2020

Um artigo de opinião sobre o ano em que as tradições têm de ser alteradas, por razões impostas pela pandemia

Por Kevin Santos

As celebrações do Ano Novo foram canceladas. Não há fogo de artifício, champanhe e contagens decrescentes. Ou há, mas em casa. Não há festas, multidões, gritos e álcool. Há reflexão, esperança e preces. Não é preciso ser vidente para adivinhar quais são os desejos para 2021… a cada passa que passa, 6 vezes “xau covid!” e 6 vezes “não voltes nunca mais!”

2020 deixa uma marca demasiado profunda. Não devemos esquecer que este foi um dos piores anos de sempre para nós, mas terá sido bem pior para os que não vão viver mais nenhum. E é por isto que não faz sentido festejar o seu fim. Podemos poupar o champanhe, os foguetes e os gritos eufóricos para o momento em que nos digam “tirem as máscaras (mas não larguem o desinfetante, esse até que não é má ideia), o maldito vírus foi embora e não vai matar mais ninguém”!

Quem, há um ano, previa algo assim? Que iria chegar um vírus capaz de empurrar toda a gente para dentro das suas casas? E os que não tinham casa? Talvez se tenham sentido mais queridos que nunca… O mundo parou e as pessoas lembraram-se deles. A pandemia veio ensinar-nos algumas coisas. Entre elas, algo muito valioso: no final de tudo, ninguém é mais que ninguém… somos todos iguais. O vírus chegou e não olhou a cores, géneros, cargos, nomes, estatutos… nada. Agora, o mundo vai voltando ao normal. E não era o mundo normal que eu queria. No inicio do confinamento as crianças pintavam arco-íris e escreviam “vai ficar tudo bem”. Deviam escrever “vai ficar tudo normal”, porque “bem” as coisas já não estão há muito tempo. E depois de tanto tempo a lutar contra um maldito invisível, ainda não aprendemos nada.

Quem não se arrepiou ao ver as imagens das varandas italianas em festa? Quem não se arrepiou com as pessoas que decidiram pôr as mãos na massa e ajudar os que mais precisavam? Quem não se arrepiou com a união das pessoas? Apartamentos, condomínios, quarteirões inteiros a aplaudir os esforços dos que lutavam por nós… Teatros, espetáculos de música, podcasts… Bem, o que conseguimos fazer! O mundo parou e olhámos para quem estava ao nosso lado. Foi tão bom parar… E agora?

A maior parte das pessoas diz que não podemos parar, “a nossa economia não aguenta”. E é este o problema da nossa sociedade, do nosso mundo. Não conseguimos parar, não nos deixam. Não passamos de escravos deste sistema. Uns queixaram-se de privação de liberdade… cá eu penso que nunca me senti tão livre como naqueles dias de março e abril.

2021 será melhor, até porque pior parece impossível. E o meu maior desejo é que a Mulher e o Homem se libertem das correntes que os amarram às obrigações de um mundo viciado. O meu maior desejo é sentir tudo o que senti em março, ao ver as imagens das varandas em festa, das iniciativas nas redes sociais, etc. O meu maior desejo é que as pessoas percebam que podem (e devem) parar, mesmo que o mundo não pare. Que olhem para os seus e vivam mais. A vida passa a correr. E se correr mal? O que poderá correr mal se nos tivermos uns aos outros? E se o mundo tiver de parar, pois façamos com que pare. É tempo de mudar…

a