é que os clubes de terras de Viriato têm mantido a atividade nos escalões jovens na presente época desportiva.

Por André Reis

A primeira paragem foi na sede da Associação de Solidariedade de Caparrosa (ASSOC-AETCF), em Tondela, onde conseguimos perceber, desde logo, que as regras do basquetebol mudaram radicalmente, pelo menos nos escalões jovens. O coordenador desportivo da ASSOC-AETCF, Luís Carmo, explicou que os atletas têm comparecido “regularmente” aos treinos, e que o facto de se jogar com um “adversário imaginário” exige “o dobro” do trabalho aos colaboradores do clube, apelando a um “maior apoio por parte das federações”. Para o responsável, uma sugestão para Portugal passaria por seguir os passos de Espanha, onde jogadores estão a competir com algumas condicionantes, como a utilização de máscara.

Após o contacto com o presidente da Associação de Basquetebol de Viseu, Jorge Duarte, percebemos que a situação é delicada. Apenas três clubes de basquetebol em Viseu mantiveram a atividade nos escalões de formação, entre eles a Associação de Solidariedade de Caparrosa. Uma perda de cerca de 80% de praticantes no basquetebol jovem em Viseu.

Equipa de sub-16 da Associação de Solidariedade de Caparrosa em treino na presente época

No andebol a situação é idêntica. Em declarações ao #dacomunicação, Joaquim Escada, presidente da Associação de Andebol de Viseu, revela que mais de 1300 jovens deixaram de praticar a modalidade devido à pandemia. Artur Ferreira, presidente do ABC de Nelas, critica o facto dos atletas poderem competir dentro dos próprios clubes “com jogos entre escalões” e ainda, a falta de ação da DGS que, até ao momento, não alterou nenhuma das medidas impostas em agosto de 2020. Já o coordenador de formação, Jorge Coelho, refere que a falta de competição está a ter “um impacto a nível psicológico e escolar” em muitos dos jogadores.

O impacto da inatividade desportiva nos jovens

Os números são “preocupantes”: nas duas modalidades as perdas relativas ao número de praticantes ascendem aos 80%. Um estudo feito pela Eurostat demonstra que Portugal é considerado um dos países com mais baixos indicadores de prática desportiva na União Europeia, situação que, segundo Vitor Santos, embaixador do Plano Nacional de Ética Desportiva, é “alarmante” devido ao elevado número de jovens que tendem a abandonar a prática desportiva na idade dos 14 e 15 anos. O facto da época desportiva 2020/2021 ter sido, provisoriamente, cancelada nos escalões de formação contribui para agravar esta situação, pondo em risco o “desaparecimento de muitos clubes e associações”.

As gerações de jogadores que estão a ser afetadas por esta situação “não vão evoluir como é expectável, pois vão estar mais de um ano sem os estímulos competitivos, e isso é insubstituível”, afirma Nuno Loureiro, professor da Escola Superior de Desporto de Rio Maior.

Esta limitação da atividade ou paragem a longo prazo das competições, segundo a especialista em psicologia desportiva, Cristina Varandas, tem um “forte” impacto no bem-estar psicológico dos jovens desportistas e pode provocar perdas no “empenho quer no contexto educacional, quer social”. O outro fator referido pela especialista é relativo à incerteza da duração deste acontecimento, que contribui para um “maior abalo da saúde mental e autoestima dos jovens e que vai ter repercussões no futuro”.

O sedentarismo é um dos temas mais falados pelos especialistas sobre o abandono desportivo. “A perda total de estímulos competitivos ou de atividade física nas diferentes modalidades, vai originar um aumento do sedentarismo na população jovem portuguesa”, afirma Tiago Félix, médico do Clube Desportivo de Tondela, ressaltando ainda que o desporto competitivo é uma maneira de “combater este aspeto” e fomentar a atividade física nos jovens. Outro dos problemas que Tiago Félix realça é a falta do estímulo diário que provoca alterações nos padrões de sono, nas rotinas, na organização e que tem, posteriormente, consequências a nível físico e psicológico.

O especialista em medicina desportiva, Luís Lima, diz que a curto prazo poderão surgir doenças derivadas do sedentarismo como a diminuição da capacidade cardiorrespiratória, redução da capacidade muscular e da capacidade óssea de resistir ao impacto. Já a longo prazo refere que pode dar origem a doenças como: diabetes, obesidade, cancro e doenças cardíacas.

O testemunho dos esquecidos do desporto

Diana Silva joga na Associação de Solidariedade de Caparrosa, concelho de Tondela, no escalão de sub-16, e contou-nos como têm sido estes meses intensos de treinos. Frustração, falta de motivação e desorganização a nível escolar foram alguns dos aspetos que a jovem basquetebolista mencionou, face à impossibilidade da realização de jogos aos fins de semana. “A nível pessoal, o jogo era uma maneira de libertar as minhas energias e mesmo nos piores dias, independentemente do resultado, o jogo fazia com que tivesse sempre um sorriso na cara, porque estava a fazer aquilo que gosto com as pessoas que gosto”, conta a atleta.

Diana Silva em ação num dos treinos da equipa

Lou Esteves, jogadora de voleibol da Associação Recreativa e Desportiva “Os Povoenses”, refere que teve “bastantes” dificuldades para se adaptar a esta nova rotina e que isso teve implicações a nível pessoal, escolar e sentimental. Apesar da atividade desportiva não ter sido interrompida no clube, a atleta diz que há uma monotonia nos treinos pelo facto do convívio ser sempre com as mesmas jogadoras, e que isso lhe “retira o prazer de ganhar” e origina falta de motivação.

As atletas d’ “Os Povoenses” já não competem desde março de 2020

Regresso à viagem por Viseu

Regressamos às modalidades em concreto e segue-se a mais afetada pela pandemia. Segundo os dados divulgados pelo Jornal de Notícias, o voleibol teve uma quebra de 90% relativamente à perda de atletas da formação e, em Viseu, a situação gera preocupação. A Associação Recreativa e Desportiva “Os Povoenses” e o Clube de Voleibol da Escola Secundária Latino Coelho foram os únicos clubes no distrito de Viseu a manter a atividade desportiva. “Grande parte dos clubes estão completamente parados sem qualquer tipo de prática desportiva desde o início da época, à exceção de dois clubes e isso deve-se ao facto de estes terem protocolos com as escolas”, explica o presidente da Associação de Voleibol de Viseu, Artur Pombinho.

Em São Pedro do Sul os jovens atletas que correm sobre rodas estão sem qualquer tipo de prática desportiva desde março de 2020. A modalidade de hóquei em patins foi fortemente afetada com a recomendação, por parte do Município de São Pedro do Sul, para a suspensão de todas as atividades presenciais dos escalões jovens. O presidente do Termas Óquei Clube, Tiago Ferreira, diz que os atletas devem começar a praticar a modalidade a partir dos cinco anos devido as várias “componentes técnicas que esta exige”, e que esta paragem vai fazer com “haja uma taxa de desistência enorme e dificuldades acrescidas para os atletas conseguirem evoluir” quando regressarem ao ativo.

Por último, na nossa “viagem pelas modalidades”, fomos perceber como é que o futebol e o futsal de formação se têm mantido durante estes meses. A Associação de Futebol de Viseu, que também é responsável pela modalidade de futsal, indica que mais de quatro mil atletas não se inscreveram, ou seja, uma perda de mais de 80% das inscrições em comparação com a época transata. Apesar de os números não serem animadores o presidente da Associação de Futebol de Viseu, José Carlos Lopes, mostra- se otimista e afirma que o regresso dos escalões de formação, na época desportiva 2020/2021 “é possível” e que será feito em modos competitivos “completamente diferentes”, reforçando que é “importante” que os jovens retomem a atividade. O responsável pelo futebol e futsal em Viseu, diz que caso os jovens não regressem à competição o impacto vai ser “altamente negativo” e que vai ser muito difícil recuperar e atingir os patamares que se atingiram nos últimos anos.

“Abondando” é assim que o presidente do comité olímpico de Portugal, José Manuel Constantino, em entrevista à SIC, descreve a situação atual do desporto em relação à agenda política portuguesa. Aponta-se para uma perda de 173 mil jovens federados em Portugal, face à época 2019/2020.

Imagem de taoonex por Pixabay

a