Apenas algumas vidas importam

Por Kevin Santos

O movimento Black Lives Matter afirma, como está explícito no próprio nome, que as vidas negras importam. Um movimento originário dos Estados Unidos da América e da comunidade afro-americana que acabou por se estender a um nível global. Pelo menos no mundo dos ocidentais, no mundo dos países (autointitulados) ‘desenvolvidos’. Na verdade, este movimento alcançou dimensão mundial apenas mediaticamente e não se materializou em propostas concretas para o fortalecimento das sociedades, de forma a que estas se tornem sociedades mais unidas e igualitárias. A verdade é que este movimento não ajuda, como teimam em afirmar os ativistas, os negros. Este movimento ajuda apenas uma parte da comunidade negra.

A luta é benéfica, sem dúvida. Devemos lutar por um mundo onde somos todos iguais, em que ninguém é mais que ninguém. Mas há algo que não bate certo neste caso (e não só). O movimento afirma lutar pela igualdade e justiça racial de todos os negros, mas acaba por esquecer a maior comunidade negra do mundo: África. Ou seja, não são as vidas negras que importam, são as vidas negras… ‘ocidentais’. Talvez esta conceção vá de encontro à conceção que os americanos se veem como os donos da Terra ou que, simplesmente, os EUA são o mundo.

A ironia do título deste movimento pode ser constatada em vários acontecimentos que se têm verificado no continente africano. Por exemplo: a brutalidade policial na Nigéria, que culminou na morte de vários civis e polícias; a proliferação dos movimentos jihadistas nesse país (Boko Haram/Estado Islâmico) e em muitos outros, como Moçambique, de onde nos chegam notícias de confrontos entre jihadistas e as forças governamentais moçambicanas (auxiliadas por mercenários sul-africanos). A ONU não consegue, inclusive, verificar o número de mortos e fornecer ajuda a uma província (Cabo Delgado) que lida com este conflito há três anos. Três anos (!) e o mundo não parece interessado em ajudar.

Parece que a nossa sociedade mede o preço das vidas e o peso das mortes. Uma lógica em que há vidas que valem mais e mortes que pesam menos. Na sociedade atual, vale mais 1 afro-americano que toda a população negra em África, valem mais 4 vidas francesas que 40.000 vidas islâmicas, valem mais três golos do Ronaldo que 2.300 mortes de soldados arménios. Não sentimos o mesmo choque quando assistimos às imagens dos atentados terroristas em França ou nos Estados Unidos da América e quando assistimos a imagens de bombardeamentos no Médio Oriente. Assistimos às imagens de milhares de refugiados que tentam escapar daqueles infernos bélicos, assobiamos para o lado e proferimos “olha para aquilo, que estúpidos”. Pois, que estúpidos. Deviam ficar sentadinhos no sofá a ver o telejornal (mais um espetáculo de entretenimento que serve para manipular as massas).

Estima-se que, desde o início da guerra, já houve mais de 384.000 mortes na Síria e que desses mais de 100.000 eram civis. Vamos continuar a deixar pessoas morrer em vão? Vamos continuar a deixar os sírios, arménios, moçambicanos, etc. sozinhos nos seus infernos? Vamos continuar a assobiar para o lado?

A realidade é que, atualmente, apenas algumas vidas importam. E as outras? Das outras ninguém quer saber…

All Lives (Should) Matter.

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