“Grândola, Vila Morena”, a canção que eternizou Zeca Afonso

Passam hoje 30 anos da morte de José Afonso, uma das figuras mais associadas ao derrube do Estado Novo, sobretudo pelas canções de carácter interventivo, como “Grândola, Vila Morena”, que foi usada como senha pelo Movimento das Forças Armadas, comandado pelos Capitães de Abril.
A história da canção “Grândola, Vila Morena” podia ser como a de qualquer outra canção, mas não é. José Afonso, ou Zeca Afonso, como era conhecido no meio familiar, escreveu a primeira versão do poema, que viria a ser canção, a 17 de maio de 1964 depois de ter sido convidado a participar nos festejos do 52.º aniversário da Coletividade Musical Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG).
“Grândola, Vila Morena” foi escrita na viagem de regresso a Lisboa depois da visita a Grândola, acompanhado pelos guitarristas Carlos Paredes e Fernando Alvim, enquanto conduzia o automóvel que os traria de volta à capital.
Mais tarde, em 1971, o tema foi gravado em França, no famoso estúdio Chateau d’Hérouville, como parte integrante do álbum “Cantigas de Maio” que contou com a produção de José Maria Branco e a musicalidade de Francisco Fanhais, Carlos Correia e claro está, José Afonso.
Ao contrário de outros temas de Zeca Afonso, a música “Grândola, Vila Morena” passou pelas malhas da censura e foi autorizada a ser interpretada no Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da Imprensa, que aconteceu em finais de março de 1974, cerca de um mês antes da Revolução dos Cravos, no Coliseu de Lisboa.
A insensibilidade dos censores para com a força inspiradora de “Grândola”, pode explicar que a tenham tolerado mais do que outras músicas, um mês antes da Revolução de Abril de 1974. O relatório sobre o concerto no Coliseu, de Malta Ramires, foi redigido dois dias depois do espetáculo e aponta apenas “pequenas artimanhas de vários artistas participantes para contornarem as proibições”.
Sobre a atuação de Zeca Afonso, o último a subir ao palco nessa noite, o relator refere: “Todos os artistas deram os braços e oscilavam o corpo da esquerda para a direita, no que foram logo imitados pelo público”. Nota-se que o censor sente-se inquieto somente quando percebe que o público acompanhou José Afonso na canção “Grândola, Vila Morena” dizendo mesmo que o público “berrava, cremos que intencionalmente, a estrofe ‘o povo é quem mais ordena’”.

Grândola, uma canção sempre atual
Há cerca de quatro anos, curiosamente, a 16 de fevereiro de 2013, quando se vivia em pleno Programa de Ajuda Externa com a presença da troika em Portugal, um grupo de cidadãos entoou na Assembleia da República durante o discurso do então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho a música “Grândola, Vila Morena” como forma de protesto perante algumas das políticas de austeridade do governo de direita.
Uma semana mais tarde, a 23 de fevereiro de 2013, a música foi cantada em Madrid numa manifestação contra o governo espanhol devido aos cortes efetuados no setor público e também a atos de corrupção denunciados na altura.

A morte de uma figura maior da música nacional
Em 1985, José Afonso edita o seu último álbum, “Galinhas do Mato”, álbum no qual não conseguiu interpretar todas as músicas devido à doença que o acompanhava há já alguns anos: Esclerose Lateral Amiotrófica. José Maria Branco, Sérgio Godinho, Helena Vieira, Fausto e Luís Represas completam o álbum.
José Afonso faleceu a 23 de fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, vítima de Esclerose Lateral Amiotrófica.

Texto: João Pereira
Foto: wikipedia

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